Publicado na Scuola Internazionale Superiore di Studi Avanzati
No centro das galáxias espirais — aquelas próximas de nós e também aquelas a bilhões de anos-luz — há uma vasta região esférica feita de partículas de matéria escura. Essa região possui duas características que a definem: uma densidade constante sob um certo raio que se expande de forma surpreendente ao longo do tempo, enquanto a densidade decresce. Isso sugere a existência de uma interação direta entre as partículas elementares que constituem o halo de matéria escura e aquelas que formam a matéria comum — prótons, elétrons, nêutrons e fótons. Nós antecipamos que esta hipótese entra em conflito com a teoria mais aceita usada para descrever o Universo — conhecida como modelo Lambda-CDM — que postula que as partículas de matéria escura são inertes e não interagem com outras partículas exceto de forma gravitacional.
Essas importantes descobertas foram reportadas em uma nova pesquisa publicada na revista Astronomy and Astrophysics, que estudou um grande número de galáxias distantes, algumas a bilhões de anos-luz. O estudo, conduzido por Gauri Sharma e Paolo Salucci da Scuola Internazionale Superiore di Studi Avanzati (SISSA), juntos com Glen Van de Ven da Universidade de Viena, ajuda a esclarecer um dos maiores mistérios da física moderna. De acordo com os autores, essa nova pesquisa representa um novo passo para o entendimento da matéria escura, o elemento de nosso Universo que foi teorizado com base em efeitos observáveis nos corpos celestes, mas que ainda não foi provada diretamente. Apesar de inúmeras observações e experimentos astrofísicos em laboratórios subterrâneos dedicados para isso.
Estudando a matéria escura em galáxias distantes
A matéria escura constitui aproximadamente 84% da massa no cosmos: “Sua presença dominante por todas as galáxias decorre do fato de que as estrelas e o gás de hidrogênio se movem como se fossem governados por um elemento invisível”, explicou Gauri Sharna. Até agora, tentativas de estudo focaram em galáxias próximas de nós: “Pela primeira vez estamos procurando observar e determinar a distribuição da massa de galáxias espirais com a mesma morfologia daquelas próximas à nós, mas muito mais distantes e, portanto, cerca de sete bilhões de anos mais novas do que o estado presente das mesmas. A ideia essencial é que essas progenitoras de galáxias espirais como as nossas possam oferecer pistas fundamentais sobre a natureza da partícula de matéria escura”, disse ela. Paolo Salucci acrescenta que “ao estudar o movimento de estrelas de aproximadamente 300 galáxias distantes, nós descobrimos que esses objetos também possuem um halo de matéria escura, e que, partindo do centro de uma galáxia, esse halo possui uma região em que a sua densidade é constante”. Isso já havia sido observado em alguns estudos que examinaram galáxias próximas, alguns dos quais também foram conduzidos na SISSA.
A nova pesquisa revela, no entanto, que essa região central tem algo totalmente inesperado dentro do contexto do “modelo padrão da cosmologia”. Sharma disse que “como resultado do contraste entre as propriedades das galáxias espirais próximas e as galáxias espirais distantes — isso é, entre as galáxias de hoje e seus antepassados de sete bilhões de anos atrás, nós podemos ver que não somente há uma região inexplicável com uma densidade constante de matéria escura, mas também que suas dimensões aumentam de tamanho com o tempo como se estivessem sujeitas a um processo de expansão e diluição em curso”. Essa é uma evidência muito difícil de se explicar se assumirmos que as partículas de matéria escura não interagem, como proposto pelo modelo Lambda-CDM. “Na pesquisa que publicamos recentemente, oferecemos evidência direta da interação entre matéria escura e matéria comum, que lentamente constrói uma região de densidade consistente do centro da galáxia para fora”, disse Sharma. Mas tem mais.
Um processo lento, mas inexorável
“Surpreendentemente, a região mais acima com densidade constante expande ao longo do tempo. É um processo muito lento, mas inexorável”, disse Salucci. Uma possível explicação? “A mais simples é que, no início, quando a galáxia é formada, a distribuição de matéria escura no halo esférico é descrita pelo modelo Lambda-CDM. Mais tarde, forma-se o disco galáctico que caracteriza as galáxias espirais, rodeada por um halo de partículas de matéria escura extremamente denso. Conforme o tempo passa, o efeito da interação que postulamos significa que as partículas foram capturadas pelas estrelas ou expelidas para outras partes da galáxia”. Esse processo criaria uma região esférica com uma densidade consistente no interior do halo de matéria escura, com dimensões que cresceriam proporcionalmente ao longo do tempo e finalmente chegando ao disco estelar galáctico, como descrito no artigo em Astronomy and Astrophysics. “Os resultados do estudo postulam questões importantes para cenários alternativos que descrevem as partículas de matéria escura (ao lado do modelo Lambda-CDM), tais como matéria escura morna, matéria escura com interação automática e matéria escura ultraleve”, disse Sharma.
“Esses modelos também devem evidenciar a evolução temporal registrada em regiões mais distantes. As propriedades de galáxias muito distantes no espaço e no tempo oferecem aos cosmologistas um caminho genuíno para o entendimento dos mistérios da matéria escura. Também é interessante notar que, de acordo com a filosofia de Nietzsche, a verdade deste mistério pode ser revelada não através do detalhamento de um cenário mais bonito — aquele matematicamente mais elegante, simples e antecipado como uma expansão de teorias robustas que já foram verificadas — mas em vez disso aquele cenário mais ‘feio’ determinado por uma fenomenologia observacional deselegante e complicada, com uma física teórica negligenciada e completamente alheia ao que nos é familiar”, disse Salucci.