Traduzido por Julio Batista
Original de Felicity Nelson para o ScienceAlert
Quando um bebê nasceu com três pais biológicos em 2016, havia preocupações sobre a ética e a segurança do procedimento.
Durante o procedimento experimental, o DNA nuclear da mãe foi transplantado para um óvulo doador com seu próprio DNA nuclear removido. Os médicos então fertilizaram o óvulo doado com o DNA nuclear transplantado usando espermatozoides do marido.
Este procedimento tinha como objetivo evitar que a criança herdasse uma doença neurológica rara chamada síndrome de Leigh, que pode ser transmitida através das mitocôndrias maternas.
A preocupação era que os vestígios de mitocôndrias maternas extraídas durante a transferência do fuso se multiplicassem, gerando problemas de saúde para a criança.
A transferência do fuso mitótico envolve a extração do grupo de cromossomos em forma de fuso contendo o DNA nuclear da mãe de um óvulo.
No entanto, um estudo que analisou o efeito desse procedimento na genética de células individuais cinco dias após a fertilização descobriu que elas não são diferentes de um grupo de controle, sugerindo que o procedimento não afeta o desenvolvimento embrionário em seus estágios iniciais.
Os pesquisadores usaram um método de sequenciamento ômico triplo de células individuais para examinar o genoma, o metiloma do DNA e o transcriptoma de dezenas de células no estágio de desenvolvimento de blastocisto.
“Nossos resultados sugerem que a transferência do fuso parece geralmente segura para o desenvolvimento embrionário, com um atraso relativamente pequeno no processo de desmetilação do DNA no estágio de blastocisto”, relataram os autores.
“A terapia de substituição mitocondrial é um campo controverso”, disse o coautor do estudo Wei Shang, obstetra e ginecologista do Hospital Geral do PLA chinês em Pequim. “Com nossa pesquisa, esperamos fornecer uma base para o desenvolvimento da técnica.”
Dietrich Egli, biólogo de células-tronco da Universidade de Columbia (EUA), disse à Nature que o estudo foi “único e fabuloso” devido aos dados de alta qualidade.
“Este é o primeiro [estudo] que realizou uma comparação tão abrangente de embriões humanos que foram criados com transferência de fuso”, disse ele.
A primeira criança concebida usando mitocôndrias de doadores e o método de transferência do fuso em 2016 não teve problemas de saúde sete meses após o nascimento, mas os efeitos a longo prazo ainda não são conhecidos.
“As mitocôndrias maternas e o núcleo coexistem há muito tempo, então talvez o núcleo possa preferir células com mitocôndrias maternas”, disse Min Jiang, biólogo mitocondrial da Universidade Westlake em Hangzhou, na China.
“Até agora, os estudos mostram que a transferência do fuso funciona. Mas a saúde a longo prazo das crianças nascidas usando a terapia precisará ser investigada com ensaios clínicos”, disse ela.
Na terapia de 2016, menos de 5% do DNA mitocondrial materno contendo a variante patológica foi transferido. As técnicas atuais podem reduzir isso para 2%.
Os governos do Reino Unido e da Austrália legalizaram a doação mitocondrial para prevenir doenças genéticas hereditárias graves. Mas ainda é proibido nos EUA e sua legalidade é incerta na China.
A síndrome de Leigh é uma das poucas doenças causadas por variantes patológicas nas mitocôndrias maternas que afetam até 1 em 5.000 crianças.
Crianças com síndrome de Leigh geralmente não sobrevivem além dos dois ou três anos de idade. Elas perdem as habilidades mentais, de movimento e de deglutição, e experimentam dificuldades respiratórias, vômitos, diarréia e déficit de crescimento.
A maior parte do DNA em embriões humanos vem do núcleo dentro do óvulo e espermatozoides humanos. Mas as mitocôndrias, que são as usinas de força da célula, também contêm algum DNA. Existem até 25.000 genes no núcleo e apenas 37 genes nas mitocôndrias.
O espermatozoide contém algum DNA mitocondrial, mas é destruído no processo de fertilização e, portanto, apenas as mitocôndrias da mãe são deixadas para replicar.
Este artigo foi publicado na PLOS Biology.