Traduzido por Carlos Germano
Original de Freda Kreier para o Science News
O Ártico, atualmente, é um lugar hostil para a maioria dos primatas. Porém, desde a década de 1970, uma série de fósseis encontrados sugere que nem sempre a realidade foi assim.
Dezenas de dentes fossilizados e ossos da mandíbula desenterrados no norte do Canadá pertenciam a duas espécies de primatas primitivos – ou pelo menos parentes próximos – que viveram no Ártico, há cerca de 52 milhões de anos, relatam pesquisadores no periódico PLOS ONE.
Esses achados são os primeiros fósseis semelhantes a primatas já descobertos no Ártico, e descrevem um animal do tamanho de uma marmota, que pode ter deslizado pelas árvores em um pântano que existia acima do Círculo Polar Ártico.
O Ártico estava mais quente durante esse período. Mas as criaturas ainda tiveram que se adaptar a condições extremas, como longos meses de inverno sem luz solar. Esses desafios tornam a presença de criaturas semelhantes a primatas no Ártico “incrivelmente surpreendente”, diz o coautor Chris Beard, paleontólogo da Universidade do Kansas, em Lawrence. “Nenhum outro primata ou parente dos primatas foi encontrado tão ao norte até agora.”
Entre temperaturas frias, crescimento limitado de plantas e meses de escuridão contínua, viver no Ártico não é uma tarefa fácil. Isso, em especial, para os primatas que evoluíram de pequenas criaturas arborícolas, que se alimentavam, principalmente, de frutas. Até hoje, a maioria dos primatas – com exceção dos humanos e de poucos outros isolados, como os macacos da neve do Japão – tende a permanecer nas florestas tropicais e subtropicais, encontradas em grande maioria ao redor do equador.
No entanto, essas florestas nem sempre estiveram restritas à sua localização atual. Durante o início do Eoceno, que começou há cerca de 56 milhões de anos, o planeta passou por um período de intenso aquecimento que permitiu que as florestas e seus residentes se expandissem para o norte.
Em parte, os cientistas conhecem o clima primitivo do ártico devido a décadas de trabalho paleontológico na Ilha Ellesmere, no norte do Canadá. Essas escavações revelaram que a área já foi dominada por pântanos não muito diferentes daqueles encontrados no sudeste dos Estados Unidos. Este ambiente do ártico antigo, quente e úmido era o lar de uma grande variedade de animais amantes do calor, incluindo antas gigantes e parentes de crocodilos.
No novo estudo, Beard e seus colegas examinaram dezenas de fósseis de dentes e maxilares encontrados na área, concluindo que eles pertencem a duas espécies, Ignacius mckennai e Ignacius dawsonae. Essas duas espécies pertenciam a um gênero extinto de pequenos mamíferos que se espalhou pela América do Norte durante o Eoceno. As variantes do Ártico, provavelmente, seguiram para o norte, enquanto o planeta esquentava, aproveitando a abertura de um novo habitat perto dos polos.
Há muito tempo, os cientistas debatem se essa linhagem pode ser considerada primata ou se eram simplesmente parentes próximos. Independentemente disso, ainda é “muito estranho e inesperado” encontrar primatas ou seus parentes na área, diz Mary Silcox, paleontóloga de vertebrados da Universidade de Toronto Scarborough.
De certo modo, a Ilha Ellesmere já estava ao norte do Círculo Polar Ártico, há 52 milhões de anos. Embora as condições possam ter sido mais quentes e úmidas, o pântano mergulhou na escuridão contínua durante os meses de inverno.
O recém-chegado Ignacius teria que se adaptar a essas condições. Ao contrário de seus parentes do sul, o Ignacius do Ártico tinha mandíbulas excepcionalmente fortes e dentes adequados para comer alimentos duros, revelam os pesquisadores. Isso pode ter ajudado esses primeiros primatas a se alimentarem de nozes e sementes durante o inverno, quando as frutas não estavam tão acessíveis.
Esta pesquisa pode lançar luz sobre como os animais podem se adaptar para viver em condições extremas. “A Ilha Ellesmere é, indiscutivelmente, a melhor comparação de clima extremo quando comparada a um Ártico ameno e sem gelo”, diz Jaelyn Eberle, paleontóloga de vertebrados da Universidade do Colorado, em Boulder.
Estudar como plantas e animais se adaptaram a esse período da história do Ártico, pode oferecer pistas para os futuros animais desse lugar, diz Beard.