Ao fazer uma busca em indexadores de artigos acadêmicos, me deparei com um documento muito interessante que mostra a situação da ciência brasileira na época da ditadura. Para lê-lo, acesse aqui.
Trata-se de uma dissertação focada na Universidade Federal da Bahia, mas sabemos muito bem que o controle ideológico, a censura, também na área da ciência, não se restringiu somente à Bahia: os órgãos de segurança da época estavam presentes em todas as estruturas das Universidades de todo o Brasil.
O regime militar efetuou diversas prisões, não só de professores e cientistas, mas de estudantes também, dentro e fora das manifestações, participando ou não das lutas armadas. Durante mais de duas décadas de ditadura militar, eles eram os que ditavam as ordens e as relações entre cientistas e militares foram sempre muito conturbadas. Afinal, quem quer ser controlado, não é mesmo? Por isso, muitos foram presos, torturados, vários deixaram o país por razões políticas e por falta de condições de trabalho, o que ocorria tanto no Brasil da Ditadura, quanto no primeiro mundo, pela mudança de foco, ou seja, o interesse meramente econômico na ciência.
Os militares destruíram ou tentaram destruir o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e universidades como a Universidade de Brasília (UnB). Em contrapartida, estimulavam a Universidade de Campinas (Unicamp), pois acreditavam ser um centro avançado que ia ao encontro do que lhes convinha e “dançava conforme a música” deles.
Muitos professores e cientistas foram forçados às aposentadorias compulsórias, ou eram exilados, demitidos, até mesmo presos por não concordarem com a atual política. Inclusive, no início de julho de 1964, os cientistas resolveram protestar e se reuniram na cidade de Ribeirão Preto/SP, na 16ª reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Professores e pesquisadores se manifestaram contra a prisão e demissão dos quadros universitários e exigiram amparo aos trabalhos de pesquisas, mas tudo isso em vão, o regime continuou, ainda pior.
A Universidade de São Paulo (USP) foi um dos alvos prediletos do regime militar, tornando-se um importante núcleo de resistência cultural. Contrariando o aparato repressor, praticamente todas as escolas, em protesto, escolheram os paraninfos que haviam sido presos, exilados, cassados ou demitidos pelos militares. Foi uma boa forma de protesto, pois os melhores cientistas do país, ou pelo menos grande parte deles, haviam sido exilados, aposentados compulsoriamente ou demitidos.
Para os militares, o controle ideológico era uma questão de “segurança nacional”. Não era possível pensar livremente, e isso limitaria a ciência, pois a base dela é a imaginação. Muitos institutos foram fechados, dentre eles o Instituto Central de Ciências, tão sonhado por Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, Lúcio Costa e Oscar Niemeyer.
Sem dúvida, houve grandes avanços científicos e tecnológicos, pois a ciência e a tecnologia foram vistas pelos militares como um meio de avanço econômico para o Brasil, mas somente dotadas de controle ideológico. Houve o que Francisco Carlos Teixeira da Silva chamou de “Modernização Autoritária”. No entanto, nem tudo avançou às mil maravilhas. Tínhamos pesquisas que poderiam ter sido feitas e não o foram, pois o responsável por elas havia sido expurgado ou aposentado, como foi o caso de José Leite Lopes: sua aposentadoria resultou na desmontagem do acelerador de partículas, que ia ser instalado no Campus do Fundão, no Rio de Janeiro, e seria comandado por ele. As intolerâncias políticas assombravam o país. O regime militar fechava todas as portas e oportunidades de trabalho a qualquer professor ou cientista brasileiro.
Em meio à guerra fria, a física brasileira perdia seus maiores profissionais e suas maiores instituições (pelo menos a grande maioria), junto com a possibilidade de avanço tecnológico. Investiam no que achavam importante para o avanço econômico do país. Mas qual país avança sem liberdade, com uma educação que, além de autoritária, era elitizada? Como seria hoje? Quantos analfabetos teríamos? Afinal, educação de “qualidade” era para poucos, e mesmo assim sofria censura.
Um país desenvolvido é um país com índices de alfabetização altos, investimentos tecnológicos e democracia, o que não se aplica àquela época, pois apesar dos “avanços” tecnológicos, foi um período durante o qual tivemos baixo índice de alfabetização e nenhuma democracia, se não por um partido de oposição para inglês ver. Se o regime permanecesse, continuaríamos seguindo a cartilha de pessoas que acreditam que o que é imposto é o mais correto. Mesmo esses “avanços” tecnológicos seriam restritos ao sonho e imposição de alguns e não da necessidade de todos.
A ciência age sobre os homens no sentido de torná-los autônomos. Daí a importância de uma educação que não mutila, não busca domesticar, uma educação que possibilite a transformação do homem de julgar e de escolher. Esse é o caminho para uma democracia. O sentido maior da educação é o de criar, desenvolver a autonomia individual. O conflito de ideias, o antagonismo social, fazem parte da construção de uma sociedade onde todos os homens encontrem a razão da existência, que revela no sonho de liberdade a possibilidade histórica de transformar a realidade.
O desenvolvimento da cultura nos mostra que houve uma modificação nas atitudes em relação à política, mas a ciência vai além, faz o ser humano pensar, aprimorar, evoluir e não me refiro apenas a ciência. A liberdade conquistada hoje por toda sociedade e por nossos cientistas brasileiros só o foi com muito sangue, suor e lágrimas. A liberdade que temos de ir e vir, de pesquisar, estudar e questionar é uma conquista de que não devemos abrir mão nunca.
Nossos cientistas ainda continuam indo para fora do Brasil, com a diferença de que, antes, iam por imposições e, hoje, vão por escolha, o que não deixa de ser uma conquista, ainda que lamentável para o nosso desenvolvimento. Nossos cientistas não são mais massacrados pelo sistema autoritário, mas estão desvalorizados. O Brasil ganhou a tão sonhada liberdade e ela não é valorizada o suficiente, afinal não cobramos o incentivo necessário à educação, à ciência e à tecnologia, e acredito que já passou da hora de mudarmos esse jogo.