É incerta a origem do pensamento acerca da inferioridade feminina em sociedades humanas. Em estudos antropológicos feitos em diversos momentos históricos desde o início da fixação das colônias pré-históricas para o cultivo do próprio alimento, há a clara atribuição de papéis de gênero para homens e mulheres feita a partir do seu nascimento. Numa época em que as principais preocupações eram a sobrevivência e a geração da prole, é provável que a capacidade reprodutiva da mulher tenha sido posta em estima, e com a complexificação das civilizações o papel gestacional e de cuidado familiar tenha influenciado na permanência feminina dentro do ambiente doméstico, física e socialmente, de forma que durante muito tempo não lhe foi permitido participação em assuntos da vida pública.
É notável que, ao longo da história, instituições sociais e pensadores relacionados a elas tenham tentado usar a ciência, a filosofia e a religião para desqualificar o feminino. A menor massa muscular e tamanho cerebral, dentre outras características julgadas ‘não adequadas’ para a realização de tarefas físicas e intelectuais, consideradas de maior valor social, eram utilizadas como argumento para condenar a participação de mulheres em tais atividades.
Contrariando a organização social da época, grupos de mulheres se organizaram pontualmente em diversos momentos e locais, embora não haja muitos registros de grandes movimentos pela igualdade de direitos à classe feminina até o século XIX. Muitas mulheres, no entanto, se destacaram pela intelectualidade, sendo considerada a precursora dos movimentos feministas mais modernos a veneziana Cristine de Pisan (1364 – 1430), poeta e filósofa que criticou a misoginia presente nos meios literários e escreveu textos considerados como algumas das primeiras obras feministas, em que ressaltava o papel feminino e igualdade de gênero dentro da sociedade medieval.
Os movimentos feministas propriamente ditos costumam ser divididos em três grandes ‘ondas’. A primeira delas, que ocorreu principalmente no final do século XIX até o início do XX, refere-se ao sufrágio feminino nas sociedades americanas e britânicas, que ocorria entre mulheres brancas e de alta sociedade que desejavam direitos jurídicos igualitários. Opunham-se a casamentos arranjados, à noção de ‘propriedade’ que os maridos tinham sobre suas mulheres e filhos, e lutavam pela garantia de seus direitos contratuais e à propriedade. No final do século XIX, no entanto, houve uma forte luta feminina pelos seus direitos políticos, em que desejavam participação na vida pública, ressaltando o direito ao voto. A segunda onda, que durou aproximadamente duas décadas, dos anos 60 aos 80, foi quando as mulheres se organizaram fortemente para a conquista dos seus direitos sociais. No período, popularizaram-se os métodos contraceptivos, fazendo o papel gestacional e familiar construído durante séculos ser duramente questionado, e a mulher pela primeira vez sentiu possuir controle sobre o próprio corpo. Tal fato levou-as cada vez mais ao trabalho fora de casa, já que haviam conquistado autonomia em relação aos esposos, e agora, teoricamente, as preocupações com gestações indesejadas e cuidado com os filhos haviam diminuído drasticamente.
No entanto, durante os anos que se seguiram, diversas outras correntes feministas surgiram e se fortaleceram, baseadas tanto na teoria por parte das adeptas com educação formal quanto na vivência cotidiana daquelas que passavam pelas situações consideradas problemáticas. Enfatizou-se, além da condição de mulher, as diferenças étnicas e de classe, em que as condições financeiras, a região habitada e a cor da pele podem influenciar na voz e na autonomia que uma mulher tem sobre seu corpo e suas vontades. Tais correntes, muitas vezes chamadas de “interseccionais” por correlacionarem diversos aspectos da existência feminina, ou “socialistas”, por focarem em diferenças de classes, defendem a teoria de que o poder financeiro e social influencia na conquista dos próprios direitos. É usado o exemplo de que uma mulher de etnia branca – sobre a qual não há uma opressão racista histórica e generalizada -, de forma física socialmente aceitável e dentro dos padrões, que não apresente deficiências físicas ou cognitivas, enfrenta menores dificuldades em relação à obtenção de seus direitos do que uma que, ao contrário, se encaixe em algum desses fatores.
Apesar do desenvolvimento e aumento da abrangência das lutas feministas, há pouco consenso numa questão principal e central dentro do movimento. O que é ser mulher? Segundo a filósofa Simone de Beauvoir, “não se nasce mulher, torna-se”. É nesse ponto que giram as discussões de gênero, que dividem correntes feministas contemporâneas. De um lado, estão as feministas radicais – não no sentido de ‘extremista’, mas de ‘aquela que vai às raízes’ -, que afirmam que o gênero é puramente uma construção social realizada a partir de uma realidade material – no caso, a genética e a genitália, que teoricamente definem a criação e a socialização de gênero que o indivíduo terá desde o nascimento. Indicadores de gênero, como adornos físicos, roupas separadas por sexo, dentre outros, são apenas ferramentas para reafirmar o binarismo de gênero ‘homem-mulher’ que se faz na sociedade, segundo tal vertente. A opressão, no caso, estaria na ‘criação’ de um gênero – o masculino – para que seja superior e dominante ao outro – o feminino. E tal situação se resolveria apenas com a abolição dos conceitos e construções de gênero, de forma que um não representasse uma classe ‘superior’ à do outro. Nesse sentido, a corrente não considera a existência de pessoas transgêneras, pois enxerga o gênero como construção e imposição e algo a ser combatido, não como algo com uma possível carga inata, que poderia reafirmar comportamentos talvez inerentes a um ou mais gêneros – no contexto não-binarista -, ao invés de abolí-los.
Na corrente transfeminista, dentro do feminismo interseccional, ainda há a consideração da abolição de gênero, mas apenas do que se trata de imposição construída a partir da biologia. A luta da vertente é para que o gênero, com sua carga inata já considerada, possa ser adaptativo e fluido dentro da pessoalidade, não havendo a construção determinística a partir da genética e da anatomia. A opressão estaria no fato de que, mesmo com o indivíduo naturalmente não se encaixando no papel do gênero que lhe foi imposto no nascimento, este continue sendo atribuído a ele compulsoriamente. A socialização masculina, no caso, só é considerada vantajosa para a pessoa quando ela se encaixa em tal papel – nem todos os que foram criados para ser homens, no caso, o são. Os que são tirarão vantagem disso a partir dos benefícios a sociedade possivelmente lhe dará enquanto homem. Os que não são, sofrerão por estarem sofrendo imposição de um gênero não-natural a eles. É nesse ponto em que há maior discordância com a teoria radical, já que na visão desta, o constructo social seria determinístico da formação do masculino. Na vertente transfeminista, por outro lado, há que se considerar a possibilidade do gênero inato da pessoa não se adaptar à construção de gênero que lhe foi imposta – pessoas essas que se denominam transgêneras.
A luta feminista também envolve liberdade de escolha acima de tudo. Embora haja uma forte tendência de se pensar que se busque sempre o ideal de mulher independente, o objetivo é que mulheres possam simplesmente escolher, por exemplo, realizar tarefas domésticas e atender ao esteriótipo de feminilidade sem que lhes seja atribuído o julgamento de fraqueza ou rendição. O mesmo se aplica ao comportamento sexual, escolhas de carreira e todas as decisões que ela tome a respeito da própria vida, em relação a julgamentos relacionados a padrões e preconceitos.
Desde os primeiros escritos em favor dos direitos femininos mais básicos ainda da Era Medieval até os modernos movimentos que abordam questões de liberdade reprodutiva e outras opressões relacionadas à classe, etnia, forma física, orientação sexual, construção de gênero dentre outros fatores, a questão feminina tem atraído atenção das próprias afetadas há um longo tempo, e embora críticas possam ser feitas e discussões possam ser abertas, não há como negar que é uma longa e difícil história de luta por libertação que afeta e é afetada pela sociedade e pelas instituições.
Referências
- http://transfeminismo.com/
- http://www.ibamendes.com/2011/02/uma-breve-historia-do-feminismo.html
- http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-026X2001000100007&script=sci_arttext
- http://www.biography.com/people/christine-de-pisan-9247589
- http://www.fazendogenero.ufsc.br/9/resources/anais/1277667680_ARQUIVO_Feminismoelutadeclasse.pdf
- http://www.webartigos.com/artigos/mulher-o-feminino-atraves-dos-tempos/3781/
- http://blogueirasnegras.org/