Quando um resultado científico falha ao testar a “naturalidade”, isso pode significar o surgimento de uma nova física.
Suponha que uma equipe de auditores é encarregada de entender uma conta bancária particular de um bilionário. A cada mês, milhões de dólares saem e entram na conta. Se os auditores olhassem a conta em dias aleatórios, eles veriam quantidades diferentes de dinheiro. No entanto, no último dia de cada mês, o saldo é exatamente zero dólares.
É difícil imaginar que este saldo zero é um acidente; parece que algo está fazendo com que a conta siga este padrão. Na física, os teóricos consideram cancelamentos improváveis como este um sinal de princípios desconhecidos que regem as interações de partículas e forças. Este conceito é chamado de “naturalidade”, uma ideia de que teorias devem fazer as coincidências aparentes perecerem razoáveis.
No caso do bilionário, o que surpreende é que, em um cronograma definido, o fluxo de caixa atinge um equilíbrio perfeito. Mas alguém deveria esperar que fosse algo mais errático. Os altos e baixos do mercado de ações deveriam causar variações mensais nos dividendos do magnata. Uma iniciativa empresarial bem sucedida pode levar a uma boa aquisição. E um investimento ocasional num Lamborghini pode causar uma retirada maior do que o habitual.
Este saldo fiscal anômalo de sempre chegar a zero no fim do mês clama por uma explicação. Uma explicação que faria com que esse fluxo e refluxo de fundos fizesse sentido seria se essa conta trabalhasse como um fundo de caridade. A cada mês, no primeiro dia do mês, uma quantidade específica seria depositada. Ao longo do mês, uma série de cheques seriam descontados para várias instituições de caridade, com a saída cuidadosamente planejada para coincidir com a quantia do deposito inicial. Deste modo, seria fácil explicar o recorrente saldo zero mensal. Em essência, o “princípio de conta de caridade” faz com que o que parecia anômalo agora pareça ser, de fato, natural.
Na física, vemos um fenômeno parecido quando prevemos a massa do bóson de Higgs. Enquanto o bóson de Higgs obtém sua massa da mesma forma que todas as outras partículas fundamentais (através da interação com o campo de Higgs), sua massa também é afetada por outro processo, como no caso em que o bóson de Higgs temporariamente flutua num par de partículas virtuais, dois bósons ou dois férmions, e depois retorna ao seu estado normal. Estas flutuações afetam a massa do bóson de Higgs, e o tamanho deste efeito pode ser calculado usando o Modelo Padrão, que prevê, entre outras coisas, o comportamento do bóson de Higgs.
Para calcular o quanto essas flutuações quânticas afetam a massa, cientistas multiplicam dois termos. O primeiro envolve a energia máxima aplicada pelo Modelo Padrão (um número enorme). O segundo é a soma do efeito das flutuações para bósons virtuais diferentes menos a soma do efeito das flutuações para férmions virtuais diferentes. Se a massa do Higgs é pequena, como as medições recentes do LHC sugerem, o produto destes dois números também deve ser pequeno. Isso significa que o resultado da soma relacionada aos bósons deve ser praticamente idêntico ao resultado da soma relacionada aos férmions, um cenário improvável que acaba por ser verdade. Este quase cancelamento acontecer “apenas por acidente” é tão absurdamente improvável que isso é inimaginável. Uma coincidência como esta simplesmente não é natural.
Sem algum princípio físico subjacente (atualmente desconhecido) que torne óbvio o porque isso ocorre, é bastante estranho a massa do bóson de Higgs ser tão baixa. É por isso que descobrir o bóson de Higgs não é o fim da história. Teóricos vem trazendo várias explicações diferentes para essa massa pequena, e agora cabe aos físicos experimentais testarem tais explicações.
Fonte: Don Lincoln (Fermilab)