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O acúmulo de vacinas por nações ricas pode fazer a pandemia se arrastar por mais 7 anos

Por Carly Cassella
Publicado na ScienceAlert

Todos nós queremos desesperadamente que esta pandemia global acabe, mas isso não acontecerá por mais alguns anos se as nações mais ricas não compartilharem suas vacinas com o resto do mundo, argumentam especialistas em saúde.

Em meados de fevereiro de 2021, 191 milhões de vacinas foram administradas, e mais de três quartos delas foram recebidas em apenas 10 países, de acordo com as Nações Unidas.

Em contraste, na mesma época, cerca de 130 nações, que juntas incluem 2,5 bilhões de pessoas, não receberam nenhuma dose. Nem uma só.

O especialista em saúde pública Gavin Yamey é o último a se juntar a um coro de outras vozes preocupadas que pedem às nações ricas que parem de ‘acumular’ vacinas contra a COVID-19.

Em um comentário recente da Nature, o professor da Universidade Duke (EUA) usa a teoria dos jogos para explicar por que o “nacionalismo da vacina” é, em última análise, egoísta e autodestrutivo.

Se os mais ricos do mundo continuarem a acumular vacinas, argumenta ele, a pandemia global pode se arrastar por mais sete anos.

“Há um mantra na saúde global de que um surto em qualquer lugar pode levar a um surto em todos os lugares, e é por isso que é do nosso interesse coletivamente, como comunidade internacional, começar a compartilhar as doses e garantir que expandamos o fornecimento global de vacinas”, disse Yamey em uma coletiva de imprensa sobre seu comentário na Nature.

Poucos dias após a publicação do comentário, foi revelado que a Itália está bloqueando os embarques da vacina da AstraZeneca para a Austrália devido a frustrações contínuas com a escassez de suprimentos na União Europeia.

Compra de vacinas não tem que ser um jogo de soma zero, como Yamey e seus colegas têm mostrado.

Em vez disso, existem maneiras de garantir o acesso equitativo às vacinas contra a COVID-19 em todo o mundo e, ao mesmo tempo, investir em doses. Acordos entre fabricantes e nações ricas, por exemplo, podem ajudar simultaneamente a expandir os suprimentos globais e a manufatura em outras partes do mundo.

“Como nações, somos como navios no oceano”, explica Yamey, “e vamos subir e descer juntos nas mesmas ondas”.

Yamey cita o novo Instrumento de Acesso Global de Vacinas contra a COVID-19 (COVAX) como um bom exemplo de como nos manter à tona nestes tempos difíceis.

O programa, coliderado por Gavi, a Aliança Global de Vacinas; a Coalizão para Inovações de Preparação para Epidemias; e a Organização Mundial da Saúde (OMS), cria um centro de ‘compradores’ em que as nações mais ricas podem comprar vacinas de uma forma que garanta o abastecimento e o desenvolvimento de lugares mais pobres.

Até agora, cerca de 190 nações aderiram à COVAX e, no entanto, cerca de três dezenas de nações ricas acabaram comprando suas vacinas diretamente de fornecedores e não através do centro de ‘compradores’. No final, isso significa que 16% da população mundial comprou mais da metade de todas as doses disponíveis.

O acordo entre o Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos (HHS) e a Pfizer/BioNtech, por exemplo, foi elaborado para beneficiar os Estados Unidos e a Pfizer e “mais ninguém”  .

Essa abordagem do “eu primeiro” representa uma grande ameaça para o alcance da imunidade coletiva em escala global, dizem os especialistas. Isso não apenas condenará as pessoas à morte e à doença apenas por causa da sorte de seu local de nascimento, mas também dará ao vírus a chance de sofrer uma mutação de uma forma que nossas vacinas atuais podem não ser úteis.

“Não há como impedir que os países mais ricos busquem esses acordos, mas a COVAX pode influenciar como esses acordos são feitos, de modo que mais desses negócios sejam benéficos para o resto do mundo… e não simplesmente acontecer um ‘apoderamento de vacina’ que retira doses de todos os outros (como o acordo da HHS)”, escreveram Yamey e seus colegas em outro comentário recente para BMJ Global Health. 

Ambos os comentários seguem declarações recentes do diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, que advertiu em janeiro que o mundo estava “à beira de um fracasso moral catastrófico”, onde apenas pessoas ricas são protegidas da COVID-19, pelo menos em curto prazo.

Outros, como a filósofa Nicole Hassoun, argumentaram que “o nacionalismo da vacina não é eticamente justificado, nem mesmo no interesse próprio de longo prazo dos países ricos”.

Então, qual é a melhor opção? Em seu novo comentário, Yamey argumenta que as nações mais ricas precisam compartilhar suas vacinas o mais rápido possível. Para cada nove doses administradas, ele sugere doar uma dose para COVAX. Isso dificilmente é “equitativo”, ele admite, mas está “dentro do possível” e pode impedir o surgimento de variantes e surtos futuros.

Tal ação também pode economizar muito dinheiro para o mundo. Um estudo recente descobriu que se as nações mais pobres não forem vacinadas por vários anos, a economia global pode perder US$ 9 trilhões com uma interrupção nas cadeias de abastecimento globais. As nações ricas arcariam com metade desse custo.

Implementar sistemas básicos de saúde que melhorem o fornecimento global de vacinas, aprimorem a harmonização da cadeia de fornecimento e articulem os princípios orientadores para que todos se beneficiem deste imunizante não é apenas a coisa certa a se fazer ética ou economicamente, é também a melhor maneira de acabar com a pandemia global para todos.

O comentário foi publicado na Nature.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.