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Manifesto Racionalista contra a candidatura de Jair Bolsonaro

Nós, do Universo Racionalista, somos adeptos de uma democracia liberal, contrapondo-se a qualquer forma de ditadura; destarte, fatos ocorridos na Venezuela sob o regime de Maduro, por exemplo, merecem duras críticas e avaliação séria. Como cidadãos brasileiros, nosso dever é ter também um forte posicionamento sobre o Brasil, não apenas invocando debates sobre países como a Arábia Saudita ou a Venezuela. Em função disso, repudiamos a postura de Jair Bolsonaro.

Somos veementemente opostos à defesa e simpatizações para com a Ditadura Militar. Consideramos que ao defender a democracia liberal, a mesma deve pautar-se em Direitos Humanos universais, não apenas no liberalismo. Em outras palavras, somos a favor da liberdade de expressão, repudiando atos de censura prévia, reservando-nos ao direito de criticar eventuais gestos de relativização do preconceito – mesmo que na forma do humor – e submetemos discursos de ódio ao entendimento à luz dos Direitos Humanos para, por fim, auxiliar na construção de um mundo mais justo, igualitário e solidário.

Sabemos que a ciência permanece em situação delicada, sofrendo com a falta de investimento público e fazendo com que pesquisadores trabalhem em condições marginais, com falta de infraestrutura adequada para compor instrumentação tecnológica e com condições de remuneração que não são suficientes para a manutenção de uma vida minimamente digna. Por conta das últimas gestões políticas, em que o descaso sistêmico com nossos institutos de pesquisas e museus históricos desencadeou a perda de objetos de estudos históricos, presenciamos, sob lágrimas nos olhos, o conhecimento ser destruído pela irresponsabilidade política e falta de comprometimento como a pesquisa científica. Com isso, sabendo que o candidato Bolsonaro não mostrou nenhuma simpatia com o dano irreparável ao conhecimento histórico e também não apresentou nenhum plano de desenvolvimento integral para Ciência & Tecnologia, decidimos apresentar de forma clara e objetiva nossos princípios.

Julgamos que nossos princípios filosóficos, morais e políticos (incluindo-se cientificismo, democracia, direitos humanos, feminismo e humanismo) entram em contraposição com os de Bolsonaro. Dessa forma, consideramos que suas ideias, mais do que conjecturas imprecisas da realidade, são empecilhos para um desenvolvimento integral – cultural, biológico, econômico e político – da sociedade contemporânea.

Admitimos o cientificismo como a noção de que devemos usar o “método científico” para tratar problemas gerais, como auxiliar na compreensão do funcionamento de sistemas sociais, como o sistema político, o sistema de saúde pública, o sistema de saneamento básico e o sistema educacional, em vez da fé ou do saber [puramente] popular.

Admitimos a democracia como a noção de participação política da população para a tomada de decisões que envolve o interesse em comum. No entanto, enxergamos que ela deve ser mais do que representativa: também necessita ser participativa. Entendemos que a democracia é o princípio a partir do qual a ciência e a razão podem deliberar sobre assuntos complexos sem sujeitarem-se aos controles político-ideológico ou cosmovisão religiosa de quem detém, mesmo que parcialmente, o poder político.

Admitimos os Direitos Humanos como a noção fundamental e universal para a convivência global e a justiça social. Isso implica uma defesa ampla ao direito à liberdade e à vida. Também envolve um olhar atento à participação política, porque, em um sistema democrático, pessoas socialmente e historicamente oprimidas podem lutar e reivindicar seus direitos, como assim o fizeram escravos do período colonial e imperial (o que deixou algumas sequelas históricas ainda existentes) e como os fazem, de modo menos velado, os homossexuais.

Admitimos o feminismo com o princípio fundamental da luta das mulheres por direitos sociais, que foram negligenciados por anos por conta de concepções machistas de uma grande parcela da sociedade, que acreditava, e ainda acredita, que as mulheres não têm competência para assumir cargos públicos-governamentais ou mesmo para tomar decisões que envolvem o bem público em comum. Os exageros de feministas ou de qualquer integrante de movimentos sociais (que sabemos que existem) não devem fundamentar uma rejeição e uma estigmatização da existência, em si, dos movimentos sociais. Críticas devem ser feitas individualmente e não com a condenação sistemática de todo um grupo complexo de pessoas.

Admitimos uma variante secular do Humanismo original, que envolve uma ampla defesa à laicidade, ou seja, à noção de que a religião não deve interferir em decisões políticas e de que a moral que uma sociedade cultiva não deve estar atrelada a uma concepção [puramente] religiosa. Essa defesa incorre na preferência pelo debate público e racional em detrimento da guerra e da violência. Tal concepção está atrelada ao pacifismo cultivado por cientistas e filósofos racionalistas do século XX, como Albert Einstein, Bertrand Russell, Carl Sagan, Mario Bunge e Paul Kurtz.

Consideramos também que o indicador de desenvolvimento e felicidade de uma nação não envolve termos puramente econômicos, mas também culturais, biológicos e políticos. O econômico, apesar de extremamente importante, pode estar atrelado aos outros indicadores e valores mencionados sob o rótulo de diversas derivações dos quais não mencionaremos.

O indicador cultural abraça um investimento amplo no conhecimento da história do país e da humanidade, bem como uma valorização do conhecimento alcançado até o momento e de sua aplicação para o bem comum. Envolve o cultivo das artes e humanidades, envolve um olhar atento de nossos progressos e realizações enquanto civilização contemporânea.

O indicador biológico cerceia a aplicação da ciência para a sociedade como um sistema geral, bem como a preocupação com o meio-ambiente e o limite de recursos naturais. Envolve uma ampla preocupação com os impactos da desigualdade social e da extrema pobreza, sobretudo a desnutrição e o saneamento básico, e, mais do que tudo, envolve um olhar atento à saúde da sociedade contemporânea.

O último indicador, que é o político, envolve a manutenção da sociedade em termos estruturais e governamentais, sobretudo da defesa à democracia e dos valores mencionados acima que só poderiam ser possíveis em uma sociedade democrática.

Para relacionar todos esses indicadores explicados objetivamente acima, optamos por usar o nome de “Democracia Integral” ou “Sistêmica”, porque envolve olhar para a sociedade como um amplo sistema, em que seus indicadores podem revelar seu grau de desenvolvimento e sua saúde.

Como o Universo Racionalista nasceu com a proposta de divulgar ciência e promover o pensamento crítico sob todas as coisas, diferenciando-nos de outros portais, decidimos manifestar o nosso posicionamento público por conta da ameaça à democracia e à ciência nacional. Sabendo também que o nosso grupo contempla membros e colaboradores das mais distintas posições político-econômicas, o nosso manifesto partiu da defesa de princípios em comum a todos nós, respeitando o próprio direito à Liberdade de Expressão, mostrando de maneira bastante sucinta como nossas posições estão de contramão com as do candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro.

Universo Racionalista

Universo Racionalista

Fundada em 30 de março de 2012, Universo Racionalista é uma organização em língua portuguesa especializada em divulgação científica e filosófica.