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Haters são produtos diretos do modelo de negócio das redes sociais: aprenda a se defender

Desde 2015 desenvolvo um canal de Educação e Ciências Humanas no YouTube. Logo, almoço e janto haters todos os dias. No início, confesso que era uma dieta indigesta: às vezes eu me esforçava para argumentar, com a máxima educação, imaginando que aquela raiva desproporcional poderia ser resultado de algum mal-entendido. Mas nada do que eu dizia era sequer levado em consideração. Na verdade, quanto mais eu respondia, pior ficava. Sempre foi um total desperdício de energia essa insistência na interação.

Naturalmente, não me refiro aos comentários que traziam contrapontos interessantes, ou àqueles que eventualmente apontavam meus equívocos: ora, já passei por duas qualificações, de mestrado e doutorado, e estou acostumado a receber pareceres negativos em artigos acadêmicos e editais de financiamento de pesquisa. Lidar com críticas e rejeições, portanto, é uma habilidade natural em minha formação acadêmica e faz parte da própria rotina de meu trabalho.

Mas haters estão em outra categoria. Na verdade, nem são críticas propriamente ditas: trata-se de uma infestação de slogans, frases-feitas, ofensas sem sentido, acusações delirantes e tentativas de constrangimento e intimidação. Em regra geral, haters sequer assistem aos vídeos: já chegam com o veneno na ponta da língua.

Alguns imaginam que a solução para nos livrarmos dos haters é bloqueá-los, silenciá-los e denunciá-los às plataformas que, supostamente, estariam comprometidas em manter a segurança dos usuários e garantir a qualidade das interações. Contudo, minha experiência me faz desconfiar que discursos de ódio não são um mero efeito colateral das redes sociais: eles são produtos diretos do modelo de negócio das empresas que fazem fortunas colonizando o tempo e a atenção dos usuários. Em poucas palavras: plataformas lucram com o mal-estar que os haters nos provocam.

Por isso, os haters jamais serão verdadeiramente combatidos, silenciados ou expulsos por violar as regras. As empresas apenas fingem monitorá-los enquanto, na prática, os encorajam com a máxima permissividade, fazendo vistas grossas para as maiores barbaridades. As plataformas embrulham o tumor com um papel de presente brilhante escrito: “liberdade de expressão”.

Mais do que tolerá-los, portanto, as empresas precisam dos haters, dos paranoicos, dos lunáticos e dos maníacos. Todo analista de redes sociais sabe disso: indignação gera engajamento. Uma notícia falsa ou um comentário detestável mobiliza um verdadeiro enxame de internautas que não resistem à provocação e acabam dedicando tempo e energia para interagir e movimentar a rede. E quanto mais raiva, melhor: desde que permaneçam consumindo os conteúdos, provocando ainda mais engajamento e garantindo os lucros. Há profissionais de relações públicas especializados em conquistar visibilidade para seus clientes através da ira dos antagonistas.

E na outra ponta, os parceiros de conteúdo também ganham dinheiro explorando essa raiva e ajudam a girar as engrenagens. São como ubers digitais do ódio. Esses youtubers que ganham dinheiro fazendo as pessoas brigarem entre si, por exemplo, não se importam em ser odiados, difamados e ridicularizados, pois este é precisamente o seu papel na divisão do trabalho nas redes sociais. As empresas que detém as plataformas lucram com a publicidade e com a coleta de dados dos usuários, enquanto os produtores de conteúdo recebem a sua porcentagem do bolo publicitário.

Como argumenta Jaron Lanier, o modelo de negócio das redes sociais é tóxico por natureza. Vale insistir: plataformas que lucram com o ódio remuneram ubers do ódio e exploram a atenção e o tempo de usuários que se tornam haters e trabalham de graça triplamente: entregando dados, consumindo publicidade e provocando engajamento.

Esse é o ecossistema. Quer a gente goste, ou não. Quem não está preparado para isso, não tem condições de fazer divulgação científica no YouTube.

Mas naturalmente, sobretudo em tempos de tantos obscurantismos, não podemos nos abalar. Particularmente, a forma como eu lidei com isso parece cínica, mas é pedagógica: eu compus uma canção e criei um videoclipe para agradecer aos meus haters e explicar essa dinâmica. Desde então, sempre que sou xingado nos comentários em meu canal, respondo com o vídeo. Tem tido ótimos resultados.

Veja lá! E guarde o link do vídeo para responder aos seus próprios haters e contribuir na educação para as mídias digitais. E sem desperdiçar seu tempo e sua energia com tretas inúteis e indigestas!

Andre Azevedo da Fonseca

Andre Azevedo da Fonseca

Professor e pesquisador no Centro de Educação Comunicação e Artes (CECA) da Universidade Estadual de Londrina (UEL).