Traduzido por Julio Batista
Original de Michelle Starr para o ScienceAlert
Se a arqueologia nos mostrou alguma coisa, foi a impermanência escancarada de nossas vidas.
Assentamentos humanos vêm e vão. Podemos permanecer em regiões específicas, mas o revestimento dessa região muda, o passado muitas vezes é enterrado em ruínas escondidas sob nossos pés. Mas um lugar parece ter sido tão especial que os humanos o usaram, ainda que esporadicamente, por 50.000 anos.
Esse lugar é a Cueva de Ardales, uma caverna em Málaga, no sul da Espanha, famosa pela extensa arte pré-histórica pintada e inscrita em suas paredes. Mais de 1.000 dessas obras foram catalogadas, algumas das quais demonstraram de forma famosa e controversa que os neandertais podiam criar arte.
Agora, as primeiras escavações foram realizadas na caverna, finalmente dando aos cientistas uma ideia melhor de como os antigos neandertais e humanos modernos usavam a caverna – e por quanto tempo eles a usaram.
Ao longo de 50.000 anos, desde que os neandertais começaram a usar a caverna há 65.000 anos, os neandertais e os humanos modernos fizeram uso da Cueva de Ardales para fazer arte e enterrar seus mortos, e muito pouco mais.
“Nossa pesquisa apresenta uma série bem estratificada de mais de 50 datas radiométricas em Cueva de Ardales que confirmam a antiguidade da arte paleolítica de mais de 58.000 anos atrás”, explicou uma equipe de pesquisadores, liderada pelo arqueólogo José Ramos-Muñoz, da Universidade de Cádiz na Espanha.
“Também confirma que a caverna era um local de atividades especiais ligadas à arte, pois numerosos fragmentos de ocre foram descobertos nos níveis do Paleolítico Médio.”
As escavações ocorreram entre 2011 e 2018, com foco na entrada da caverna. Esta é provavelmente a região mais movimentada da caverna e contém a maior concentração de pinturas abstratas não figurativas.
A partir daqui, os pesquisadores cavaram para acessar as diferentes camadas, enterradas ao longo do tempo, que contêm vestígios da presença humana.
Essas camadas revelaram a história de ocupação irregular da caverna, começando pela camada mais baixa e mais antiga. Isso foi datado há mais de 58.000 anos usando datação por radiocarbono, consistente com as datas obtidas anteriormente para as pinturas mais antigas da caverna, trabalhos abstratos consistindo de pontos, pintadas com a ponta dos dedos e mãos. Esta foi a ocupação neandertal da caverna, cessando cerca de 43.000 anos atrás.
Os humanos modernos parecem ter chegado à região há cerca de 35.000 anos, sugerindo que a caverna ficou sem uso por algum tempo, cerca de 7.000 anos. A partir do momento em que os humanos modernos chegaram, a caverna foi usada dentro e fora até o início do Calcolítico, ou Idade do Cobre, no final do Neolítico.
Curiosamente, embora tenham chegado muito mais tarde, os humanos modernos parecem ter usado a caverna para fins semelhantes aos neandertais. Nenhum dos artefatos recuperados de qualquer período estava relacionado a tarefas domésticas, sugerindo que a caverna não era usada como espaço de convivência.
Em vez disso, a equipe encontrou pedaços de ocre, usados para pintura e às vezes como material ritual ao longo da pré-história, bem como conchas e dentes de animais que foram perfurados, talvez para serem usados como joias.
Eles também encontraram restos humanos, sugerindo que a caverna foi usada por humanos modernos para enterrar os mortos durante o início do Neolítico.
“Os vestígios da atividade humana são efêmeros e apontam para atividades muito específicas relacionadas ao uso simbólico da caverna”, escreveram os pesquisadores em seu paper.
“Durante o Paleolítico, a caverna foi certamente utilizada para a produção de arte rupestre, o que é atestado pela presença de mais de 1.000 padrões artísticos diferentes e pela presença de vários potenciais torrões de ocre no local escavado. O uso não-doméstico da caverna continua mais tarde no Neolítico e Calcolítico, quando a caverna foi usada como local de sepultamento.”
Os resultados parecem confirmar que a caverna foi altamente importante simbolicamente por um longo período ao longo da pré-história, marcando-a como um sítio arqueológico significativo e valioso para o estudo da história humana na Europa.
A pesquisa foi publicada no PLOS ONE.