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Mentes perturbadas: o cérebro do psicopata

Desde o famoso caso de Phineas Gage, lesões do lobo frontal têm sido associadas ao desenvolvimento de comportamento antissocial impulsivo. Este caso é ilustrativo a ponto de justificar uma breve descrição da sua apresentação clínica: Phineas Gage trabalhava na construção de estradas de ferro nos Estados Unidos, em meados do século XIX. Era descrito como equilibrado, meticuloso e persistente quanto aos seus objetivos, além de profissional responsável e habilidoso. Em um acidente nas explosões de rotina para abertura de túneis nas rochas da região, Phineas Gage foi atingido por uma barra de ferro que transpassou seu cérebro, entrando pela face esquerda, abaixo da órbita, e saindo pelo topo da cabeça. Surpreendentemente, Phineas Gage permaneceu consciente após o acidente, sobreviveu às esperadas infecções no seu ferimento e dois meses após o acidente estava recuperado, sem déficits motores e com linguagem e memória preservadas. A sua personalidade, no entanto, havia se modificado completamente. Phineas Gage transformou-se em uma pessoa impaciente, com baixo limiar à frustração, desrespeitoso com as outras pessoas, incapaz de adequar-se às normais sociais e de planejar o futuro. Não conseguiu estabelecer vínculos afetivos e sociais duradouros novamente ou fixar-se em empregos (Damásio, 1994).

A partir do infortúnio de Phineas Gage, relatos de caso e estudos retrospectivos de veteranos de guerra vêm mostrando a associação entre lesões pré-frontais – mais especificamente lesões nas porções ventromediais do córtex frontal – e a observação clínica de comportamento impulsivo, agressividade, jocosidade e inadequação social (Brower e Price, 2001). “Sociopatia adquirida” é o termo que tem sido frequentemente utilizado para descrever a mudança de personalidade observada em decorrência de danos cerebrais em regiões pré-frontais. Esses dados levaram à sugestão de que um comprometimento do funcionamento do lobo frontal ventromedial poderia contribuir para problemas relacionados ao controle de impulso e personalidade antissocial (Damásio, 2000). A variedade de déficits neuropsicológicos descritos em antissociais (Morgan e Lilienfeld, 2000) estaria em consonância com esta hipótese.

Estudos de neuroimagem

Os estudos de neuroimagem estrutural com ressonância nuclear magnética apontam alterações volumétricas do lobo frontal no TPAS. Comparando pacientes com diagnóstico de TPAS com controles não clínicos, pacientes com dependência de substâncias psicoativas e pacientes com outros diagnósticos psiquiátricos, Raine et al. (2000) verificaram que os pacientes com TPAS apresentavam uma redução do volume da matéria cinzenta pré-frontal e que esta redução correlacionava-se com uma diminuição da resposta autonômica a um evento estressor provocado experimentalmente – no caso, a realização de um discurso.

A amígdala é outra estrutura que estudos volumétricos tem implicado na fisiopatogenia do TPAS. Tiihonen et al.(2001) verificaram que o volume da amígdala correlacionou-se negativamente com os escores do PCL-R em criminosos violentos. Também foi descrita uma associação entre escores elevados no PCL-R e reduções bilaterais do volume de hipocampo posterior em criminosos violentos (Laasko et al., 2001). Esses últimos resultados devem ser tomados com cuidado, por se tratarem de amostra pequena, com comorbidade com dependência ao álcool e sem grupo-controle.

Há ainda indícios do envolvimento de outras estruturas cerebrais na ocorrência de TPAS. Em um estudo publicado mais recentemente, verificou-se que pacientes antissociais, comparados com controles saudáveis, apresentavam várias anormalidades no corpo caloso, o que poderia ser considerado como sugestivo de alterações no neurodesenvolvimento (Raine et al., 2003).

Os avanços em técnicas de neuroimagem funcional, como tomografia por emissão de pósitrons (PET), tomografia computadorizada por emissão de fóton único (SPECT) e ressonância magnética funcional (fMRI), permitiram que as relações entre região cerebral e diagnóstico específico e/ou processos mentais específicos fossem exploradas de maneira mais minuciosa.

Os estudos com PET (Goyer et al., 1994; Wong et al., 1997; Raine et al., 1994; 1998) e SPECT (Amen et al., 1996) também indicam o envolvimento de córtex pré-frontal no comportamento antissocial, com vários estudos demonstrando redução do metabolismo em regiões frontais. Em artigo de revisão considerando os artigos publicados de 1966 a 2000, Bassarath (2001) concluiu que estudos funcionais realizados até aquele momento (PET e SPECT) permitiam classificar como “robusto” o envolvimento do córtex pré-frontal, especialmente regiões mediais e laterais, no comportamento antissocial. Além do lobo frontal, também têm sido descritas reduções do metabolismo em estruturas subcorticais do sistema límbico (Amen et al., 1996), amígdala (Raine et al., 1997), hipocampo e núcleo caudado (Soderstrom et al., 2002).

Estudos mais recentes, utilizando-se de técnicas de fMRI, também apontam na direção do envolvimento de regiões pré-frontais e do sistema límbico no TPAS. Kiehl et al. (2001) demonstraram que criminosos psicopatas, comparados com criminosos não-psicopatas e controles sãos, apresentavam uma atenuação da ativação do complexo amígdala-hipocampo, giro paraipocampal, estriado ventral e giro do cíngulo posterior e anterior durante o processamento de palavras de valência negativa.

O comprometimento dos mecanismos envolvidos na aquisição de medo condicionado também tem sido implicado na fisiopatogenia do TPAS. Utilizando-se de uma tarefa baseada em teorias do condicionamento clássico (faces neutras pareadas com odor aversivo), Schneider et al. (2000) verificaram que pacientes com TPAS não diferiam de controles saudáveis quanto à aquisição de condicionamento, inferido a partir da observação do comportamento e medidas subjetivas. No entanto, observou-se que os pacientes apresentavam um aumento da intensidade de sinal na amígdala e no córtex pré-frontal dorsolateral, indo em direção oposta aos controles. Os autores explicaram este resultado argumentando que os pacientes necessitariam de um esforço adicional para o processamento de emoções negativas.

A possível necessidade de esforço adicional também foi observada em pacientes com TPAS e TPB durante a realização de um paradigma de inibição de comportamento estabelecido, denominado Go/No-Go. Ativações de córtex dorsolateral e orbitofrontal, especialmente à direita, durante a inibição comportamental têm sido consistentemente replicadas em voluntários saudáveis com esse paradigma. Pacientes com TPAS não diferiram de controles quanto ao desempenho na tarefa, mas apresentaram ativações mais extensas, envolvendo inclusive hemisfério esquerdo de córtex frontal medial e inferior, cíngulo anterior e regiões temporais (Vollm et al., 2004). Estes resultados foram explicados como uma estratégia compensatória, ou seja, o sucesso no desempenho da tarefa dependeria do recrutamento de áreas cerebrais adicionais.

Alguns resultados, no entanto, não confirmam a hipótese da necessidade de esforços compensatórios. Veit et al.(2002), utilizando um paradigma de condicionamento aversivo bastante semelhante ao descrito anteriormente (faces pareadas com pressão dolorosa ao invés de odor aversivo), obtiveram resultados opostos ao previsto pela hipótese. Psicopatas apresentavam ativações menos pronunciadas e mais breves em córtex orbitofrontal, ínsula, cíngulo anterior e amígdala, em comparação com controles saudáveis durante a execução da tarefa.

Os dados de neuroimagem claramente apontam para o envolvimento de algumas estruturas cerebrais específicas no desenvolvimento de comportamento antissocial. No entanto, algumas limitações metodológicas devem ser levadas em consideração na comparação dos resultados obtidos até o momento, bem como na sua extrapolação e generalização. Diferenças conceituais e de nomenclatura podem interferir nos resultados, havendo a necessidade de estudos com grupos mais homogêneos, sem comorbidades e com foco claro em comportamentos mais específicos (Séguin 2004). Além disso, deve-se lembrar também que boa parte dos estudos foi realizada com criminosos violentos, e que as alterações até então descritas poderiam relacionar-se de maneira mais específica com impulsividade, agressividade ou mesmo encarceramento, e não com a condição mais ampla de sociopatia. A aplicação de paradigmas específicos de ativação psicológica em voluntários saudáveis tem sido utilizada como um passo intermediário para a exploração de maneira sistemática dos diferentes componentes psíquicos possivelmente envolvidos no comportamento antissocial (exemplos em Moll et al., 2002; Anderson et al., 2002).

Estudos dos sistemas de neurotransmissão

Pode-se dizer, de maneira bastante simplificada, que a investigação sobre o papel de um determinado neurotransmissor em funções fisiológicas e patológicas poderia ser feita por meio do uso de drogas que ativam ou bloqueiam receptores específicos, pré e/ou pós-sinápticos. Além disso, a averiguação de seus precursores e metabólitos também seria ferramenta útil para a exploração da função de determinado neurotransmissor. A figura 1 ilustra os diferentes processos envolvidos na sinapse serotonérgica.

O prejuízo da função serotonérgica (5-HT) tem sido implicado na etiologia de vários transtornos mentais, entre eles transtornos de ansiedade, depressão e transtornos relacionados ao controle do impulso. Isso se deve a alguns achados comuns a todos, ou pelo menos a parte desses transtornos, como redução na concentração no líquido cefalorraquidiano (LCR) do produto final do metabolismo de 5-HT, o ácido 5-hidroxi-indolacético (5-HIAA), respostas hormonais atenuadas a desafios farmacológicos com drogas que interferem na função serotonérgica e alterações nas concentrações de receptores serotonérgicos (Mann et al., 1989, 1995; O’Keane et al., 1992; Coccaro et al., 1995; Dolan et al., 2001; Drevets et al., 1999). Além disso, os inibidores seletivos da recaptação de serotonina têm se mostrado efetivos no tratamento desses transtornos, o que se acredita ser devido ao aumento da neurotransmissão 5-HT (Bell e Nutt,1998; Mann et al., 2001; Jetty et al., 2001; Nemeroff, 2002).

Especificamente na TPAS, vários estudos também têm sugerido a ocorrência de anormalidades no funcionamento serotonérgico, especialmente no caso de criminosos violentos. A associação entre redução da função serotonérgica (5-HT) e comportamento agressivo e impulsivo tem sido demonstrada tanto em animais (Cherek e Lane, 1999) como em populações com diagnóstico de personalidade antissocial (Fairbanks et al., 2001; Dolan et al., 2001).

Em voluntários saudáveis, a depleção aguda de triptofano, um aminoácido proveniente da dieta e precursor de 5-HT, induziu aumento da velocidade de processos psicomotores, mas tornou a escolha do comportamento mais lenta (Rogers et al., 1999a). Os autores concluíram que a serotonina normalmente reduz a velocidade de processos psicomotores nos circuitos dorso-fronto/estriatal e que o prejuízo da função serotonérgica seria um dos mecanismos de resposta impulsiva.

Criminosos antissociais e violentos apresentaram níveis plasmáticos significativamente mais elevados de triptofano livre que controles saudáveis, sugerindo um distúrbio do metabolismo de triptofano na fisiopatogenia da sociopatia (Tiihonen et al., 2001). Este mesmo grupo de pesquisadores sugeriu, a partir do estudo do caso de um jovem de 15 anos com diagnóstico de transtorno de conduta, que os níveis elevados de triptofano poderiam ser um indicador precoce de comportamento criminoso no futuro (Virkkunen et al., 2003).

Outra medida da associação entre prejuízo do funcionamento das vias serotonérgicas e comportamento antissocial é a diminuição das concentrações do 5-HIAA no LCR de criminosos impulsivos, demonstrada em diferentes estudos (Brown et al., 1982, Soderstrom et al., 2003; Constantino et al., 1997; Coccaro et al., 1990). Os baixos níveis de 5-HIAA no LCR sugeririam que o déficit estaria na liberação de serotonina, mas, por outro lado, a estimulação direta de receptores pós-sinápticos do tipo 5-HT2, por meio de desafios farmacológicos, também mostraram respostas alteradas.

Os desafios farmacológicos se caracterizam pela administração aguda de drogas provocadoras de aumento da função serotonérgica cerebral, que, por sua vez, pode levar a um aumento na secreção de alguns hormônios pituitários, como prolactina e corticotrofina (ACTH). As mudanças observadas nos níveis hormonais plasmáticos em decorrência da administração aguda de drogas têm sido frequentemente usadas, tanto em voluntários saudáveis quanto em pacientes psiquiátricos, como uma medida indireta da função serotonérgica no sistema nervoso central (Cowen, 1998).

A administração aguda do agonista serotonérgico m-cloro-fenilpiperazina (mCPP) em indivíduos com diagnóstico de TPAS resultou em respostas hormonais alteradas, quando comparados com voluntários saudáveis (Moss et al., 1990). O aumento dos níveis de cortisol foi significativamente mais pronunciado nos pacientes que nos controles, enquanto os níveis de prolactina apresentaram resposta em direção oposta, sendo mais atenuados nos pacientes. A administração aguda de d-fenfluramina, um inibidor da recaptação e potente liberador de 5-HT, levou a aumentos menos pronunciados dos níveis plasmáticos de prolactina em criminosos com diagnóstico de TPAS, comparado com a resposta de controles sãos (O´Keane et al., 1992).

Recentemente, aplicando o conceito mais amplo de psicopatia e seus diferentes componentes combinados com um desafio farmacológico com d-fenfluramina em criminosos violentos, Dolan e Anderson (2003) verificaram que traços impulsivos de personalidade correlacionavam-se negativamente com a função serotonérgica, enquanto traços de arrogância correlacionavam-se positivamente, sendo este último dado interpretado como um possível componente adaptativo da psicopatia.

Embora os resultados de estudos com avaliação de respostas neuroendócrinas a testes provocativos farmacológicos sejam consistentes, eles não permitem que sejam localizadas as regiões do cérebro onde se encontrariam as deficiências neuroquímicas. O uso de neuroimagem para monitorar as respostas metabólicas ou fluxo sanguíneo para testes provocativos farmacológicos poderia ser um meio mais adequado para avaliar a responsividade farmacológica por regiões cerebrais específicas. Estudos com PET e d-fenfluramina mostraram aumento da atividade metabólica no córtex frontal ventromedial em voluntários normais e uma falta de resposta em pacientes agressivos e impulsivos com TBP (Siever et al., 1999; Soloff et al., 2000). A administração endovenosa de mCPP em voluntários normais e em pacientes com dependência ao álcool causou ativação em várias áreas do córtex pré-frontal (Hommer et al., 1997). Em voluntários saudáveis, o mCPP acentuou a resposta neuronal, detectada por fMRI, de regiões laterais do córtex orbitofrontal durante a execução de tarefa de inibição de comportamento (Go/No-Go) (Anderson et al., 2002). Efeitos semelhantes foram obtidos com a administração endovenosa de citalopram, um inibidor seletivo da recaptação de serotonina (Del-Ben et al., 2003). Os efeitos do citalopram nesta tarefa estão ilustrados na figura 2. Esses resultados sugerem um papel da serotonina na inibição de comportamentos, por meio da facilitação de mecanismos frontais.

Outros sistemas de neurotransmissão também têm sido associados a comportamento antissocial. Uma hipótese intrigante implica os mecanismos envolvidos no processamento de recompensa, e consequentemente o sistema dopaminérgico, na fisiopatogenia do TPAS (Blum et al., 2000). A hipótese se aplicaria também a outros transtornos mentais, como dependência química e transtornos do controle do impulso, relacionando-os a uma ruptura na cascata de respostas a estímulos de recompensa. O funcionamento do sistema dopaminérgico estaria diminuído devido a um comprometimento de receptores pós-sinápticos do tipo D2.

Hipóteses a respeito da fisiopatogenia do transtorno de personalidade antissocial

Resumidamente, os dados clínicos obtidos até o momento sugerem que, do ponto de vista anatômico, porções ventromediais do lobo frontal, particularmente o córtex orbitofrontal (COF), e outras estruturas do sistema límbico, especialmente a amígdala, estariam envolvidas na patogênese do TPAS. Além disso, redução da função serotonérgica também estaria relacionada com TPAS, se não com todos os seus aspectos, pelo menos com o seu componente impulsivo/agressivo.

Estudos experimentais indicam que o processamento de estímulos de recompensa e punição, bem como a escolha entre as opções de comportamento possíveis frente às características do reforço apresentado (magnitude, probabilidade de ocorrência, tempo de latência), são essencialmente mediados por circuitaria neural que inclui as estruturas anatômicas supostamente implicadas na patogenia do TPAS, como o COF e a amígdala (Rolls 1999; Tremblay e Schultz 1999; Schoenbaum et al., 1998). Pode-se supor que, no TPAS, as representações de respostas não evocariam as representações de reforço normalmente esperadas; o comportamento passaria, então, a ser governado por mecanismos mais primitivos e menos precisos.

A inibição de comportamentos punidos também seria mediada pelo COF. Regiões laterais deste parecem estar particularmente envolvidas em tarefas que requerem inibição de respostas motoras preponderantes (Elliott et al., 2000). Do ponto de vista adaptativo, mecanismos inibitórios podem ser cruciais para o funcionando social normal. Blair et al. (1999) demonstraram ativação de COF lateral para expressões faciais de raiva, que representariam um sinal social para inibir comportamento inapropriado. Assim, a deterioração em funções do COF lateral poderia contribuir para comportamentos impulsivos ou desinibidos, frequentemente observados em pacientes com TPAS.

Por outro lado, as regiões mediais do COF mediariam a escolha do comportamento por meio da representação das consequências motivacionais das escolhas. De acordo com Damasio et al. (1990), as porções mediais do COF processariam a escolha da resposta comportamental frente a estímulos arriscados, especialmente em situações sociais, desencadeando como sinal de alerta sensações somáticas ou viscerais (gut feeling). Essa região seria essencial para o planejamento do futuro e tomada de decisões. Pacientes com lesões em regiões ventromediais do COF apresentam respostas autonômicas atenuadas e fazem escolhas arriscadas em um paradigma experimental que simula um jogo de azar (gambling) (Bechara et al., 1996). Reciprocamente, sujeitos saudáveis mostram ativação dessa mesma região do COF por um paradigma semelhante (Rogers et al., 1999b).

Os estudos animais sugerem que a inervação serotonérgica do COF, da amígdala e do estriado ventral seria ativada por meio de ameaças externas ou mecanismos de ansiedade antecipatória. A via serotonérgica ascendente proveniente do núcleo dorsal da rafe mediaria respostas adaptativas a situações adversas atuais ou futuras por meio de receptores pós-sinápticos do tipo 5-HT2, a serotonina inibiria comportamentos de aproximação, mediados por dopamina, e facilitaria a evitação (Deakin e Graeff, 1991; Deakin, 2003). O COF tem projeções extensas para os centros de controle autonômico no hipotálamo medial e na matéria cinzenta periaquedutal, que parece mediar respostas do tipo luta-fuga (Graeff et al., 1997). A ansiedade induzida por esta resposta pode ser um caso especial de ansiedade antecipatória facilitada por 5-HT (Deakin e Graeff 1991; Deakin 1999). Assim, defeitos na função 5-HT e danos do COF podem resultar em falta de inibição, tanto de comportamento socialmente arriscado como punido.

Considerações finais

O interesse crescente no estabelecimento das bases neurais do comportamento antissocial que se observa atualmente provavelmente se deve, pelo menos em parte, ao aumento significativo da criminalidade e violência urbana em diferentes partes do mundo. Os avanços metodológicos obtidos nas últimas décadas, como, por exemplo, as técnicas de investigação em neuroimagem, têm permitido que diferentes hipóteses sobre as bases neurobiológicas de diferentes transtornos mentais sejam sucessivamente testadas. A identificação de fatores de risco, tanto psicossociais como biológicos, para a ocorrência de comportamento antissocial seria de extrema utilidade para o desenvolvimento de abordagens efetivas de prevenção e intervenção. No entanto, apesar de muitos avanços terem sido alcançados nessa área, deve-se ter cautela na interpretação dos resultados obtidos até o momento, particularmente na sua extrapolação para outras esferas não médicas, como moral, ética ou jurídica. Uma eventual aplicação das informações a respeito das bases biológicas do transtorno de personalidade antissocial em outros campos do conhecimento exigiria, antes de qualquer coisa, uma reflexão ampla e profunda de diferentes áreas da sociedade.

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Fonte:

Neurobiologia do transtorno de personalidade antissocial
Revista de Psiquiatria Clínica
print version ISSN 0101-6083
Rev. psiquiatr. clín. vol.32 no.1 São Paulo 2005
Cristina Marta Del-Ben
http://dx.doi.org/10.1590/S0101-60832005000100004

Samuel Fernando

Samuel Fernando

Sou pesquisador na área de neurociência computacional pela Universidade Federal do ABC e atuo nos seguintes tópicos: neurônios espelhos, redes neurais, inteligência artificial, linguagem, transtornos mentais e teoria da consciência. Sou futurista, mas apaixonado por antiguidades, letras, artes e literatura clássica. Scientia et potentia in ídem coincidunt. Transhumanismo sim!