Por Charlie Wood
Publicado na Quanta Magazine
O que está além de tudo que podemos ver? A pergunta pode parecer sem resposta. No entanto, alguns cosmologistas têm uma resposta: nosso universo é uma bolha que cresce. Fora dele, existem mais universos-bolha, todos imersos em um mar energizado eternamente em expansão – o multiverso.
A ideia é polarizadora. Alguns físicos adotam o multiverso para explicar por que nossa bolha parece tão especial (apenas certas bolhas podem hospedar vida), enquanto outros rejeitam a teoria por não fazer previsões testáveis (uma vez que prevê todos os universos concebíveis). Mas alguns pesquisadores acreditam que ainda não fomos inteligentes o suficiente para calcular as consequências precisas da teoria.
Agora, várias equipes estão desenvolvendo novas maneiras de inferir exatamente como o multiverso borbulha e o que acontece quando esses universos-bolha colidem.
“É uma possibilidade remota”, disse Jonathan Braden, cosmologista da Universidade de Toronto (Canadá) que está envolvido no esforço, mas, segundo ele, é uma busca por evidências “de algo que você pensou que nunca poderia testar”.
A hipótese do multiverso surgiu de esforços para compreender o nascimento de nosso próprio universo. Na estrutura em grande escala do universo, os teóricos veem sinais de um surto de crescimento explosivo durante a infância do cosmos. No início da década de 1980, enquanto os físicos investigavam como o espaço poderia ter começado a – e parado de – inflar, surgiu um cenário perturbador. Os pesquisadores perceberam que, embora o espaço possa ter parado de inflar aqui (em nosso universo-bolha) e ali (em outras bolhas), os efeitos quânticos devem continuar a inflar a maior parte do espaço, uma ideia conhecida como inflação eterna.
A diferença entre universos-bolha e seus arredores se resume à energia do próprio espaço. Quando o espaço está o mais vazio possível e não pode perder mais energia, ele existe no que os físicos chamam de um “verdadeiro” estado de vácuo. Pense em uma bola no chão – ela não pode cair mais. Mas os sistemas também podem ter estados de vácuo “falsos”. Imagine uma bola em uma tigela sobre uma mesa. A bola pode rolar um pouco enquanto fica mais ou menos parada. Mas um empurrão grande o suficiente a fará cair no chão – no verdadeiro vácuo.
No contexto cosmológico, o espaço pode ficar igualmente preso em um falso estado de vácuo. Uma partícula do falso vácuo ocasionalmente se flexibiliza em um verdadeiro vácuo (provavelmente por meio de um evento quântico aleatório), e esse verdadeiro vácuo se expande como uma bolha inflada, alimentando-se com o excesso de energia do falso vácuo, em um processo chamado de falsa decadência de vácuo. É esse processo que pode ter iniciado nosso cosmos com um estrondo. “Uma bolha de vácuo poderia ter sido o primeiro evento na história do nosso universo”, disse Hiranya Peiris, cosmologista do Colégio Universitário de Londres.
Mas os físicos têm dificuldades imensas em prever como as bolhas de vácuo se comportam. O futuro de uma bolha depende de incontáveis detalhes minuciosos que se somam. As bolhas também mudam rapidamente – suas paredes se aproximam da velocidade da luz à medida que se esticam para fora – e apresentam aleatoriedade e ondulação da mecânica quântica. Diferentes suposições sobre esses processos fornecem previsões conflitantes, sem nenhuma maneira de dizer quais delas podem se assemelhar à realidade. É como se “você pegasse um monte de coisas que são muito difíceis para os físicos lidar e misturasse todas e dissesse: ‘Vá em frente e descubra o que está acontecendo’”, disse Braden.
Uma vez que eles não podem produzir bolhas de vácuo reais no multiverso, os físicos têm procurado análogos digitais e físicos deles.
Um grupo recentemente tentou experimentar um comportamento semelhante ao de uma bolha de vácuo a partir de uma simulação simples. Os pesquisadores, incluindo John Preskill, um físico teórico proeminente do Instituto de Tecnologia da Califórnia, começaram com “a [mais] versão infantil desse problema que você pode imaginar”, como disse a coautora Ashley Milsted: uma linha de cerca de 1.000 setas digitais que podem apontar para cima ou para baixo. O lugar onde uma série de setas principalmente para cima encontrou uma série de setas principalmente para baixo marcava uma parede de bolha, e ao lançar as setas, os pesquisadores podiam fazer as paredes de bolha se moverem e colidirem. Em certas circunstâncias, esse modelo imita perfeitamente o comportamento de sistemas mais complexos da natureza. Os pesquisadores esperavam usá-lo para simular a falsa decadência do vácuo e a colisões de bolhas.
No início, a configuração simples não funcionou de forma realista. Quando as paredes da bolha colidiram, elas se recuperaram perfeitamente, sem nenhuma das reverberações complexas ou fluxos de partículas esperados (na forma de setas invertidas ondulando ao longo da linha). Mas depois de adicionar alguns toques matemáticos, a equipe viu paredes colidindo que expeliam partículas energéticas – com mais partículas aparecendo conforme as colisões se tornavam mais violentas.
Mas os resultados, que apareceram em uma pré-publicação em dezembro, prenunciam um beco sem saída neste problema para a computação tradicional. Os pesquisadores descobriram que, à medida que as partículas resultantes se misturam, elas se tornam “emaranhadas”, entrando em um estado quântico compartilhado. Seu estado fica exponencialmente mais complexo com cada partícula adicional, sufocando as simulações até mesmo nos supercomputadores mais poderosos.
Por essa razão, os pesquisadores dizem que novas descobertas sobre o comportamento das bolhas podem ter de esperar por computadores quânticos altamente desenvolvidos – dispositivos cujos elementos computacionais (qubits) podem lidar com o emaranhamento quântico porque eles o experienciam em primeira mão.
Enquanto isso, outros pesquisadores esperam que a natureza faça as contas por eles.
Michael Spannowsky e Steven Abel, físicos da Universidade Durham, no Reino Unido, acreditam que podem contornar os cálculos complicados usando um aparelho que segue as mesmas regras quânticas do vácuo. “Se você pode codificar seu sistema em um dispositivo desenvolvido na natureza, não é necessário calculá-lo”, disse Spannowsky. “Torna-se mais um experimento do que uma previsão teórica”.
Esse dispositivo é conhecido como recozedor quântico. Sendo um computador quântico limitado, ele é especializado em resolver problemas de otimização, permitindo que os qubits busquem a configuração de energia mais baixa disponível – um processo não muito diferente do falso decaimento do vácuo.
Usando um recozedor quântico comercial chamado D-Wave, Abel e Spannowsky programaram uma sequência de cerca de 200 qubits para emular um campo quântico com um estado de energia superior e inferior, análogo a um falso vácuo e um vácuo verdadeiro. Eles então iniciaram o sistema e observaram como o primeiro se decompôs no segundo – levando ao nascimento de uma bolha de vácuo.
O experimento, descrito em uma pré-publicação de junho passado, apenas verificou os efeitos quânticos conhecidos e não revelou nada de novo sobre o decaimento do vácuo. Mas os pesquisadores esperam eventualmente usar o D-Wave para ir além das previsões teóricas atuais.
Uma terceira abordagem visa deixar os computadores para trás e criar bolhas diretamente.
Bolhas quânticas que inflam quase na velocidade da luz não são fáceis de encontrar, mas em 2014, físicos na Austrália e na Nova Zelândia propuseram uma maneira de fazer algumas no laboratório usando um estado exótico da matéria conhecido como condensado de Bose-Einstein (CBE). Quando resfriada a quase zero absoluto, uma nuvem fina de gás pode condensar em um CBE, cujas propriedades mecânicas quânticas incomuns incluem a capacidade de interferir com outro CBE, da mesma forma que dois lasers podem fazer. Se dois condensados interferirem da maneira certa, previu o grupo, os experimentalistas deveriam ser capazes de capturar imagens diretas de bolhas se formando no condensado – aquelas que agem de forma semelhante às bolhas putativas do multiverso.
“Por ser um experimento, ele contém por definição toda a física que a natureza deseja incluir, incluindo efeitos quânticos e efeitos clássicos”, disse Peiris.
Peiris lidera uma equipe de físicos que estudam como estabilizar a mistura condensada contra o colapso de efeitos não relacionados. Depois de anos de trabalho, ela e seus colegas estão finalmente prontos para configurar um experimento de protótipo e esperam fazer bolhas de condensação nos próximos anos.
Se tudo correr bem, eles responderão a duas perguntas: qual é a taxa em que as bolhas se formam e como a inflação de uma bolha muda as chances de outra bolha inflar nas proximidades. Essas perguntas não podem ser formuladas com a matemática atual, disse Braden, que contribuiu com a base teórica para o experimento.
Essa informação ajudará cosmologistas como Braden e Peiris a calcular exatamente como uma colisão de um universo-bolha vizinho no passado distante pode ter feito nosso cosmos tremer. Uma provável cicatriz de tal encontro seria um ponto frio circular no céu, que Peiris e outros procuraram e não encontraram. Mas outros detalhes – como se a colisão também produz ondas gravitacionais – dependem de especificações desconhecidas da bolha.
Se o multiverso é apenas uma miragem, a física ainda pode se beneficiar da abundância de ferramentas que estão sendo desenvolvidas para descobri-lo. Compreender o multiverso é compreender a física do espaço, que está em toda parte.
A falsa decadência do vácuo “parece uma característica onipresente da física”, disse Peiris, e “eu pessoalmente não acredito que os cálculos teóricos feitos com lápis e papel vão nos levar até lá”.