Por Edzard Ernst
Publicado no The Guardian
A homeopatia esteve comigo a vida toda. Quando criança fui tratado por homeopatas. Meu primeiro cargo como médico foi em um hospital homeopático, mais tarde pesquisei sobre a homeopatia e publiquei mais de 100 artigos sobre o assunto e, finalmente, resumi toda a experiência em um livro autobiográfico intitulado Um Cientista no País das Maravilhas.
Em 1993, quando me tornei professor de medicina complementar em Exeter, fiquei mais do que feliz em dar à homeopatia o benefício da dúvida. Eu adoraria mostrar que ela é eficaz além do placebo, até porque qualquer pessoa que faça isso mereceria quase automaticamente um prêmio Nobel. Ele ou ela teria que mostrar que um pedaço considerável de nossa compreensão das leis da natureza está simplesmente errado. A homeopatia é baseada na crença de que “semelhante cura semelhante” e que a diluição de um medicamento – os homeopatas chamam o processo de “potenciação” – o torna não mais fraco, mas mais forte. Como essas duas suposições se opõem à ciência, os pensadores críticos sempre insistiram que poucas coisas poderiam ser mais implausíveis do que a homeopatia.
Porém, plausibilidade não é tudo. Em Exeter, realizamos ensaios, pesquisas e análises da homeopatia com a fraca esperança de que poderíamos descobrir algo importante. O que descobrimos foi preocupante:
- Nossos ensaios falharam em mostrar que a homeopatia é mais eficaz do que um placebo.
- Nossas análises demonstraram que o mais confiável dos mais de 230 estudos publicados de homeopatia também não apresenta resultado positivo.
- Estudos com animais confirmaram os resultados obtidos em humanos.
- Pesquisas e relatos de casos sugeriram que a homeopatia pode ser perigosa.
- As alegações feitas pelos homeopatas para curar doenças como câncer, asma ou até Ebola eram falsas.
- A promoção da homeopatia não é ética.
Em 2015, o Conselho Nacional de Saúde e Pesquisa Médica, altamente respeitado internacionalmente, conduziu a que certamente é a avaliação mais completa e independente da homeopatia em seus 200 anos de história. Seu relatório preliminar já havia confirmado que a homeopatia nada mais é do que um “tratamento” com placebos. Previsivelmente, isso causou uma tempestade por parte da oposição de entusiastas da homeopatia – e eles foram convidados a enviar suas evidências para provar o contrário. Os australianos consideraram cuidadosamente essas evidências e a publicaram seu relatório final. O conselho chegou a mesma conclusão que o documento anterior. De qualquer forma, foi um passo além ao apontar que “as pessoas que escolhem a homeopatia podem colocar sua saúde em risco se rejeitarem ou adiarem tratamentos para os quais existem boas evidências de segurança e eficácia”. Pessoalmente, daria mais um passo adiante e lembraria aos farmacêuticos que vendem remédios homeopáticos para o público inocente que não é ético fingir que são mais do que placebos.
Em 2010, um comitê selecionado da Câmara dos Comuns do Reino Unido avaliou as evidências a favor e contra a homeopatia. O comitê concluiu que a homeopatia não era mais eficaz do que um placebo e que o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido (NHS) deveria parar de financiá-la. Posteriormente, o governo analisou o relatório e concordou essencialmente com o veredito, mas, no entanto, sentiu que, se os pacientes querem homeopatia, devem tê-la no NHS. Esse desrespeito flagrante pelos princípios da medicina baseada em evidências enfurece os cientistas, perpetua um debate desnecessário e desperdiça quantidades consideráveis de dinheiro dos contribuintes.
Sem se importar com as evidências, o público continua seu longo e intenso caso amoroso com a homeopatia. Em todo mundo, os consumidores utilizam homeopatia e estão cada vez mais convencidos de que ela funciona. Poucos se questionam se foi o remédio homeopático ou outra coisa, por exemplo, o efeito placebo, que fez o truque. Os homeopatas continuam alegando que sua abordagem se baseia em evidências sólidas. Eles até citam estudos e revisões que parecem provar seu argumento. Poucos de nós se perguntam se a evidência deles é escolhida a dedo e, portanto, não é confiável. Em outras palavras, a discussão sobre o valor ou não da homeopatia é interminável, frequentemente intensa e incrivelmente improdutiva.
Porém, após 200 anos de discussão infrutífera, finalmente temos, na avaliação australiana, uma análise abrangente, transparente e baseada em evidências de um painel de especialistas competentes e livres de conflitos de interesses, bem como de um governo determinado a respeitar os conselhos assim gerados. Vamos torcer para que outros sigam o exemplo.