Por Peter Dockrill
Publicado na ScienceAlert
Cerca de 5.300 anos atrás, uma antiga civilização emergiu no leste da China, construindo uma cidade brilhante como talvez nunca tivesse sido vista antes em toda a Ásia – nem possivelmente em nenhum lugar do mundo.
Os vestígios remanescentes da cultura Liangzhu, que surgiu ao longo das margens do Delta do Rio Yangtzé, no leste da China, são um testemunho do que esta sociedade neolítica única foi capaz de realizar nos tempos finais da Idade da Pedra.
As ruínas arqueológicas da cidade de Liangzhu demonstram inúmeros sinais de avanços sociais, culturais e tecnológicos para o período, especialmente na agricultura e aquicultura.
Enquanto isso, sofisticados recursos arquitetônicos – incluindo uma engenharia hidráulica genial que possibilitou canais, represas e reservatórios de água – levaram a alusões de que Liangzhu era uma “Veneza do Oriente” neolítica.
Nenhuma dessas maravilhas duraria, no entanto.
Depois de um único milênio inovador, a cultura Liangzhu entrou em colapso misterioso há cerca de 4.300 anos, e a antiga cidade foi abandonada abruptamente.
Exatamente o por quê disso nunca foi totalmente compreendido, embora muitos tenham sugerido que alguma forma de inundação catastrófica levou ao declínio repentino.
“Uma fina camada de argila foi encontrada nas ruínas preservadas, o que aponta para uma possível conexão entre o fim da civilização avançada e as enchentes do rio Yangtzé ou as enchentes do Mar da China Oriental”, explicou o geólogo Christoph Spötl da Universidade de Innsbruque na Austria. “No entanto, nenhuma conclusão clara sobre a causa foi possível a partir da própria camada de lama”.
Agora, temos uma imagem mais clara do dilúvio que afogou este lugar surpreendente.
Em um novo estudo, Spötl e uma equipe internacional de pesquisadores foram muito mais fundo do que os antigos depósitos de lama, examinando formações minerais (ou espeleotemas) como estalagmites de duas cavernas subaquáticas na região, que preservam assinaturas químicas das condições climáticas há muito tempo.
Liderada por Haiwei Zhang da Universidade Xi’an Jiaotong da China, sua análise das amostras de estalagmite mostra que o colapso da cidade de Liangzhu coincidiu com um período de precipitação extremamente alta que provavelmente durou por décadas há mais de 4.300 anos, provavelmente devido ao aumento da frequência de fenômenos do El Niño-Oscilação do Sul.
“Isso é incrivelmente preciso à luz da dimensão temporal”, disse Spötl. “As fortes chuvas de monções provavelmente levaram a inundações tão severas do Yangtzé e seus afluentes que mesmo as sofisticadas represas e canais não puderam mais suportar essas massas de água, destruindo a cidade de Liangzhu e forçando as pessoas a fugir”.
De acordo com os pesquisadores, casos anteriores de mudanças climáticas na região do Delta do Rio Yangtzé também podem ter impactado outras culturas neolíticas que habitavam a área antes da sociedade Liangzhu se erguer em um período de condições ambientais secas e relativamente estáveis.
Mas a história e o clima significavam que esta próspera cidade não duraria para sempre.
“Estudos arqueológicos mostram a presença de complexos hidráulicos de grande escala, como grandes represas de terra perto da cidade de Liangzhu, que foram construídas [entre 5.300 e 4.700 anos antes]”, escreveram os pesquisadores em seu estudo. “Isso sugere que a sociedade Liangzhu estava efetivamente gerenciando os recursos hídricos usando infraestrutura hidráulica para mitigação de enchentes e/ou irrigação para sobreviver em um clima seco”.
Com o tempo, porém, aquele clima seco parece ter ficado cada vez mais seco, culminando em uma possível ‘megasseca’ há cerca de 4.400 anos, momento em que a construção de barragens parece ter cessado, já que as barragens existentes teriam sido suficientes nas condições áridas.
E então vieram as chuvas, caindo em dois períodos de aumentos distintos entre aproximadamente 4.400–4.300 anos atrás.
“Nossos registros de espeleotema, junto com evidências geoquímicas de depósitos de inundação acima da camada de cultura Liangzhu, sugerem que chuvas massivas em todo o curso médio-baixo do vale do rio Yangtzé podem ter induzido inundações fluviais e/ou inundações marinhas nas margens transportadas pela pluma do rio Yangtzé e, portanto, impediu a habitação humana e cultivo de arroz”, explicaram os autores. “Enormes enchentes e inundações devido à má drenagem nas terras baixas podem ter forçado o povo Liangzhu a abandonar sua capital e moradias na planície de Taihu, levando ao colapso de toda a civilização Liangzhu”.
Por centenas de anos depois, as condições úmidas permaneceram, durante o qual outras culturas antigas se ergueram temporariamente para suceder aos Liangzhu – pelo menos, até que outra megasseca provavelmente levou ao “fim definitivo” das sociedades humanas neolíticas na região.
Mais ou menos na mesma época, a sociedade chinesa estava prestes a iniciar um novo capítulo transformacional, com a fundação da dinastia Xia em 2070 a.C., considerada a primeira dinastia da China, liderada por Yu, o Grande.
“Embora muitos documentos indiquem que o líder Yu construiu a Dinastia Xia porque administrou com sucesso as inundações do rio, alguns estudos sugerem que o controle das inundações de Yu pode ser atribuído às mudanças climáticas”, explicaram os pesquisadores, observando que seus próprios dados de espeleotema também comprovam a ideia. “Esta observação fornece novas evidências robustas de que a ascensão da Dinastia Xia ocorreu no contexto de uma grande transição climática de úmido para seco, de acordo com os registros históricos chineses e estudos anteriores”.
As descobertas foram publicadas na Science Advances.