O tema da segurança se tornou central nessas eleições. Por se tratar de uma questão que aflige milhões de pessoas, ideias populistas e simplistas vem ganhando espaço no debate entre os Brasileiros. O medo e a indignação são extremamente justificáveis: O Brasil registrou a marca histórica de 62.517 mortes violentas intencionais em 2016 e, pela primeira vez na história, superou o patamar de 30 homicídios a cada 100 mil habitantes(1).
Frente a esse cenário, “propostas” como: “matar os bandidos, prender o máximo de pessoas nas piores condições” são vistas como as únicas possibilidades para encerrar essa sangria que vivemos. No entanto essas medidas são exatamente as que o Brasil vem aplicando no último período.
A polícia brasileira é a que mais mata no mundo, o Brasil registrou no ano passado 5.144 pessoas mortas por policiais, 790 a mais que em 2016(2). E esse é um número que vem crescendo nas últimas décadas. Esses dados destoam drasticamente de países mais seguros. Por exemplo, a polícia brasileira mata em 6 dias o mesmo que a britânica em 25 anos! (3)
Essa cultura generalizada de mortes pela polícia se deve essencialmente ao fato da população brasileira apostar todas as fichas na redução da criminalidade por via da morte aos criminosos. Porém o resultado na prática vem se mostrando ineficiente, afinal de contas a criminalidade está aumentando no país. Em contrapartida essa política de acreditar que o policial irá resolver o problema da segurança gera outro elemento trágico: Temos a polícia que mais morre no mundo(4).
Ou seja, segundo Ibis Silva Pereira, ex-comandante-geral da PM no Rio de Janeiro “A polícia que mais mata é também a que mais morre”. E apesar dessa política de segurança se mostrar ineficiente, uma parcela da população quer mais, agindo como alguém que tenta matar a sede com água salgada. Quanto mais bebe daquela água mais sede tem e consequentemente mais bebe daquela água, em um ciclo de retroalimentação positiva.
Nossa política prisional segue o mesmo curso. O Brasil tem a 3ª maior população carcerária do mundo em números absolutos, atrás apenas dos EUA e China. De acordo com os dados parciais apresentados pela ministra Cármem Lúcia, existem atualmente no Brasil 602.217 presos (5). Esses números aumentaram de forma significativa na última década como mostra o gráfico abaixo:
Em números relativos de presos por 100 mil habitantes as taxas são bastante elevadas. A taxa de presos para cada 100 mil habitantes subiu para 352,6 indivíduos em junho de 2016. Nossa taxa relativa de presos por 100 mil habitantes vem aumentando assustadoramente como mostra o gráfico (10):
Nossa taxa é maior que todos os países da Europa ocidental, e na América Latina ficamos atrás apenas da Guiana Francesa(9), mas se compararmos os países do G20 e união europeia ficamos com a terceira maior taxa.
O maior problema nisso é que 40% dos presos no Brasil não tiveram julgamento, ou seja, seguem presos sem ter uma condenação e uma pena a pagar. Muitos seguem presos por anos, mesmo sem ter tido um julgamento e um direito a defesa. Esses por sua vez se encontram nessa situação por serem pobres e não terem direito a um advogado. Enquanto os criminosos ricos têm possibilidade de contratar os melhores advogados para lhes garantir a liberdade perante as brechas da lei.
As condições da maioria dos presídios brasileiros são péssimas. O resultado é que má condições do sistema prisional é um terreno fértil para o recrutamento de indivíduos para o crime organizado. Isso porque quando se é um criminoso “comum” acaba em um presídio sem colchão, pratos, advogados e etc. Esse indivíduo, para sobreviver lá dentro, aceita ajuda de membros das facções criminosas e é por esse mecanismo que o crime organizado recruta seus membros.
Um relatório de outubro de 2016 do Departamento Penitenciário Nacional afirmou que o fracasso do estado em prover assistência jurídica, trabalho, educação e saúde adequados aos detentos fortalecia as mesmas facções criminosas que o sistema prisional deveria ajudar a destruir. Portanto as consequências para o Brasil estendem-se para muito além dos muros das prisões(6).
Na prática o encarceramento em massa ao contrário de reduzir a criminalidade provoca o contrário, ressocializando poucos presos, sendo apenas um amplificador da criminalidade.
O Brasil está na contramão de países como a Holanda que vem fechando presídios, pois não existem criminosos para ocupá-las. O número de detentos naquele país caiu 27% entre 2011 e 2015, e 43% na última década(8)
Nesse sentido é preciso identificar os elementos que contribuem para o aumento da violência e atacar as causas ao invés das consequências. Obviamente não existe apenas uma causa para o aumento da criminalidade, mas sim múltiplos fatores.
Da mesma forma que é preciso entender que existem tipos de crimes diferentes, por exemplo: O dono de uma madeireira clandestina que manda executar um ambientalista, alguém que comete latrocínios ao tentar roubar um celular ou um homem que realiza feminicídio, nos três casos temos crimes bárbaros, mas que possivelmente apresentam motivações e causas distintas. Nesse texto, por questão de espaço, buscamos apresentar uma discussão mais geral sobre as medidas necessárias.
Existem fatores que contribuem para o aumento da criminalidade de uma forma geral, um deles é a baixa escolaridade dos indivíduos. Nos presídios brasileiros 68% dos indivíduos são analfabetos ou têm o ensino fundamental incompleto, enquanto esse valor na população apresenta 40%. Ou seja, não ter instrução escolar é um fator que contribui de forma significativa para o aumento da criminalidade. isso indica que apostar em educação é uma medida central para redução da criminalidade.
Outro componente importante que contribui com maiores índices de violência é a desigualdade social. Regiões mais desiguais socialmente tendem a ser mais violentas, como mostra o estudo publicado em 2001(10). Isso ajuda a explicar porque nas cidades do interior apresentam menores índices de violência em números relativos de que as regiões metropolitanas.
A Noruega tem índices muito baixos ao ponto de ser considerado um país com “taxa zero de criminalidade” (11). Um dos fatores que contribuem para isso é o fato de existir somente uma pequena diferença entre os salários mais baixos e mais altos. A Noruega é o país com menor desigualdade no mundo, enquanto o Brasil se encontra entre os 10 mais desiguais (12). A redução da desigualdade social é uma peça determinante para reduzirmos a criminalidade no país.
Por fim, entramos no debate sobre a questão de armar a população, tema que mereceria um texto a parte. Todavia quero colocar dois breves elementos, por si só não sou contra os direitos das pessoas de terem armas em uma perspectiva mais ampla de liberdades individuais. No entanto o que sou radicalmente contra é criar a ilusão de que uma população fortemente armada seria um fator fundamental para reduzirmos a complexidade do debate.
Em primeiro lugar, em um assalto o criminoso sempre atua como fator surpresa, tendo assim uma vantagem fundamental em relação à vítima. Isso é expresso em uma triste estatística: 80% dos policiais que foram assassinados em SP não estavam em serviço (13). Ou seja, mesmo profissionais preparados tecnicamente e psicologicamente (que vivenciam o conflito armado), apresentam uma desvantagem gigante ao tentar reagir ao assalto.
Em segundo lugar, o país com maior número de armas por habitantes os EUA, não são um exemplo de segurança pública quando comparados aos países desenvolvidos. Entre as 50 cidades mais violentas do mundo, os EUA são o único país desenvolvido que está presente no ranking com 4 cidades: St. Louis, Baltimore, Nova Orleans e Detroit (14).
O debate sobre segurança é complexo e deve ser tratado como tal. Soluções simplistas e frases prontas não irão resolver a questão de segurança do Brasil, pelo contrário, irão aprofundar ainda mais o problema. Esse é o momento que não podemos nos contaminar com a paixão e o ódio, é preciso buscar saídas racionais.
A experiência brasileira de matar e prender o máximo de pessoas tem se mostrado um completo desastre. Políticas como educação, cultura, emprego e distribuição de renda são os caminhos mais eficientes para revertermos essa epidemia de morte que estamos vivendo.
Espero que nessas eleições a razão triunfe sobre o ódio.
Referências
(4) https://brasil.elpais.com/brasil/2017/04/04/politica/1491332481_132999.html
6) https://oglobo.globo.com/opiniao/como-brasil-facilita-recrutamento-de-faccoes-criminosas-21092416
8) https://super.abril.com.br/sociedade/por-falta-de-presos-holanda-fecha-24-prisoes/
10) MACEDO, Adriana C; PAIM, Jairnilson S; SILVA, Lígia M Vieira da and COSTA, Maria da Conceição N. Violência e desigualdade social: mortalidade por homicídios e condições de vida em Salvador, Brasil. Rev. Saúde Pública [online]. 2001, vol.35, n.6, pp.515-522. ISSN 0034-8910.
12) https://oglobo.globo.com/economia/brasil-o-10-pais-mais-desigual-do-mundo-21094828
14) https://www.bbc.com/portuguese/brasil-43309946