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A natureza da consciência: uma questão sem resposta?

Por Marcelo Gleiser
Publicado na National Public Radio

Hoje eu gostaria de voltar a um assunto que deixa a maioria das pessoas perplexa, incluindo eu: a natureza da consciência e como ela “emerge” em nossos cérebros. Eu escrevi sobre isso alguns meses atrás, prometendo voltar a tocar no assunto. Neste momento, nenhum cientista ou filósofo no mundo sabe como responder a essa questão. Se você acha que sabe a resposta, você provavelmente não entende a questão:

Será que você é apenas constituído de matéria?

Ou, vamos pontuar de uma maneira diferente, um pouco menos controversa e mais plausível para uma discussão científica: como o cérebro, uma rede com cerca de 90 bilhões de neurônios, cria a experiência subjetiva que você tem sobre ser você?

O filósofo australiano David Chalmers, agora na Universidade de Nova York, apelidou essa questão de “O Problema Difícil da Consciência“. Ele fez isso para diferenciar de outros problemas, os quais ele considera os mais “fáceis”, ou seja, aqueles que podem ser resolvidos através da aplicação diligente de pesquisa e metodologia científica, assim como já foi feito nas neurociências cognitivas e na neurociência computacional. Mesmo que esses problemas mais “fáceis” levem um século para serem resolvidos, a dificuldade deles não chega perto da encontrada no problema “difícil”, que, algumas pessoas especulam, pode ser insolúvel.

Observe que, mesmo que o problema difícil possa não ser resolvido, a maioria dos filósofos e cientistas ainda se apegam a hipótese de que a matéria está presente por todos os cantos e que “você” existe como uma construção neuronal junto ao seu cérebro (e corpo, já que os dois são ligados de várias maneiras, ainda não totalmente compreendidas).

Estes são alguns dos problemas que Chalmers chama de fáceis:

  • A habilidade de discriminar e reagir a estímulos externos
  • A integração da informação sensorial
  • A diferença entre um estado de vigília e sono
  • O controle intencional do comportamento

Essas questões estão localizadas no geral, passíveis de uma descrição reducionista de como partes específicas do cérebro operam como circuitos eletroquímicos através de diversas conexões neurais.

Recentemente, Henry Markram, da Escola Politécnica Federal de Lausanne, Suíça, recebeu uma bolsa de 1 bilhão de euros para comandar o Projeto Cérebro Humano, um consórcio de mais de uma dezena de instituições europeias que pretende criar uma simulação completa do cérebro humano. Para isso, eles vão precisar de um supercomputador capaz de executar mais de 1 bilhão de operações por segundo (exaflops, onde “exa” significa 10^18), cerca de 50 vezes mais rápido do que as máquinas mais sofisticadas de hoje em dia. Os otimistas acreditam que tamanha capacidade de processamento é possível, possivelmente antes do fim desta década.

É claro que, o projeto de Markram, ou sua intenção de recriar um cérebro humano em sua totalidade em um computador, bate de frente com a noção do problema difícil.

Markram e os “computacionalistas” acreditam que se a simulação for completa e detalhada o suficiente, incluindo tudo, desde o fluxo de neurotransmissores através de cada sinapse individual até a incrível e complexa rede de trilhões de conexões intersinápticas através do tecido cerebral, isso vai operar tal qual um cérebro humano faz, incluindo uma consciência de todas as formas tão incrível quanto a nossa. Para eles, o problema difícil não existe: tudo pode ser obtido ao se juntar neurônio sobre neurônio em modelos de chips de computadores, assim como tijolos compõem uma casa, além de todos os outros detalhes de construção, como encanamento, fiação etc.

Embora possamos concordar que o projeto de Markram é de uma enorme importância científica, eu mal consigo enxergar como que uma simulação de computador pode criar algo como a consciência humana. Talvez outro tipo de consciência, mas não a nossa.

Outro filósofo da Universidade de Nova York (que deve ser um departamento incrível para se trabalhar), Thomas Nagel, alegou que nós somos incapazes de entender como é ser um outro animal, com toda sua experiência subjetiva. Ele usou morcegos como exemplo, provavelmente porque eles constroem seu senso de realidade através da ecolocalização e sejam tão diferentes de nós. Usando ideias do linguista da MIT, Noam Chomsky, que disse que todo cérebro possui limitações cognitivas resultantes de sua concepção e de suas limitações evolucionárias (por exemplo, um rato nunca irá falar), Nagel mostrou que nós nunca vamos entender realmente como é ser um morcego.

Essa é uma maneira diferente de pensar sobre o problema de Chalmers, que o filósofo Colin McGinn chama de “encerramento cognitivo”. (McGinn acabou de deixar a Universidade de Miami após muita controvérsia. Quem sabe ele também não vai se juntar ao departamento de filosofia da Universidade de Nova York?)

Voltando às ideias de McGinn, ele e outros “misteriosos” defendem a ideia de que nossos cérebros por si só podem fazer tantas coisas, porém uma das que não pode é compreender a natureza da consciência. É claro que não há provas desta limitação, já que esse é um argumento filosófico (o que os físicos chama carinhosamente de “teorema no-go”), mas McGinn cria um caso convincente, argumentando que a dificuldade vem do fato da consciência estar ao mesmo tempo em nenhum lugar e por todo o cérebro, portanto, não passível à análise reducionista metódica que costumamos fazer com questões científicas.

Sendo esse o caso, fica muito difícil enxergar como a qualidade subjetiva da mente experimental vai surgir do modelo neuronal em chips de silicone: capturar pensamentos não é a mesma coisa que capturar sobre do que se trata o pensamento.

McGinn deixa a porta aberta para inteligências mais avançadas, com cérebros projetados de maneiras mais capacitadas do que os nossos. É claro que, ao menos que você seja Ray Kurzweil e esteja convencido que é apenas uma questão de tempo até que as máquinas sejam capazes de não apenas simular uma mente, mas nos deixar, nós não podemos prever de forma confiável se essas maravilhas tecnológicas se tornarão realidade. Mas mesmo que uma inteligência (máquina?) mais avançada um dia descubra do que se trata a consciência, parece que no momento nós teremos que seguir vivendo com o mistério do não conhecimento.

Marcelo Gleiser

Marcelo Gleiser

Appleton Professor of Natural Philosophy at Dartmouth College, USA. Professor of Physics and Astronomy at Dartmouth College, USA. Writer, blogger, public lecturer.