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Expandindo a mente: experimentos mentais

http://www.deviantart.com/art/einstein-308297650

Por Sabine Hossenfelder
Publicado na Scientific American

Gedankenexperiment, ou “experimento mental” em alemão, foi como Albert Einstein chamou suas famosas elucubrações mentais que levaram ao mais espetacular avanço da física. Ele reproduziu toda a sua trajetória desde suas fantasias da adolescência de cavalgar feixes de luz, até a percepção da finitude da velocidade da luz — ideia central da relatividade especial. A relatividade geral, sua monumental teoria da gravitação, surgiu de suas reflexões sobre um elevador subindo e descendo. Nos dois casos, Einstein criou novas teorias sobre o mundo natural usando os olhos da mente para se lançar além das limitações das medidas de laboratório.

Mas a aceitação moderna dos experimentos mentais levanta algumas questões pouco confortáveis. Na busca pela grande teoria unificada capaz de ligar o mundo em pequena escala da mecânica quântica com a descrição relativística de Einstein do Universo, as ideias atuais mais populares não contam com o respaldo observacional dos experimentos reais. Será que apenas o raciocínio consegue sustentá-las? Até que ponto se pode confiar na dedução lógica? Onde se situa a linha entre intuição científica e fantasia? O legado de Einstein não fornece respostas precisas: de um lado, sua confiança na capacidade de raciocínio foi um tremendo sucesso. De outro, muitos de seus mais bem conhecidos experimentos mentais se basearam em dados experimentais reais, como o experimento clássico de Michelson-Morley, que mediu pela primeira vez a constância da velocidade da luz. Além disso, a fixação de Einstein naquilo que pode ser medido esporadicamente cegou-o para camadas mais profundas da realidade — apesar de que mesmo seus erros em experimentos mentais contribuíram para os avanços posteriores.

Vamos penetrar em alguns dos mais icônicos Gedankenexperimente de Einstein, destacando os aspectos mais bem-sucedidos, seus fracassos e como permanecem vitais para questões que atualmente se encontram nas fronteiras da física teórica.

Elevador sem janelas

Imagem: Wikimedia Commons
Crédito: Wikimedia Commons.

Em seus experimentos mentais, o gênio de Einstein procurava descobrir quais aspectos da experiência eram essenciais e quais podiam ser descartados. Considere o mais famoso: o do elevador, que ele começou a idealizar em 1907. Einstein argumentava que no interior de um elevador sem janelas uma pessoa não consegue discernir se o compartimento está em repouso num campo gravitacional ou se está subindo ou se está subindo com aceleração constante. Ele pressupôs então que as leis da física precisam ser idênticas nas duas situações. De acordo com esse “princípio da equivalência”, localmente (dentro do elevador), os efeitos gravitacionais são os mesmos que os da aceleração na ausência de gravidade. Convertido em equações matemáticas, esse princípio tornou-se a base da relatividade geral. Em outras palavras, esse experimento mental motivou Einstein a ousar um salto intelectual que o levou à sua maior realização: a descrição geométrica da gravidade.

Ação fantasmagórica

Ao longo de sua carreira, Einstein lutou arduamente contra os postulados da mecânica quântica, especialmente o princípio da incerteza, segundo o qual quanto mais você conhece um aspecto de uma partícula fundamental, como sua posição, menos você conhece outro aspecto dessa partícula, como seu momento — e vice-versa. Einstein acreditava que o principio da incerteza era um sinal de que a teoria quântica estava profundamente errada.

Durante longas trocas de ideais com o teórico quântico dinamarquês Niels Bohr, Einstein fez experimentos mentais para provar que é possível violar o princípio da incerteza, mas Bohr dissecava cada um deles. A troca de ideias reforçou a convicção do dinamarquês de que a incerteza quântica era um aspecto da Natureza. Se nem mesmo o grande Einstein concebia um meio de medir com precisão a posição e o momento de uma partícula, então certamente havia algo especial no princípio da incerteza.

Em 1935, Einstein publicou, com seus colegas Boris Podolsky e Nathan Rosen, o que ficou conhecido como sua mais forte crítica ao princípio da incerteza. Talvez por ter sido Podolsky e não Einstein o responsável pela preparação do artigo, o experimento mental de Einstein-Podolsky-Rosen (EPR) foi apresentado não como um cenário facilmente imaginável de caixa, relógios e feixes de luz, mas como um conjunto abstrato de equações que descreviam interações entre dois sistemas quânticos genéricos.

A versão mais simples do EPR estuda o comportamento paradoxal de partículas “emaranhadas” — pares de partículas que partilham o mesmo estado de momento. Ela se desenrola da seguinte forma: imagine uma partícula instável com um spin zero que decai em duas partículas filhas, que são aceleradas em direções opostas. As leis da conservação impõem que os spins dessas duas partículas-filhas somados totalizam zero. As leis da mecânica quântica impõem que na ausência de medidas nenhuma das partículas terá spin de uma delas, emaranhadas, ser medido. Quando o spin de uma é medido, o estado da outra muda instantaneamente, mesmo que as partículas estejam separadas por grandes distâncias!

Einstein acreditava que essa “ação fantasmagórica a distância” não fazia sentido. Sua teoria da relatividade especial postulava que nada poderia viajar mais rápido que a luz, e portanto não havia como as duas partículas se comunicarem uma com a outra instantaneamente em lados opostos do Universo. Ele sugeriu então que os resultados das medidas seriam determinados antes da medida por “variáveis ocultas” que a mecânica quântica não previa. Décadas de discussão se seguiram até 1964, quando o físico John Stewart Bell desenvolveu um teorema que calculava exatamente como a informação compartilhada entre partículas emaranhadas, que diferia da informação postulada por Einstein, seria compartilhada por meio de variáveis ocultas.

Desde os anos 1970, experimentos de laboratório com sistemas quânticos emaranhados confirmaram que Einstein estava errado: partículas quânticas realmente compartilham informações mútua que não pode ser estimada por variáveis ocultas. A ação fantasmagórica a distância é real, mas experimentos mostram que ela não pode ser usada para transmitir informação com velocidade superior à da luz, tornando-a perfeitamente consistente com a relatividade especial. Essa verdade contraintuitiva permanece um dos enigmas mais misteriosos da física, e foi a obstinação de Einstein em se opor ao erro que se mostrou crucial para confirmá-lo.

Alice e Bob

Imagem: Wikimedia Commons
Crédito: Wikimedia Commons.

Atualmente alguns dos mais importantes experimentos mentais da física exploram como reconciliar o universo relativístico preciso de Einstein com as incertezas nebulosas das partículas quânticas. Imagine, por exemplo, o paradoxo da informação do buraco negro amplamente discutido. Se você combinar relatividade geral e teoria quântica de campos, descobrirá que buracos negros se evaporam, irradiando lentamente sua massa devido a efeitos quânticos. Se você também descobrir que esse processo é irreversível: independente do que o tenha formado, a evaporação do buraco negro sempre produz o mesmo banho de radiação sem traços característicos do qual nenhuma informação sobre seu conteúdo pode ser recuperada. Mas esse processo é proibido pela teoria quântica, que determina que qualquer ocorrência pode, em princípio, ser revertida no tempo. Segundo as leis da mecânica quântica, por exemplo, as cinzas de um livro queimado ainda contêm toda informação necessária para reconstruir o livro, mesmo que ela não esteja mais facilmente acessível. O mesmo não acontece com buracos negros em evaporação. Por isso, chegamos a um paradoxo. A união da mecânica quântica e da relatividade geral exige que os buracos negros se evaporem, mas como concluímos que esse resultado é incompatível com a mecânica quântica, provavelmente estamos cometendo algum erro — mas onde?

No experimento mental criado para explorar esse paradoxo imaginamos dois observadores, Bob e Alice, que partilham um par de partículas emaranhadas, como no experimento EPR. Alice salta para dentro de um buraco negro, levando sua partícula, enquanto Bob permanece do lado de for, bem afastado, com sua partícula. Sem Alice, a informação que a partícula de Bob antes partilhava com sua parceira emaranhada está perdida, juntamente com Alice.

Uma das soluções propostas para esse paradoxo é a chamada complementaridade do buraco negro. Proposta em 1993 por Leonard Susskind, Lárus Thorlacius e John Uglum, da Universidade Stanford, ela se baseia na regra de ouro de Einstein do Gedankenexperiment: um foco fixo no que pode ser medido. Os três postularam que a informação que penetra no buraco negro com Alice precisa sair mais tarde com a radiação da evaporação do buraco negro. Esse cenário normalmente criaria outra inconsistência porque a mecânica quântica permite que emaranhamento pareado somente com uma parceira de vez. Se a partícula de Bob estiver emaranhada com a de Alice, ela não poderá estar com mais nenhuma outra. Mas a complementaridade do buraco negro exige que a partícula de Bob esteja emaranhada com a de Alice e com a radiação emitida posteriormente pelo buraco negro, mesmo que isso viole a monogamia. À primeira vista, a complementaridade do buraco negro parece trocar uma inconsistência por outra.

Mas como todo crime perfeito, se ninguém realmente testemunhar essa inconsistência, ela talvez possa subverter leis que, de outra forma, seriam restritas da Natureza. A complementaridade de buraco negro baseia-se no argumento de que é fisicamente impossível para qualquer observador testemunhar as partículas emaranhadas de Alice e de Bob quebrarem as regras.

Para entender como esse crime quântico perfeito pode se desdobrar, imagine um terceiro observador, Charlie, pairando perto do buraco negro, de olho em Alice e Bob. Ele observa Bob, que permanece fora, enquanto Alice cai no interior do buraco negro, e ao mesmo tempo mede a radiação emitida pelo buraco negro. Teoricamente, a informação codificada nessa radiação pode sugerir a Charlie que Bob e Alice violaram a monogamia de seu emaranhamento. Para ter certeza, no entanto, Charlie teria de comparar suas observações não só com as medidas de Bob, mas também com as de Alice — dentro do buraco negro. Para isso, ele precisa pairar no horizonte de eventos do buraco negro, medir a radiação emitida e depois saltar para dentro dele para contar a Alice o que descobriu. Surpreendentemente, Susskind e Thorlacius mostraram que por mais que Charlie se esforce, é impossível para ele entrar no buraco negro e comparar sua informação com a dela antes de serem ambos separados por ondas de forças. Seu destino terrível sugere que nenhuma violação da mecânica quântica poderá ser medida por qualquer pessoa em torno de um buraco negro, e por isso os teóricos podem cometer impunemente esse crime contra a Natureza.

Mas nem todos os teóricos aceitam esse argumento. Uma crítica à complementaridade de buraco negro é o fato de que ela pode violar o princípio da equivalência que resultou do experimento mental do elevador. A relatividade geral prevê que, assim como as pessoas dentro do elevador não conseguem distinguir entre gravidade e aceleração, um observador que cruze o horizonte de eventos de um buraco negro não notará nada anormal. Não há como o observador saber se transpôs o ponto de não retorno.

Voltando a Alice e Bob, se a radiação que ele vê de fora do buraco negro contiver toda a informação que teria desaparecido com Alice além do horizonte de eventos, então essa radiação deve ter sido emitida com uma energia extremamente alta para escapar da forte atração gravitacional próxima do horizonte. Tão alta que vaporizaria um observador que se precipitasse no buraco negro. Desse modo, a complementaridade do buraco negro implica que ele tem um “firewall” imediatamente fora do horizonte, mas isso se contrapõe às predições do princípio da equivalência de Einstein.

Talvez nunca tenhamos soluções para esses enigmas. Mas a busca por elas pode levar a uma compreensão da natureza quântica do espaço e do tempo. Desse modo, esses quebra-cabeças são, para o bem ou para o mal, algumas das áreas de pesquisa mais vibrantes da física teórica. E tudo isso deve às elucubrações mentais de Einstein sobre elevadores que sobem e descem.

Em síntese

  • Uma das contribuições mais duradouras de Einstein foi o uso do Gedankenexpriment (experimento mental).
  • Sua intuição sobre elevadores em queda, por exemplo, levou à sua maior realização, que foi a teoria da relatividade geral.
  • Atualmente algumas questões importantes da física teórica envolvem experimentos mentais sobre buracos negros.
  • O problema é que esses experimentos foram removidos dos dados empíricos por não poderem ser testados.

Referência

  • Einstein’s dice and Schrödinger’s cat: How to great minds battle quantum randomness to create a unified theory of physics. Paul Helpem, Basic Books, 2015
Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.