Traduzido por Julio Batista
Original de Paul Pettitt para a The Conversation
Imagine que você tem um interesse doentio na vida de seus vizinhos. Incapaz de perguntar diretamente a eles, você vasculha suas lixeiras. Você encontra ossos de galinhas cozidas e tenta descobrir o que mais elas comem.
Isso é um pouco parecido com o modo como os arqueólogos estudam as dietas de humanos extintos, como os neandertais e os primeiros Homo sapiens. Isso é mais do que satisfazer a curiosidade. Compreender as dietas de nossos ancestrais pode revelar evidências críticas sobre seu sucesso ou fracasso evolutivo.
Um estudo recente que analisou o zinco do dente de um neandertal da Espanha revela que eles eram principalmente carnívoros, onde quer que tenham vivido. Essa descoberta ajuda a explicar por que eles foram extintos.
Os neandertais dominaram a Europa e a Ásia ocidental durante os últimos 200.000 anos da Idade do Gelo, enquanto o Homo sapiens estava se desenvolvendo na África. Seus restos e ferramentas de pedra características são abundantes em toda a Europa e no Oriente Próximo, e em menor número até o leste do Tadjiquistão (que faz fronteira com a China).
Os neandertais viviam no coração das estepes da Eurásia (a maior pastagem do mundo, estendendo-se da Hungria à China), uma área não rica em vegetais nutritivos. Mas pesquisas em seus acampamentos revelaram que eles comiam nozes, frutas, cogumelos, mariscos e outros alimentos que podem ser facilmente coletados.
Os neandertais eram uma espécie em constante movimento que precisava de uma dieta rica em calorias. Os restos dilacerados e com marcas de corte de cavalos, renas, bisões e mamutes que os neandertais deixaram em seus acampamentos revelam que eles caçavam os animais mais perigosos do mundo. Mas isso não nos diz se suas dietas variaram de grupo para grupo em sua enorme variedade.
Dieta de baixo teor de carboidratos
Nas últimas duas décadas, os avanços na biologia molecular aprofundaram a compreensão dos arqueólogos sobre as dietas humanas primitivas. As condições frias do norte da Europa, como França e Alemanha, ajudam a preservar o colágeno em fósseis de ossos. Com uma técnica chamada análise de isótopos estáveis, podemos recuperar pequenas quantidades de carbono e nitrogênio do colágeno nos primeiros ossos humanos e descobrir de onde veio a proteína que eles comiam. Isótopos são grupos de átomos pertencentes ao mesmo elemento, mas com massas diferentes. Estudos dos isótopos desses ossos mostraram que os neandertais do norte da Europa obtiveram 80 a 90% de sua proteína dos animais. Isso é equiparável aos lobos e hienas. Nas regiões áridas do sul da Europa não temos tanta sorte. O colágeno no osso fóssil se desintegra facilmente em climas mais quentes, levando consigo as pistas das dietas dos neandertais do sul.
Mas, no ano passado, os arqueólogos descobriram que vestígios de zinco nos ossos neandertais também preservam informações sobre a dieta da pessoa antiga a quem pertencem.
Estudos dos últimos anos sobre isótopos de zinco mostram que eles têm um enorme potencial para desvendar evidências sobre a evolução da vida, como o surgimento dos eucariontes, um grupo de organismos ao qual os humanos pertencem, e a complexidade das teias alimentares marinhas.
Especialistas em caça
O nível de zinco nos ossos dos carnívoros é menor do que o de suas presas. A diferença não é afetada pela idade, sexo ou decaimento ao longo do tempo. As proporções de zinco podem ser medidas a partir de amostras tão pequenas quanto 1 mg de osso. Mesmo essas pequenas quantidades permitem uma avaliação precisa do lugar de um animal na cadeia alimentar quando estava vivo.
A análise do estudo recente do zinco do esmalte dos dentes de um neandertal, que viveu e morreu há cerca de 150.000 anos nos Pirinéus espanhóis, fornece novas perspectivas sobre a dieta dos humanos antigos. Os isótopos de zinco foram analisados a partir de 43 dentes de 12 espécies de animais que viveram em uma pastagem ao redor da caverna Los Moros I na Catalunha, Espanha. Estes incluíam carnívoros como lobo, hiena e dhole (também conhecido como cão-selvagem-asiático), ursos-das-cavernas onívoros e herbívoros, incluindo íbex, veado-vermelho, cavalo e coelho. Os resultados deram vida a uma teia alimentar da estepe do Pleistoceno, um sistema de cadeias alimentares interligadas de plantas até os principais carnívoros. O zinco no dente do neandertal tinha de longe o menor valor de zinco na cadeia alimentar, revelando que eles eram carnívoros de alto nível.
As pilhas de ossos nos acampamentos neandertais mostram que eles caçavam grandes animais em grande número. Essas pilhas aparecem mesmo em áreas da paisagem onde os humanos estariam em desvantagem, como na beira dos cursos d’água. Imagine tentar lançar uma lança em um bisão ou cavalo adulto. Ambos pesam quase uma tonelada. O novo estudo de isótopos revela que a principal estratégia de sobrevivência dos neandertais era caçar quaisquer animais que pudessem ser encontrados onde quer que estivessem no mundo. Pequenos animais e vegetais provavelmente representavam pouco mais do que acompanhamentos. O plano de jogo deles era atirar primeiro e responder as perguntas depois.
Dietas mais abrangentes nos tornaram mais resilientes
Isótopos retirados de sítios arqueológicos em toda a Europa de restos dos grupos de Homo sapiens que herdaram a Eurásia do Pleistoceno dos Neandertais revelam que eles tinham uma gama alimentar mais abrangente. Plantas, pássaros e peixes eram os pratos principais para esses primeiros humanos. A Eurásia no Pleistoceno era marcada por um ecossistema de pastagem e estepe que dominou a Sibéria e desapareceu há 10.000 anos. Tinha um clima notavelmente instável e mudou de pastagens secas e tundras úmidas para florestas de coníferas, constantemente alterando a variedade e o número de grandes herbívoros que ali pastavam.
Portanto, uma dieta onívora teria tornado essas pessoas muito mais resistentes do que aquelas que dependiam da caça por si só. Não sabemos muito sobre o que aconteceu com os neandertais quando as populações de grandes animais entraram em colapso. Se as renas não aparecessem, o que eles poderiam fazer? Mas com o rápido progresso na ciência biomolecular, duvido que tenhamos que esperar muito para descobrir.