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Incrível fóssil descoberto mostra o cérebro de um animal antigo de 310 milhões de anos

Por John Paterson, Greg Edgecombe, Javier Ortega-Hernández, Robert Gaines e Russell Dean Christopher Bicknell
Publicado no The Conversation

Charles Darwin discutiu as “imperfeições” do registro geológico em seu livro A Origem das Espécies. Ele corretamente apontou que, a menos que as condições sejam adequadas, é improvável que organismos sejam preservados como fósseis, mesmo aqueles com ossos e conchas.

Ele também disse que “nenhum organismo totalmente mole pode ser preservado”.

No entanto, depois de mais de um século de caça aos fósseis desde que seu livro foi publicado, agora sabemos que a preservação de criaturas moles é realmente possível – incluindo alguns dos animais mais frágeis, como águas-vivas.

Mas e quanto à anatomia realmente delicada dos animais, como seus órgãos internos? Eles também podem ser fossilizados?

Nosso estudo, publicado esta semana na Geology, mostra como até mesmo os intrincados cérebros de antigos artrópodes aquáticos (invertebrados com pernas articuladas) podem ser preservados em detalhes notáveis.

A descoberta de um caranguejo-ferradura de 310 milhões de anos nos Estados Unidos, com o cérebro intacto, se soma a uma série recente de achados fósseis que revelaram alguns dos artrópodes mais antigos com sistema nervoso central preservado.

O fóssil de caranguejo-ferradura que documentamos em nosso estudo esclarece sobre como esses órgãos frágeis – normalmente sujeitos à decomposição muito rápida – podem ser preservados com tal fidelidade.

(A) Espécime do fóssil de caranguejo-ferradura Euproops danae de Mazon Creek, Illinois, EUA, preservado com o cérebro intacto. (B) Um zoom do cérebro, conforme indicado pela delimitação na imagem (A). (C) Reconstrução de Euproops danae, incluindo a posição e anatomia do cérebro. Crédito: Russell Bicknell.

Congelamento do cérebro: como fossilizar o cérebro de um artrópode

A maior parte do nosso conhecimento sobre cérebros de artrópodes pré-históricos foi originado de dois tipos principais de depósito fóssil: âmbar e aqueles como os xistos de Burgess.

O âmbar é uma resina fossilizada que escorre através da casca da árvore e é conhecida por capturar uma variedade de organismos. Os indivíduos presos em âmbar são comumente representados por artrópodes, como insetos – que ficaram famosos no filme Jurassic Park.

Esses fósseis preservam uma quantidade incrível de detalhes anatômicos, bem como de comportamentos, principalmente porque muito pouca decomposição ocorre depois que o organismo fica rapidamente preso na resina.

Uma centopeia e uma formiga presas em um pedaço de âmbar mexicano de aproximadamente 23 milhões de anos. Crédito: Greg Edgecombe.

Usando tecnologia de imagem sofisticada nesses fósseis de âmbar, os paleontólogos podem estudar cérebros de artrópodes minúsculos em 3D em escalas microscópicas. No entanto, os artrópodes mais antigos em âmbar datam do período Triássico (cerca de 230 milhões de anos atrás).

Os depósitos como os xistos de Burgess são muito mais antigos, sendo cambrianos em idade (tipicamente 500 a 520 milhões de anos). Eles contêm uma abundância de artrópodes marinhos excepcionalmente preservados.

Esses fósseis são muito importantes, pois representam o que são inequivocamente alguns dos animais mais antigos e, portanto, podem nos informar sobre suas origens e história evolutiva mais antiga. Seus restos são preservados principalmente como filmes de carbono em lamito.

O processo de fossilização começa com fluxos de lama induzidos por tempestades que varrem esses animais frágeis e os enterram no fundo do mar em condições de baixo oxigênio. Com o tempo, a lama vira pedra e é comprimida, deixando os animais esmagados nas rochas.

Muitos espécimes de artrópodes vistos em depósitos semelhantes aos xistos de Burgess preservam órgãos internos, especialmente o intestino. Mas mostram menos partes do sistema nervoso central, como os nervos ópticos, cordão nervoso ventral ou o cérebro.

O artrópode Cambriano Chengjiangocaris kunmingensis da China. Veja o cordão nervoso ventral em forma de terço preservado no fóssil (A) e sua posição central na reconstrução (B). Crédito: Javier Ortega-Hernández.

Preservação surpreendente

Nosso novo fóssil demonstra que cérebros de artrópodes podem ser preservados de uma maneira totalmente diferente. O espécime do caranguejo-ferradura, Euproops danae, vem do mundialmente famoso depósito Mazon Creek, em Illinois, nos Estados Unidos. Os fósseis desse depósito são preservados em concreções feitas de um mineral de carbonato de ferro chamado siderita.

Alguns dos animais do Mazon Creek, como o bizarro “Monstro de Tully“, são inteiramente de corpo mole. Isso sugere que condições especiais devem ter existido para preservá-los.

Mostramos, pela primeira vez, que os animais do Mazon Creek não foram apenas moldados pela rápida formação de siderita que gravou seus corpos inteiros, mas também que a siderita rapidamente envolveu seus tecidos moles internos antes que pudessem se decompor.

Notavelmente, o cérebro do Euproops é replicado por um mineral de argila de cor branca chamado caulinita. Esse molde mineral teria se formado mais tarde no vazio deixado pelo cérebro, muito depois de ter se decomposto. Sem esse notável mineral branco, talvez nunca tenhamos localizado o cérebro.

Um fóssil sem cérebro

Um dos desafios de interpretar a anatomia dos artrópodes antigos é a falta de parentes modernos próximos disponíveis para comparação. Mas, felizmente para nós, Euproops pode ser comparado às quatro espécies de caranguejos-ferradura vivos.

Mesmo para o olho destreinado, uma comparação do sistema nervoso do fóssil com o de um caranguejo-ferradura moderno (abaixo) deixa poucas dúvidas de que as mesmas estruturas são encontradas em ambas as espécies, apesar de estarem separadas por 310 milhões de anos.

(A) O fóssil e (B e C) desenhos interpretativos do cérebro de Euproops danae, e (D) o cérebro de um caranguejo ferradura jovem moderno, Limulus polyphemus. Créditos: (AC) Russell Bicknell / (D) Steffen Harzsch.

Os sistemas nervoso fóssil e vivo combinam em seus arranjos de nervos com os olhos e apêndices, e mostram a mesma abertura central para a passagem do esôfago.

A descoberta desses espécimes excepcionais dá aos paleontólogos um raro vislumbre do passado distante, aumentando nossa compreensão da biologia e da evolução de animais extintos há muito tempo. Parece que Charles Darwin não precisava ter sido tão pessimista sobre o registro fóssil, afinal.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.