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Existem dois tipos de pacifismo – mas apenas um realmente funciona

Traduzido por Julio Batista
Original de Jonny Thomson para o Big Think

Em seu livro de 2008, Human Smoke, Nicholson Baker apresenta um argumento controverso: que os EUA e o Reino Unido provocaram a Alemanha e o Japão na Segunda Guerra Mundial. Seu livro afirma que impedir o Holocausto nunca foi o motivo pelo qual os Aliados entraram em guerra com a Alemanha. Em vez disso, essa foi uma justificativa retrospectiva para fazer com que todos se sentissem melhor durante a sombria recuperação dos anos 1950. Lutar contra a Alemanha nazista nunca foi sobre proteger os judeus. Era sobre quem era o dono do mundo.

Para Baker, a Segunda Guerra Mundial foi uma guerra como qualquer outra: era puramente voltada a dominação. Grã-Bretanha, Alemanha, Japão e Estados Unidos eram igualmente belicistas. De fato, o livro de Baker às vezes chega perto de sugerir, nas palavras de Christopher Hitchens, que “[entrar em] guerra pode realmente ter ajudado a facilitar o Holocausto”.

Os fatos não estão do lado dele. Mesmo depois que a guerra estourou na Europa em 1939, 94% dos estadunidenses se opuseram a intervir. Após a Primeira Guerra Mundial, não havia muito ânimo para outro grande conflito. Mas tudo mudou em 7 de dezembro de 1941, quando os japoneses bombardearam Pearl Harbor, uma base naval no Havaí. Após o ataque surpresa, os EUA entraram na guerra.

Para os propósitos deste artigo, tudo isso é irrelevante. O que vamos focar aqui é o argumento de Baker de que todas as guerras são erradas. A ideia de uma “guerra justa” é um mito, e a violência sempre gerará mais violência. Se você quer acabar com o ciclo de destruição, deve buscar a paz a qualquer custo. Então, qual seria o argumento pacifista – e ele realmente funcionou?

Base religiosa

A grande maioria dos pacifistas da história adotou essa filosofia devido às suas crenças religiosas. Martin Luther King Jr foi um pastor cristão, Abraham Joshua Heschel um rabino judeu, Rumi um místico muçulmano e Gandhi um hindu. A maioria das religiões tem como princípio central que os humanos são preciosos ou sagrados. Como resultado, os pacifistas religiosos acreditam que nunca devemos tirar uma vida humana – sob nenhuma circunstância.

Por exemplo, no budismo, o primeiro preceito dos Cinco Preceitos proíbe a destruição de seres vivos (algo que os jainistas levam muito a sério). No hinduísmo, Ahiṃsā (não-violência) é o Dharma (virtude ou dever) mais elevado. No cristianismo e no judaísmo, os Dez Mandamentos prescrevem: “Não matarás”, enquanto Jesus foi ainda mais longe e pregou oferecendo a outra face.

Os Quakers, especialmente, levaram esses ensinamentos a sério. O Quaker Peace Testimony prega: “Nós negamos totalmente todas as guerras, conflitos e lutas externas com armas externas, para qualquer fim ou sob qualquer pretensão.” E assim, durante grande parte da história, os Quakers recusaram o serviço militar e participaram de protestos contra a guerra. Em 1947, os Quakers ganharam o Prêmio Nobel da Paz por seu trabalho humanitário durante e após a Segunda Guerra Mundial. Para muitos religiosos, o pacifismo é absoluto.

O pacifismo funciona?

O pacifismo absoluto, então, é a ideia de que a guerra nunca é justificada. Mas o pacifismo funciona? Na maioria das vezes, quando as pessoas argumentam que sim, fazem isso com base em um estudo de caso histórico: Gandhi e a independência indiana. A história geralmente diz que a desobediência civil não violenta de Mohandas Gandhi, principalmente na Marcha do Sal de 1930 e no Movimento Quit India em 1942, levou à independência da Índia em 1947. Sem a resistência pacífica de Gandhi, não teria havido independência. Mas, há três problemas com este argumento.

Primeiro, a Grã-Bretanha na época (1947) dificilmente estava pronta para travar uma luta empenhada pela Índia. Não apenas o Império Britânico havia sofrido uma surra militar e econômica na Segunda Guerra Mundial, mas a descolonização era cada vez mais popular na própria Grã-Bretanha (onde o Partido Trabalhista de esquerda, sob Clement Attlee, estava no comando).

Em segundo lugar, como aponta Bertrand Russell, “quando o inimigo é determinado e brutal [o pacifismo absoluto] não tem sucesso. A Igreja perseguiu hereges e judeus implacavelmente, mesmo quando eles não fizeram nenhuma tentativa de resistência armada. Os japoneses, se conquistassem a Índia, acabariam com qualquer movimento de não cooperação por parte dos seguidores de Gandhi.” A não-violência, por si só, não gera mudança enquanto os que estão no poder tiverem armas e tanques e não hesitarem em usá-los.

Finalmente, Gandhi não foi o único ator envolvido na independência indiana. É um pouco de descuido ignorar os milhares de soldados pró-japoneses e anti-britânicos do exército indiano que retornaram à Índia após a Segunda Guerra Mundial. Embora Gandhi tenha sido sem dúvida importante, você não deveria deixar de considerar que os generais coloniais britânicos poderiam estar mais preocupados com o exército nacionalista da Índia espalhado pelo país.

Guerra e Paz

O filósofo britânico Bertrand Russell não era religioso (muito pelo contrário), mas era pacifista. O pacifismo de Russell – o que ele chamou de “pacifismo relativo” ou “pacifismo contingente”  – é mais nuançado e talvez mais tangível. Russell argumentou dois pontos:

Primeiro, “que muito poucas guerras valem a pena ser travadas e que os males da guerra são quase sempre maiores do que parecem para as populações afetadas no momento em que a guerra começa”. Mesmo quando o (suposto) objetivo final é a liberdade, ou mudança de regime, ou justiça, a morte e a miséria infligidas por uma guerra, na maioria das vezes, superam o bem (Russell era a favor da Segunda Guerra Mundial, embora fosse muito difamado por sua oposição à Primeira Guerra Mundial).

Em segundo lugar, há um princípio mais geral de que “um modo de vida civilizado e humano dificilmente pode sobreviver onde as guerras são frequentes e brutais”. Esta é talvez a noção mais idealista de que o mundo nunca será melhor – uma utopia nunca alcançada – enquanto aceitarmos que as guerras podem ser boas. A posição de Russell não é que todas as guerras são más, mas que as guerras devem ser vistas como más com muito mais frequência do que são.

O pacifismo relativo argumenta que algumas guerras são justificadas e algumas lutas são moralmente corretas. Russell, por exemplo, cita a Segunda Guerra Mundial e as revoluções francesa, russa e americana como exemplos. Se o objetivo final é suficientemente justo e o destino só pode ser alcançado com a guerra, então a guerra deve ser considerada.

Por outro lado, a história não tem sido gentil com o pacifismo. Na maioria das vezes, significa simplesmente que você morrerá nas mãos de seus inimigos.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.