Traduzido por Julio Batista
Original de Clare Watson para o ScienceAlert
Poucos de nós dão muita atenção ao conteúdo rodopiante e giratório da Terra até que algum movimento súbito, um terremoto ou uma erupção vulcânica, desperte nossos sentidos.
Os geocientistas, no entanto, estão um pouco mais informados sobre a dinâmica das entranhas da Terra e acabaram de descobrir que o sólido núcleo interno de ferro da Terra – que geralmente gira dentro de uma camada externa derretida quase sem atrito – parece ter desacelerado até parar.
Antes que alguém entre em pânico e procure uma cópia de um terrível filme de ficção científica de 20 anos prevendo tal evento na esperança de inspirar uma solução, não é o primeiro registro de tal evento. Não é nem o primeiro na história recente.
“Mostramos observações surpreendentes que indicam que o núcleo interno quase cessou sua rotação na última década e pode estar passando por um retrocesso em uma oscilação multidecadal, com outro ponto de virada no início dos anos 1970”, escreveram os geofísicos Yi Yang e Xiaodong Song da Universidade de Pequim em seu paper publicado.
Sabemos há apenas algumas décadas que o núcleo interno da Terra gira em relação ao manto acima dela, desde que foi confirmado em 1996 por Song e seu colega sismólogo Paul Richards, da Universidade da Colômbia. Antes de seu trabalho, a ideia de que o núcleo interno da Terra girava separadamente do resto do planeta era uma teoria não comprovada, prevista por um modelo não comprovado do campo magnético da Terra.
Desde então, os cientistas da Terra têm tentado descobrir – a uma distância de 5.100 quilômetros – quão rápido ou lento o núcleo interno gira.
A princípio, pensava-se que o núcleo interno fazia uma rotação completa a cada 400 anos, impulsionado pelo torque eletromagnético e equilibrado pela atração gravitacional. Mas outros cientistas logo teorizaram que ele gira muito mais devagar, levando 1.000 anos ou mais para girar completamente.
A velocidade dessa rotação, e se ela varia, ainda é debatida hoje. No entanto, o núcleo interno segue seu caminho de boas, inconsciente do caloroso debate acima.
Analisando novamente, Song voltou ao mesmo método que ele e Richards usaram para inferir que o núcleo interno gira. Em 1996, a dupla rastreou leituras de ondas sísmicas de terremotos repetidos chamados de parelhas que atravessaram o núcleo interno, do Atlântico Sul ao Alasca, entre 1967 e 1995.
Se o núcleo interno não tivesse se movido, as ondas de choque deveriam ter percorrido o mesmo caminho. Mas Song e Richards mostraram que as ondas sísmicas ficaram uma fração de segundo mais rápidas entre os anos 1960 e 1990.
Agora, no novo estudo com Yang, Song revisitou esses dados antigos, comparando-os com padrões mais recentes de ondas sísmicas quase idênticas que sugerem que o núcleo interno diminuiu até parar – e pode até estar se invertendo.
Eles descobriram que, desde cerca de 2009, as trajetórias que anteriormente mostravam variação temporal significativa exibiam pouca mudança à medida que as ondas sísmicas percorriam o núcleo e saíam do outro lado. Qualquer diferença de horário havia desaparecido.
“Esse padrão globalmente consistente sugere que a rotação do núcleo interno parou recentemente”, escreveram Yang e Song.
Parece também que esta recente paralisação do núcleo interno está associada a uma reversão de rotação, disseram Yang e Song, com a esfera de ferro sólido deslizando para o outro lado como parte de uma oscilação de sete décadas.
Com base em seus cálculos, um pequeno desequilíbrio nas forças eletromagnética e gravitacional seria suficiente para desacelerar e, em seguida, inverter a rotação do núcleo interno conforme observado.
Isso não é tudo. Os pesquisadores apontam que a inversão de sete décadas coincide com outras mudanças periódicas observáveis na superfície da Terra, na duração do dia e no campo magnético, ambas com periodicidade de seis a sete décadas. Padrões de décadas em observações climáticas, de temperatura média global e aumento do nível do mar, também parecem se alinhar estranhamente.
Para Yang e Song, essa oscilação frequente, lenta e quase imperceptível, que oscila para frente e para trás a cada 60 a 70 anos, parece indicar “um sistema de ressonância em diferentes camadas da Terra” – como se o planeta estivesse todo sussurrando e zunindo.
Como acredita-se que o núcleo interno da Terra esteja dinamicamente ligado às suas camadas externas, ligado ao núcleo externo por acoplamento eletromagnético e ligado ao manto por forças gravitacionais, o estudo também pode ajudar na compreensão de como os processos nas profundezas do nosso planeta afetam sua superfície – a fina crosta em que vivemos, assentada no topo de um turbilhão derretido interior.
“Essas observações fornecem evidências de interações dinâmicas entre as camadas da Terra, desde o interior mais profundo até a superfície”, concluíram Yang e Song.
O estudo foi publicado na Nature Geoscience.