Traduzido por Julio Batista
Original de Clare Watson para o ScienceAlert
Cecílias – ou cobras-cegas – não são exatamente anfíbios comuns. Sem membros, com dentes e semelhantes a minhocas, elas passam a vida escavando o solo, experienciando o mundo com tentáculos que se projetam entre os olhos.
Pouco se sabe sobre essas criaturas evasivas, ou como elas evoluíram. Fósseis de apenas 11 espécies de ancestrais de cecílias já foram encontrados, então nossa compreensão de como elas estão relacionadas a outros anfíbios, como sapos e salamandras, é fragmentada na melhor das hipóteses.
Agora, uma equipe de cientistas dos EUA descobriu uma coleção de minúsculos maxilares representando uma nova espécie que preenche uma enorme lacuna no registro fóssil, revelando mais sobre as características únicas das cecílias modernas e as origens evolutivas dos anfíbios aquáticos.
O paleontólogo da Virginia Tech (EUA), Ben Kligman, e seus colegas descrevem a descoberta dos fósseis – alguns maxilares com menos de um quarto de polegada de comprimento – no Arizona, EUA, em um sítio paleontológico chamado Thunderstorm Ridge, onde os restos de mais de 70 cecílias individuais foram desenterrados. Eles nomearam a nova criatura Funcusvermis gilmorei, que significa ‘minhoca descolada’.
“Ver a primeira mandíbula sob o microscópio, com sua distinta fileira dupla de dentes, me deu calafrios”, disse Kligman, que estava trabalhando na escavação com Xavier Jenkins, agora um estudante de pós-graduação na Universidade Estadual de Idaho, nos EUA.
Dada a idade conhecida do depósito fóssil e seus dentes reconhecíveis, “sabíamos imediatamente que era uma cecília, [e] o mais antigo fóssil de cecília já encontrado”, Kligman acrescentou.
O fóssil remonta a cerca de 220 milhões de anos atrás, quando o antigo supercontinente conhecido como Pangeia ainda não havia se separado e o Arizona estavva sobre o equador. Isso significa que a feliz descoberta empurra o registro fóssil de cecílias para trás no tempo em cerca de 35 milhões de anos.
Antes desse salto no tempo, os cientistas tem dificuldades para conectar os pontos entre os batráquios de quatro patas (rãs, tritões e salamandras) e os cecílias, que juntos são os representantes vivos de um grupo de tetrápodes chamado Lissamphibia.
Mas a posição das cecílias dentro deste grupo era incerta. Onde ao longo da linha os ancestrais das cecílias perderam seus membros? Ou de quem os sapos desenvolveram os deles? Seu último ancestral comum tinha os mesmos dentes distintos de duas camadas?
Existem três teorias predominantes e muito debatidas sobre como os anfíbios modernos evoluíram – alguns passos evolutivos abaixo do ramo da árvore de quando os peixes com nadadeiras lobadas rastejaram pela primeira vez para a terra.
Uma teoria sugere que eles evoluíram de um grupo extinto de anfíbios de quatro patas chamados Temnospondylis da família Dissorophidae que viveram na era paleozoica, cerca de 250 milhões de anos atrás. Outro sugere que suas origens estão nos lepospôndilos, um grupo de primeiros tetrápodes que se assemelhavam a enguias e cobras com pernas curtas.
Uma terceira hipótese, mas menos favorecida, é que as cecílias descendem dos lepospôndilos e os sapos e salamandras evoluíram dos Dissorophidae.
Em 2008, uma criatura apelidada de ‘samandra’ foi encontrada no Texas, com uma grande cabeça parecida com a de um sapo e cauda parecida com a de uma salamandra. A descoberta fortaleceu as conexões evolutivas entre sapos e salamandras, aninhando-os dentro dos Dissorophidae de quatro membros, separados das cecílias.
Mas a história completa da origem dos Lissamphibia ainda dependia da relação das cecílias com seus parentes anfíbios vivos, os batráquios e com os antigos tetrápodes paleozoicos. Ainda havia um intervalo de mais de 70 milhões de anos entre os primeiros fósseis de cecílias conhecidos e seus supostos parentes distantes no Paleozoico.
De acordo com Kligman e colegas, o Funcusvermis se encaixa nessa lacuna e seu novo estudo fornece “evidências convincentes que sustentam uma única origem de anfíbios vivos dentro dos Temnospondylis da família Dissorophidae”.
Funcusvermis compartilha características esqueléticas com os primeiros fósseis de sapos e salamandras, bem como dos Temnospondylis da família Dissorophidae. Como todos os anfíbios modernos, ele tem fileiras de dentes pedicelados distintos, tão pequenos que parecem pequenas protuberâncias em sua mandíbula. Mas o Funcusvermis carece de certas características dos cecílias modernas, como o órgão sensorial tenticular que seus parentes posteriores desenvolveram, provavelmente para ajudar seus narizes a cheirar durante escavações.
“Ao contrário das cecílias vivas, o Funcusvermis carece de muitas adaptações associadas à escavação subterrânea, indicando uma aquisição mais lenta de características associadas a um estilo de vida subterrâneo nos estágios iniciais da evolução das cecílias”, disse Kligman.
Embora mais descobertas de fósseis certamente ajudem a aprofundar a história evolutiva dos cecílias, agora os paleontólogos estão satisfeitos com os espécimes que encontraram.
“Esta descoberta demonstra claramente que alguns fósseis que você mal pode ver podem mudar muito nossa compreensão de grupos inteiros que você pode observar hoje”, disse o paleontólogo e autor do estudo Sterling Nesbitt, também da Virginia Tech.
O estudo foi publicado na Nature.