Por Richard Potts
Publicado no The Conversation
As pessoas prosperaram em todo o mundo, em todo o tipo de temperatura, altitude e paisagem. Como os seres humanos se tornaram tão bem-sucedidos em se adaptar a qualquer ambiente em que alcançaram?
Pesquisadores de origens humanas como eu estão interessados em como essa característica humana essencial, a adaptabilidade, evoluiu.
Em um sítio arqueológico no Quênia, meus colegas e eu trabalhamos nesse quebra-cabeça há décadas. É um lugar onde vemos grandes mudanças acontecendo nos registros arqueológicos e fósseis há centenas de milhares de anos.
Mas quais fatores externos impulsionaram o surgimento de comportamentos que tipificam como nossa espécie, Homo sapiens, interage com o ambiente ao redor?
Queríamos saber se poderíamos fazer uma conexão do que estava acontecendo no meio ambiente na época a essas mudanças na tecnologia e na espécie humana que lá vivia.
Com base em nossa análise, publicada na revista Science Advances, concluímos que as raízes das adaptações evolutivas do Homo sapiens derivam de nossa capacidade de nos ajustarmos às mudanças ambientais.
Período ausente no registro arqueológico
O famoso sítio pré-histórico de Olorgesailie fica no sul do Quênia. Encontra-se no Vale do Rift, uma área sismicamente ativa onde lagos e riachos produziram sedimentos que se acumularam ao longo do tempo, enterrando e preservando ossos fossilizados e ferramentas de pedra antigas.
Em Olorgesailie, nossa equipe científica encontrou evidências que estão potencialmente relacionadas à origem do Homo sapiens e a forma de uma transição crítica de uma tecnologia para outra.
A tecnologia mais antiga é caracterizada por ferramentas com corte ovais chamados bifaces. Chamada de tecnologia acheuliana, quase duas dúzias de camadas superpostas desses bifaces e outras ferramentas acheulianas foram desenterradas em Olorgesailie.
Essas camadas abrangem um imenso período de cerca de 700.000 anos, cobrindo uma época em que registro fóssil mostra espécies hominíneas Homo erectus e Homo heidelbergensis que habitaram a África oriental.
Os últimos sítios arqueológicos acheulianos em Olorgesailie têm 500.000 anos, um período com um intervalo frustrante de 180.000 anos entre esses sedimentos, causado pela erosão.
O registro arqueológico recomeça há cerca de 320.000 anos, à medida que sedimentos começaram a preencher a paisagem.
Mas o período acheuliano se perdeu. Em seu lugar estava a tecnologia da Idade da Pedra Média, consistindo tipicamente em ferramentas menores e mais fáceis de transportar do que os pesados bifaces acheulianos.
Em outras áreas da África, a tecnologia da Idade da Pedra Média está associada aos primeiros Homo sapiens africanos.
Esses fabricantes de ferramentas costumavam usar obsidiana negra com ponta afiada como matéria-prima. Os arqueólogos Alison Brooks, John Yellen e outros rastrearam quimicamente a obsidiana até afloramentos distantes em várias direções diferentes, até 95 quilômetros de distância de Olorgesailie.
Eles concluíram que as fontes longínquas de obsidiana fornecem evidências de troca de recursos entre grupos, um fenômeno desconhecido na época acheuliana.
Nossas escavações na Idade da Pedra Média também continham materiais de coloração preto e vermelho. Os arqueólogos veem pigmentos como esses como sinais de comunicação simbólica cada vez mais complexa.
Pense em todas as maneiras como as pessoas usam as cores – em bandeiras, roupas e em muitas outras formas que pessoas usaram para reivindicar visualmente sua identidade como parte de um grupo.
Portanto, aqui tivemos a extinção do modo de vida acheuliano, bem como sua substituição por comportamentos drasticamente novos, incluindo inovações tecnológicas, troca intergrupal de obsidiana e o uso de pigmentos.
Mas não tínhamos como examinar o que aconteceu no intervalo de 180.000 anos quando essa transição ocorreu.
Precisávamos recuperar esse tempo. Começamos a planejar como poderíamos desenterrar sedimentos de algum lugar próximo que registrariam os ambientes e os desafios de sobrevivência associados a essa mudança na adaptação humana inicial.
Recorrendo à geologia em busca de pistas sobre os primeiros humanos
Diferentes tipos de sedimentos são depositados em lagos, riachos e solos, e as camadas de sedimentos contam a história das mudanças dos ambientes ao longo do tempo. Os geólogos Kay Behrensmeyer e Alan Deino se juntaram a mim em campo no sul do Quênia para descobrir onde poderíamos perfurar os sedimentos que poderiam preencher a lacuna de tempo de Olorgesailie.
Imaginamos que a chave para entender a grande transição estaria sob uma planície plana e gramada a cerca de 24 quilômetros ao sul de nossas escavações em Olorgesailie.
Junto com colegas, incluindo René Dommain e colaboradores da National Lacustrine Core Facility, perfuramos o solo até chegarmos ao fundo de rocha vulcânica do Vale do Rift em setembro de 2012.
O resultado foi um núcleo de amostragem com 139 metros de profundidade contendo uma sequência de antigos habitats e solos de lagos e suas margens, todos crivados de camadas vulcânicas que poderíamos datar de forma precisa para produzir o registro ambiental da África Oriental nos últimos 1 milhão de anos.
Aconselhado pelo geólogo Andy Cohen e outros colegas, montei uma equipe internacional de cientistas da Terra e paleoecologistas para analisar as amostras.
Descobrimos maneiras de converter muitas medidas diferentes do ambiente pré-histórico – pedaços microscópicos de plantas, diatomáceas unicelulares de antigos depósitos de lagos e vários vestígios químicos – em medidas ecológicas de disponibilidade de água doce e cobertura vegetal.
O estudo recém-publicado fornece nossas descobertas.
Ambientes durante o intervalo de tempo
O registro de sedimentos mostrou que durante a era de 1 milhão a 500.000 anos atrás, quando os fabricantes de ferramentas acheulianas ocupavam a bacia de Olorgesailie, os recursos ecológicos eram relativamente estáveis.
A água doce estava disponível de forma estável. Zebras, rinocerontes, babuínos, elefantes e porcos alteraram a vegetação regional de pastagens arborizadas para criar planícies gramíneas curtas e nutritivas.
E, então, o que aconteceu no intervalo de tempo?
A amostra está muito bem preservada no intervalo de tempo anteriormente misterioso. Determinamos que, há cerca de 400.000 anos, ocorreu uma transição ambiental crítica.
De um ambiente relativamente estável, começamos a ver oscilações repetidas na vegetação, na água disponível e em outros recursos ecológicos dos quais nossos ancestrais e outros mamíferos dependiam e dependem.
De acordo com a literatura antropológica, os caçadores-coletores hoje e na história recente aproveitam períodos de recursos incertos investindo tempo e energia para aprimorar sua tecnologia.
Eles se conectam com grupos distantes para sustentar redes de troca de recursos e informações. E eles desenvolvem marcadores simbólicos que fortalecem essas conexões sociais e identidade de grupo.
Soa familiar? Esses comportamentos se assemelham a como o estilo de vida da Idade da Pedra Média em Olorgesailie era diferente do estilo de vida acheuliano.
Igualmente notável, as grandes espécies de planícies típicas da época acheuliana foram extintas depois de 500.000 anos atrás.
Entre 360.000 e 300.000 anos atrás, espécies de herbívoros ecologicamente flexíveis menores em tamanho, menos dependentes de água e dependentes de grama baixa e alta e folhas de árvores substituíram os herbívoros especializados, como as espécies extintas de zebras e o enorme babuíno.
Essas mudanças na comunidade animal refletem a vantagem de dietas adaptáveis, um paralelo de como nossos ancestrais da Idade da Pedra Média se ajustaram às incertezas ambientais.
Nas últimas duas décadas, muitos pesquisadores das origens humanas pensaram no clima como o principal, senão o único, condutor da evolução adaptativa dos hominídeos. Nosso novo estudo chama a atenção, porém, para vários fatores na transição acheuliana para a Idade da Pedra Média no sul do Quênia.
Sim, as chuvas variaram fortemente após a transição ambiental há 400.000 anos. Mas o terreno em toda a região também foi acidentado pela atividade tectônica e coberto com cinzas vulcânicas. E grandes herbívoros exerceram influências diferentes sobre a vegetação antes e depois dessa transição.
O resultado foi um efeito dominó de mudanças ecológicas que incluiu os primeiros humanos que praticavam o modo de vida da Idade da Pedra Média. Propomos que todos esses fatores juntos instigaram essa mudança evolutiva crítica.
A Idade da Pedra Média pode ser uma lição para hoje. Como a humanidade agora enfrenta uma era de incerteza ambiental em uma escala global, nossa espécie é suficientemente ágil para envolver redes sociais, novas tecnologias e fontes confiáveis de informação para se ajustar aos problemas ambientais que virão?