Por Sam Harris
Minha crítica à religião baseada em fé enfoca o que eu considero ser más ideias, mantidas por más razões, levando a mal comportamento. Por eu estar preocupado com as consequências lógicas e comportamentais de crenças específicas, não trato todas as religiões da mesma maneira. Nem todas as doutrinas religiosas estão enganadas na mesma medida, intelectualmente ou eticamente, e seria desonesto e fatalmente perigoso pensar de outra maneira. Pessoas de todas as tradições podem ser vistas cometendo os mesmo erros, claro – por exemplo, apoiarem-se em fé em vez de evidência quanto a questões na esfera pública e pessoal – mas as doutrinas e autoridades nas coisas em que elas colocam sua fé tem amplitude tal que vai desde o antiquado até o psicopático. Por exemplo, uma crença dogmática na necessidade ética e espiritual da completa não-violência jaz no próprio núcleo do Jainismo, enquanto um igualmente dogmático compromisso em usar violência para defender sua fé, tanto de dentro quanto de fora, é similarmente central para a doutrina do Islã. Essas crenças, apesar de mantidas por razões idênticas (fé) e em vários graus por praticantes individuais dessas religiões, não poderiam ser mais diferentes. E essa diferença tem consequências no mundo real. (Que esta seja a primeira barreira ao se entrar nesta discussão: Se você não concorda com esse fato, não entenderá nada do que vou dizer sobre o Islã. Infelizmente, muitos dos críticos mais volúveis não conseguem desembaçar suas vistas — e nenhuma quantidade de citações do Alcorão, da Suna, o enfurecimento dos islamistas modernos, ou as acusações de suas vítimas farão qualquer diferença.)
Fatos desse tipo demandam que façamos distinções entre as fés que muitas pessoas desonestas ou confusas interpretarão como sinal de preconceito. Por exemplo, eu disse em mais de uma ocasião que o Mormonismo é objetivamente menos crível que o Cristianismo, pois mórmons estão comprometidos em acreditar praticamente em todas as coisas implausíveis que o Cristianismo acredita, mais muitas coisas implausíveis adicionais. É matematicamente verdadeiro dizer que quaisquer que sejam as possibilidades atribuidas ao returno de Jesus à Terra para julgar os vivos e os mortos, elas são menores dele o fazer de Jackson County, Missouri. A luz da história é, do mesmo modo, pouco gentil com Mormonismo, pois sabemos muito mais sobre Joseph Smith do que sabemos sobre os Doze Apóstolos, e temos muitas boas razões para acreditar que ele foi um talentoso golpista. Não é sinal de preconceito contra mórmons como pessoas honestamente discutirmos estas questões. E eu acredito que ateus, secularistas e humanistas não fazem favor nenhum ao mundo ao insistirem que todas as religiões sejam criticadas precisamente nos mesmos termos e na mesma medida.
Por considerar o Islã especialmente beligerante e hostil às normas do discurso civil, minhas opiniões são frequentemente descritas como “racistas” por meus críticos. Dizem que estou sofrendo um terrível caso de “Islamofobia”. Pior ainda, estou espalhando essa doença aos outros e usando uma camada de ateísmo filosófico e ceticismo para justificar opressão política, tortura, e o assassinato de muçulmanos inocentes ao redor do mundo. Eu sou um “tonto da neocon,” um “traficante de guerra,” e um amigo de “fascistas.” Em outras palavras, tenho sangue em minhas mãos.
É difícil saber onde começar a desatar esses memes perniciosos, mas vamos começar com a acusação de racismo. Minha crítica às consequências lógicas e comportamentais de certas ideias (ex. Martírio, jihad, blasfêmia, honra, etc.) censura brancos ao se converterem ao Islã — como Adam Gadahn — tanto quanto o faz à respeito de árabes como Ayman al-Zawahiri. No máximo, eu tendo a ser mais crítico dos convertidos, qualquer que seja a cor de sua pele, porque eles não sofreram lavagem cerebral pela fé desde o nascimento. Eu tenho também o hábito de fazer comparações individuais entre o Islã e outras religiões, como o Hinduísmo, Budismo, Jainismo. Devo eu chamar a atenção para o fato de que a maioria dos hindus, budistas e jainistas não são brancos como eu? É de se esperar que não haja essa necessidade – mas o trabalho de diversos proeminente escritores sugere que a necessidade é urgente.
Desnecessário dizer que é sobre o Islã que meus críticos verdadeiramente dominaram a arte da citação seletiva. Eis como o truque é feito: Murtaza Hussain escreve um artigo abismalmente desonesto sobre a página da Al Jazeera me acusar de ódio genocida contra muçulmanos. Eu sou, é-nos dito, um racista sedento de sangue – e minhas palavras provam. Considerem:
“Harris afirmou que a política correta no que diz respeito às populações muçulmanas ocidentais é aquela que atualmente é buscada por movimentos fascistas contemporâneos hoje. Na visão de Harris: “As pessoas que falam mais sensivelmente sobre a ameaça que o Islã representa para a Europa são, na verdade, fascistas””.
O autor, então, providencialmente, deixa um link para um artigo sobre fascistas europeus — neste caso — o neo-Nazi Golden Dawn Party in Greece — que ameaçaram transformar imigrantes em sabão e abajures. Como, o leitor chocado é deixado a imaginar, posso eu admirar tais pessoas?
Mas eis minhas palavras no contexto original:
“Cada vez mais, norte-americanos virão a acreditar que as únicas pessoas de cabeça dura o suficiente para lutar contra os fanáticos religiosos do mundo muçulmano são os fanáticos religiosos do Ocidente. De fato, esta se afirmando que as pessoas a falarem com maior clareza moral sobre as guerras atuais no Oriente Médio são membros da direita cristã, cuja paixonite por profecias bíblicas é quase tão perigosa quanto a ideologia de nossos inimigos. Dogmatismo religioso está agora jogando dos dois lados do tabuleiro de um jogo muito perigoso.
Enquanto os liberais deveriam ser aqueles apontando o caminho além desta loucura da Idade de Ferro, eles estão cada vez mais se rendendo à total irrelevância. Sendo geralmente razoáveis e tolerantes quanto à diversidade , liberais deveriam ser especialmente sensíveis aos perigos do literalismo religioso. Mas eles não são.
O mesmo fracasso do liberalismo é evidente na Europa Ocidental, onde o dogma do multiculturalismo deixou a Europa muito lenta para lidar com o iminente problema do extremismo religioso entre seus imigrantes. As pessoas que falam mais sensivelmente sobre a ameaça que o Islã representa para a Europa são, na verdade, fascistas. Dizer que isso não é bom augúrio para o liberalismo é pouco. Não é bom augúrio para o futuro da civilização.”
A proposta daquele ensaio (escrito em 2006) era expressar minha preocupação com o fato de que o politicamente correto da esquerda tornou tabu mesmo perceber a ameaça do Islã político, permitindo que apenas direitistas fanáticos façam o trabalho. Tais fanáticos são, como eu pensei ter deixado claro, as pessoas erradas para fazer isso, sendo quase tão ruins quanto os próprios jihadistas. Eu não estava louvando fascistas: Eu estava argumentando que confusão liberal e covardia estavam fortalecendo-os.
Talvez a questão ainda não esteja clara (é possível ter certeza?) Então, imagine: Uma cópia do Alcorão é queimada amanhã – ou simplesmente surge um rumor de ter sido queimado. O que vai acontecer se esse ato de sacrilégio for amplamente noticiado? Bem, nós podemos ter certeza que muçulmanos aos milhares, ou mesmo às dezenas de milhares, vão se insurgir – talvez numa dúzia de países. Vintenas de pessoas podem morrer como resultado. Com quem podemos contar para defender a liberdade de expressão em face da loucura religiosa? A página editorial do The New York Times vai lembrar ao mundo que pessoas livres deveriam ser livres para queimar o Alcorão ou qualquer outro livro sem ter medo de ser assassinado? Provavelmente não. Mas a Esquerda secular com certeza denunciará o intolerante que queimou o livro por sua “insensibilidade religiosa” e o considerará amplamente (se não completamente) responsável pelo caos resultante e as pelas vidas perdidas. Será o trabalho de pastores cabeças-de-vento, supremacistas brancos, e outros conservadores da extrema Direita – e, claro, “Islamófobos” como eu – nos lembrar de que a Primeira Emenda existe, de que livros não sentem dor, e de que as sensibilidades de todas as outras religiões são regularmente importunadas sem que hajam similares rebeliões.
Eu tornei o trabalho de distorcer minhas posições mais fácil do que precisava ser? Sem dúvida. E nesse caso em particular, um leitor atento foi gentil o suficiente de tirar palavras do autor da minha boca em muitos outros assuntos. O problema, contudo, é que alguns críticos não têm escrúpulos. Quando eu chamei a atenção de Gleen Greenwald para como ele me interpretou mal ao endossar publicamente o artigo de Hussain, ele próprio escreveu um artigo quase idêntico no site do The Guardian. Multiplique esse tipo de tratamento malicioso por mil e você entenderá porque muitos escritores, cientistas e intelectuais públicos que concordam comigo sobre o Islã e sobre o fracasso da Esquerda decidiram que é simplesmente muito trabalho tornar o caso público. O termo “Islamofobia” está sendo utilizado como um tipo de difamação intelectual de sangue para proteger de crítica ideias intrinsecamente hostis.
A maioria das religiões produzem uma certa quantidade de sofrimento desnecessário. Considere o escândalo sobre padres pedófilos da Igreja Católica, que é algo que eu escrevi sobre antes, espero que com indignação e escárnio suficiente. Pode-se certamente argumentar, como eu fiz, que o ensino católico é, em parte, culpado por esses crimes contra crianças. Ao fazer a contracepção e o aborto, um tema tabu, a Igreja assegurou que haveria muitos nascimentos fora do matrimônio entre os fiéis; estigmatizando mães solteiras e garantindo que muitas crianças seriam abandonadas e enviadas para orfanatos gerenciados pela Igreja, onde elas poderiam ser molestadas por homens sexualmente saudáveis à espreita na vida de celibato sacerdotal. Eu não acho que nada disso foi conscientemente planejado – é apenas uma consequência grotesca de algumas doutrinas muito estúpidas do catolicismo. E, no entanto, a verdade é que não existe qualquer relação direta entre a escritura cristã e estupro de crianças. Porém, imagine se o Novo Testamento contivesse passagens que prometessem o céu a qualquer sacerdote que sodomizasse uma criança. E então imagine uma quantidade significativa de jornalistas e políticos que afirmam que os crimes resultantes contra as crianças não teve coisa alguma a ver com os “verdadeiros” ensinamentos do cristianismo. Essa é a situação estranha em que nos encontramos em relação ao Islã.
Conforme escrevi em minha conversa pessoal com Greenwald, “Islamofobia” é um termo de propaganda. Eis como ele me respondeu no site do The Guardian:
“Talvez a declaração mais repulsiva que Harris tenha me feito foi a de que Islamofobia é fictícia e inexistente, “um termo de propaganda designada para proteger o Islã das forças do secularismo ao misturar à toda crítica racismo e xenofobia” Como alguém pode observar o discurso político pós 11 de setembro no Ocidente e acreditar realmente que tudo é mistificação? O significado de “Islamofobia” é tão claro como “antissemitismo”, “racismo”, “sexismo” e todos os outros tipos de conceitos semelhantes. Significa (1) Condenação irracional de todos os membros de um grupo ou do grupo em si baseado nos atos condenáveis de indivíduos específicos que fazem parte desse grupo; (2) uma obsessão desproporcional com aquele grupo por pecados cometidos ao menos na mesma medida por muitos outros grupos, especialmente do próprio sujeito obcecado; e/ou (3) assertivas generalizantes acerca dos membros daquele grupo não justificadas por suas crenças e atos reais.”
Isto é extremamente útil, tendo sido claramente exposto e estando claramente errado. O significado de “Islamofobia” não é de forma alguma igual aos significados daqueles outros termos. Simplesmente não é fácil diferenciar preconceito contra muçulmanos dos meros racismo e xenofobia dirigidos a árabes, paquistaneses, somalis, e outras pessoas que por acaso são muçulmanas. É claro que tais preconceitos existem, e são tão odiosos quanto acredita Greenwald. Mas inventar um novo termo não nos autoriza a dizer que existe uma nova forma de ódio no mundo. Como o termo “antissemitismo” difere? Bem, nós temos uma tradição de 2000 anos de ódio inspirado pela religião contra judeus, concebidos como uma raça distinta de pessoas, por aqueles que os odeiam e pelos próprios judeus. Antissemitismo é, portanto, uma forma específica de racismo que, como todos sabem, adquiriu aspectos terríveis através dos anos (e hoje é especificamente prevalecente entre muçulmanos, por razões que podem ser explicitamente ligadas não somente aos recentes conflitos por terras no Oriente Médio, mas à doutrina do Islã). “Sexismo,” generalmente falando, é uma predisposição contra mulheres, não por conta de qualquer doutrina que possa ser exposta, mas porque elas nasceram sem um cromossomo Y. Os significados desses termos são claros, e cada um nomeia uma forma de ódio e exclusão dirigida a pessoas, como pessoas, não por causa de seu comportamento ou crenças, mas pelas simples circunstâncias de seu nascimento.
Islamofobia é algo totalmente diferente. É, segundo Greenwald em seus 3 pontos, um foco nos muçulmanos “irracional”, “desproporcional” e “injustificado”. Mas a única forma de muçulmanos serem razoavelmente considerados como parte de um grupo é por sua aderência em comum à doutrina do Islã. Não existe a etnia “muçulmana”. Eles não são unidos por qualquer traço físico ou por uma diáspora. Diferentemente do Judaísmo, Islã é uma fé vasta e missionária. A única coisa que define a categoria “muçulmano” – e a única coisa que pode fazer com que esse grupo seja possível alvo do medo “irracional”, foco “desproporcional”, ou crítica “injustificada” por parte de qualquer um – é a sua aderência a um grupo de crenças e comportamentos que essas crenças inspiram.
E, diferentemente dos traços étnicos característicos ou traços de gênero, crenças podem ser impugnadas, testadas, criticadas e modificadas. Na verdade, onde quer que as normas de conversação racional sejam permitidas, crenças devem ganhar o respeito. Mais importante ainda, crenças são declarações acerca da realidade e sobre como seres humanos devem viver nela – ora elas necessariamente induzem comportamentos, valores, leis e instituições públicas que afetam a vida de todas as pessoas, elas compartilhando dessas crenças ou não. Crenças acabam com casamentos e iniciam guerras.
Assim “Islamofobia” deve ser — e realmente só pode ser — um medo irracional, desproporcional, e injustificado de certas pessoas independentemente de sua etnia ou de outro traço acidental, devido àquilo que elas acreditam e por conta do quanto elas acreditam. Desta forma, a questão relevante a se fazer é se uma preocupação especial com pessoas que estão profundamente comprometidas com as verdadeiras doutrinas do Islã, no pós 11 de setembro de 2001, é irracional, desproporcional e injustificada.
Ao contrário do que afirma Greenward, minha condenação do Islã não se aplica a “todos os membros de um grupo ou ao grupo em si baseada na má conduta de indivíduos específicos naquele grupo”. Minha condenação se aplica às doutrinas do Islã e às formas pelas quais elas inexoravelmente produzem essa má conduta. Infelizmente, no caso do Islã, a má conduta dos piores indivíduos – os jihadistas, os assassinos de apóstatas, e os homens que tratam suas esposas e filhas como escravas — são os melhores exemplos da doutrina em prática aqueles que aderem mais estritamente aos verdadeiros ensinamentos do Islã. Aqueles que expõem seus dogmas atemporais de maneira mais honesta, são precisamente as pessoas quem Greenwald e outros obscurantistas querem que nós acreditemos que sejam os que menos representam a fé.
Bem, esta é uma diferença de opinião muito fácil de resolver: É só estudar a doutrina do Islã – não somente a que existiu no século VII, mas a que existe hoje – e fazer algumas questões básicas. Qual, por exemplo, é a pena por apostasia? Interessantemente, não está lá no Alcorão – lá, aos apóstatas é meramente prometido que eles pertencem ao inferno – mas fica dolorosamente claro nos haddiths, e na opinião de juristas muçulmanos e turbas islâmicas em todo lugar. O ano é 2013, e a pena para apostasia é a morte. Ainda estou para encontrar apologistas da religião que, nem que seja por meios evasivos, possam mentir sobre esse fato com grande cara-de-pau (Talvez Greenwald queira ser o primeiro) Desnecessário dizer que recebo e-mails de ex-mulçulmanos que estão bem cientes do que significa ser um ex-muçulmano. Dependendo de onde vivem, essas pessoas correm um risco real de serem assassinadas, talvez mesmo por membros de suas próprias famílias, por terem perdido sua fé.
É realmente verdadeiro que os pecados que atribuo ao Islã são “cometidos ao menos na mesma medida por muitos outros grupos, especialmente pelo meu próprio?” Em primeiro lugar, tenho que dizer que muita confusão moral jaz subjacente nessa afirmação, de modo que tomaria o espaço de um ensaio muito longo para responder a todas as acusações implícitas nela. O que Greenwald de fato implica é a acusação ao governo norte-americano como (num sentido que não é somente absurdo) a pior organização terrorista na face da terra. Eu refutei essa ideia geral em muitos lugares, especialmente em meu primeiro livro, O fim da fé, e não repetirei os argumentos aqui. Direi, contudo, que ao se discutir honestamente a doutrina islâmica não existe a necessidade da pessoa não perceber tudo que possa estar errado com a política externa norte-americana, o capitalismo, os vestígios do império, ou qualquer outra coisa que esteja contribuindo com os nossos atuais conflitos no mundo islâmicos. Ou seja, mesmo se Noam Chomsky estiver certo sobre tudo, as doutrinas islâmicas relacionadas ao martírio, jihad, blasfêmia, apostasia, os direitos das mulheres e dos homossexuais, etc., ainda apresentariam grandes problemas para a ascensão de uma sociedade civil global (e esses são problemas bem diferentes daqueles apresentados por similares prerrogativas em outras fés, por razões já explicadas por mim com exaustão alhures e mencionadas apenas de passagem por aqui). E qualquer que possa ser minha orientação ideológica, e não importa o quão cego esteja pela “religião do gosto”, ou por qualquer outra forma de doutrinação cultural, nada disso tem qualquer relevância no que diz respeito aos Xiitas com suas mesquitas, casamentos e funerais bombardeados por extremistas Sunitas, ou no que diz respeito às vítimas de estupro que são espancadas, aprisionadas, ou mesmo executadas como “adúlteras” em todo o mundo islâmico. Espero que seja desnecessário dizer que as garotas afegãs que estão agora mesmo arriscando suas vidas por simplesmente estarem aprendendo a ler, não sejam recompensadas por seus esforços com cópias do livro de Chomsky enumerando os pecados do Ocidente.
O conflito Ocidental com o mundo muçulmano surgiu e desligou-se, por séculos. Thomas Jefferson lutou pela paz com os Piratas Bárbaros [fonte adicionada pelo editor da UR] que haviam escravizados algo em torno de 1,5 milhões de europeus e americanos entre os séculos 16 e 18. Como Christopher Hitchens, uma vez apontou, a justificativa explícita para essa pirataria foi a doutrina do Islã. Na verdade, essa colisão com o Islã ajudou a garantir a ratificação da Constituição dos Estados Unidos, pois argumentou-se que apenas uma federação de estados com uma marinha forte poderia ficar contra uma ameaça persistente. Consequentemente, pode-se argumentar que a guerra americana contra o terror começou formalmente em 1801 com o Barbary Wars travada pelas administrações Jefferson e Madison. Esta é uma das muitas maneiras de ver que os nossos problemas no mundo muçulmano não são puramente uma questão de nosso desejo de petróleo, o nosso apoio a ditadores, ou qualquer aspecto da política externa dos EUA. Como o muito criticado Samuel Huntington disse uma vez: “O Islã tem fronteiras sangrentas.” Sempre teve. Mas muitas pessoas parecem determinados a negar isso.
Todavia, vamos dar uma olhada mais acurada e relevante no conceito de “Islamofobia” de acordo com Greenwald, e ficar mais focados na questão religiosa: É verdadeiro que as afrontas religiosamente inspiradas à razão e à civilidade entre muçulmanos (novamente, discerníveis como um grupo somente baseando-nos em suas crenças religiosas e as práticas resultantes dessas crenças), as quais eu critico, são “cometidas ao menos na mesma medida por muitos outros grupos”?
Vamos fazer uma viagem ao mundo real. Considere o seguinte: qualquer um com o desejo de desenhar uma história em quadrinhos, escrever um romance, ou encenar uma peça na Broadway que denigra o Mormonismo é livre para fazê-lo. Essa liberdade, nos Estados Unidos, é ostensivamente garantida pela Primeira Emenda – mas isso não é de fato, o que garante essa liberdade. A liberdade em tirar sarro do Mormonismo é garantida pelo fato de que os mórmons não enviam assassino para silenciar seus críticos ou invocam hordas assassinas em resposta às sátiras. Conforme já apontei antes, quando O livro de Mórmon se tornou o mais celebrado musical do ano, a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias protestou colocando publicidade em nome da fé na Playbill. Um esforço inútil, talvez: mas esse foi um genuinamente encantador sinal de bom humor, dadas as alternativas. Quais são as alternativas? Algum leitor desta página pode imaginar a encenação de uma peça similar sobre o Islã nos Estados Unidos, ou em qualquer outro lugar, no ano de 2013? Não, não consegue – a menos que você possa imaginar os criadores dessa peça sendo perseguidos pelo resto de suas vidas por maníacos religiosos. Sim, há gente louca em toda fé – e tenho notícia deles frequentemente. Mas o que é verdadeiro para o Mormonismo é verdadeiro para qualquer outra fé, com uma única exceção. Neste momento da história, há apenas uma única religião que sistematicamente esgana a livre expressão com ameaças críveis de violência. A verdade é que nós já perdemos os direitos provenientes da Primeira Emenda no que diz respeito ao Islã – e por rotularem qualquer destaque para esse fato como um sintoma de islamofobia, apologistas islâmicos como Greenwald são amplamente culpados.
É deprimente citar a si mesmo, mas é ainda mais deprimente brigar para encontrar modos de dizer aquilo que não deveria ser necessário dizer em primeiro lugar
Seguem minhas considerações, feitas logo depois dos incidentes envolvendo “A inocência dos muçulmanos”, num artigo entitulado “Sobre a liberdade de ofender um Deus imaginário”:
“Considere o que de fato está acontecendo: Uma porcentagem dos muçulmanos do mundo – 5%? 15%? 50%? Ainda não está claro – estão exigindo que todos os não muçulmanos se adequem às escrituras da lei islâmica. E onde eles não imediatamente apelam para a violência, eles ameaçam. Carregar um sinal que diz “Decapitem aqueles que insultam o profeta” pode ainda contar como um exemplo de protesto pacífico, mas ainda é uma garantia de que sangue infiel seria derramado se o imbecil que segura a placa tivesse mais poder. Essa promessa grotesca é, com certeza, cumprida em quase toda sociedade islâmica. Fazer um filme como Inocência dos muçulmanos no Oriente Médio seria um método de suicídio tão certo quanto o permitem as leis da física.
O que exatamente estava no filme? Quem o fez? Quais foram seus motivos? Maomé foi realmente representado? Aquilo foi uma queima de Alcorão, ou de algum outro livro? Questões como essas são obscenas. Aqui é onde deve haver uma delimitação, defendida sem apologia: Somos livres para queimar o Alcorão ou qualquer outro livro, e para criticar Maomé ou qualquer outro ser humano. Que ninguém esqueça disso.
Em momentos como este, nós inevitavelmente ouvimos – de pessoas que não sabem o que é acreditar em paraíso – que a religião é apenas um meio de canalizar insatisfação popular. A verdadeira fonte do problema pode ser encontrada na história da agressão ocidental na região. São nossas políticas, mais do que nossas liberdades, que eles odeiam. Acredito que o futuro do liberalismo – e muito mais – depende da superação dessa arruinante autoenganação. Religião só funciona como pretexto para violência política porque milhões de pessoas realmente acreditam naquilo que elas dizem acreditar: que crimes imaginários como blasfêmia e apostasia são ofensas mortais.”
Mantenho minha posição sobre isso e tudo o mais o que disse ou escrevi sobre o Islã. E insisto, todos que consideram minhas posições como sintoma de um medo irracional ou é ignorante, ou desonesto, ou insano. (Recentemente sugeri a Greenwald no Twitter que resolvêssemos nossa disputa organizando competições de charges. Ele usaria seu blog doThe guardian solicitando charges sobre o Islã, e eu usaria meu site para lançar um concurso similar sobre qualquer outra fé do mundo. Como esperado, o sujeito imediatamente começou a tagarelar non-sequiturs).
Por muitos anos, sempre que desenhei uma linha separando o Islã da violência – especialmente a tática dos ataques suicidas – meus críticos entusiasticamente me sugeriram que consultasse a obra de Robert A. Pape. Pape é o autor de um artigo muito influente “The Strategic Logic of Suicide Terrorism,” (em português, “A lógica estratégica do terrorismo suicida”) (American Political Science Review 97, no. 3, 2003), e um livro subsequente, Dying to Win: The Strategic Logic of Suicide Terrorism (Em português, “Morrendo para vencer: a lógica estratégica do terrorismo suicida”), no qual ele argumenta que o terrorismo suicida é melhor compreendido como um meio estratégico de alcançar certo objetivos nacionalistas bem definidos, e não deveria ser considerado uma consequência de ideologia religiosa. Em março de 2012, Pape concordou em debater essas questões em meu blog. Eu anunciei o nosso debate publicamente e mandei a ele o meu primeiro lance por e-mail. Então ele desapareceu. Não tenho ideia do que possa ter acontecido.
Eu teria deixado claro para Pape que eu nunca defendi (e nunca defenderei) a ideai de que todos os conflitos são atribuíveis à religião, ou que todos os ataques suicidas são produtos do Islã. Estou bem ciente, por exemplo, que os Tigres da Libertação era declaradamente seculares. Mesmo nesse caso, contudo, parece decente lembrar que eles aprenderam suas táticas de ataques suicidas com o Hezbollah, e eventualmente desenvolveram seu próprio quase religioso culto de veneração. Ninguém pode realmente defender que eles eram um grupo de atuantes classicamente racionais. E mesmo aqui, o mais secular dos casos, sempre usado para isentar o Islã, encontramos o papel divisor da religião – pois parece irracional acreditar que a Guerra Civil tivesse sido deflagrada no Sri Lanka, fossem os tamils – nominalmente hindus – budistas cingaleses, como o governo contra o qual eles estavam lutando. Ainda assim, nada muda esta posição, pois admito que nem todo terrorismo necessita ser religiosamente inspirado.
A cegueira geral de acadêmicos seculares diante das raízes religiosas da violência islâmica é facilmente explicada. Como disse meu amigo Jerry Coynce certa vez, quando confrontado com o um motivo translucidamente religioso (por exemplo, “Vou me explodir para alcançar o paraíso”), intelectuais seculares se recusam a considerar o óbvio; eles sempre buscam razões mais profundas – econômicas, políticas, ou pessoais – por trás dela. Entretanto, quando motivos econômicos, políticos ou pessoas são dados (por exemplo, “Eu fiz porque ele roubou as terras da minha família, e me senti totalmente desamparado”), esses pesquisadores sempre levam tudo ao pé da letra. Eles nunca investigam motivos religiosos por trás de preocupações aparentemente terrenas. As regras do jogo são essas. É assim que um antropólogo como Scott Atran consegue entrevistar dúzias de jihadistas – cada qual falando sem parar sobre Deus e o paraíso – e concluir que a doutrina do Islã nada tem a ver com terrorismo.
Descrever os principais objetivos de grupos como a Al Qaeda como “nacionalistas”, como o faz Pape, é simplesmente irracional. O objetivo da Al Qaeda é estabelecer um califado global. E mesmo naqueles casos quando jihadistas como Osama Bin Laden parecem vocalizar preocupações sobre o destino de uma nação, seus protestos contra “a ocupação” eram primariamente teológicos. Osama Bin Laden se opunha à presença de infiéis nas proximidades de locais santos na península arábica. E nós não “ocupamos” a Arábia Saudita, de qualquer forma. Estávamos lá com a permissão do regime saudita – um regime que Bin Laden considerava insuficientemente islâmico. Dizer que os membros da Al Qaeda perpetraram atrocidades terroristas contra interesses norte-americanos e muçulmanos inocentes por conta de uma orientação “nacionalista” é simplesmente brincar com as palavras.
O foco estreito de Pape acerca do terrorismo suicida também o permite ignorar todos os outros barbarismos no mundo islâmico que tem sua origem na religião. A fatwa contra Salman Rushdie foi o resultado de ocupação estrangeira? A controvérsia da charge dinamarquesa? O clamor por sangue devido a um ursinho de pelúcia mal nomeado? O movimento para que bloggers ateus em Bangladesh sejam enforcados? Que tal os assassinatos internos de apóstatas no Paquistão (levados a cabo frequentemente por terroristas suicidas)? O constante abuso de mulheres? Esses problemas são resultados de ocupação ocidental também? Como os perpetradores desses crimes explicam seu próprio comportamento? É sempre por referência a sua mais sagrada preocupação: Islã.
Muitos povos foram conquistados por forças estrangeiras ou destratados de outra forma e não se demonstram propensos para o tipo de violência que é lugar comum entre muçulmanos. Onde estão os terroristas suicidas entre os budistas tibetanos? Os tibetanos sofreram uma ocupação em todos os aspectos tão opressiva quanto qualquer uma já imposta a uma país islâmico. Como resultado, ao menos 1 milhão de tibetanos morreram, e sua cultura tem sido sistematicamente erradicada. Mesmo sua linguagem tem sido tomada deles. Recentemente, eles começaram a praticar autoimolação como protesto. A diferença entre autoimolação e se explodir em meio a uma multidão de crianças, ou na entrada de um hospital, é impossível de ser exagerada, e revela uma grande diferença na atitude moral entre o Budismo Vajrayana e o Islã. Isso não quer dizer que terroristas suicidas entre budistas tibetanos não possam existir. Tibetanos, de modo geral, não são pacifistas – nem são a maioria dos budistas em qualquer outro lugar. Na verdade, durante a 2ª Guerra Mundial, os Kamikazes japoneses foram influenciados pela doutrina do Zen Budismo. Mas há importantes diferenças entre Zen e Vajrayana que me parecem relevantes aqui. Vajrayana enfatiza compaixão num modo que o Zen não o faz, e o Zen geralmente defende uma visão ética mais marcial e mais paradoxal.
Meu argumento, claro, é que as crenças fazem diferença. E não é por acaso que tantos muçulmanos acreditam que jihad e martírio são o mais alto chamado na vida humana, enquanto muitos tibetanos acreditam o mais alto chamado da vida é a compaixão e a autotranscendência. Isto é o que o Islã e o Budismo Vajrayana, respectivamente ensinam.
Estou dizendo que o Islã é a pior religião do mundo? Não. Novamente, é necessário ficar atento a específicas consequências de específicas ideias. Não há, por exemplo, razão para criticar o Islã quando criticamos a oposição religiosa à pesquisa com células-tronco embrionárias, porque a doutrina a permite. Obviamente, isso não vem da parte de algum tipo de intuição ética ou biológica por parte de Maomé. É simplesmente por acaso que ao menos um haddith sugere que a alma humana entra no embrião muitas semanas após a concepção (ou no dia 40, ou no dia 80, ou no dia 120, dependendo da interpretação). Seria risível e injusto equalizar o Islã com o Cristianismo quando ao discutir o impedimento religioso a essa forma de pesquisa.
Finalmente, como eu regularmente enfatizo ao discutir o Islã, ninguém está sofrendo sob sua doutrina mais do que os próprios muçulmanos: muçulmanos jihadistas matam primariamente outros muçulmanos. E as leis contra apostasia, blasfêmia, idolatria, e outras formas de expressão pacífica diminuem as liberdades de muçulmanos muito mais do que as de não-muçulmanos que vivem no Ocidente. Liberais como Greenwald, com tanta ânsia por agitar a bandeira da islamofobia, demonstram uma insensibilidade doentia quanto aos problemas enfrentados por mulheres, homossexuais, e livre-pensadores através do mundo islâmico. Neste momento, milhões de mulheres e garotas foram abandonadas ao analfabetismo, casamento compulsório, e à vida de escravidão e abuso sob a guisa do “multiculturalismo” e da “sensibilidade religiosa”. E as mentes muçulmanas mais liberal estão sendo forçadas a se esconderem. A melhor maneira de lidar com o problema não é de forma alguma óbvia. Mas mentir sobre sua causa, e difamar aqueles que falam honestamente em defesa de uma sociedade civil global, parece um suspeito caminho para a solução.
Para uma discussão mais aprofundada sobre a mentida da “islamofobia”, ver o meu intercâmbio com Ayaan Hirsi Ali: Levantando o Véu de “islamofobia”.