Por Stephen Hicks
Publicado na obra Explicando o Pós-modernismo: Ceticismo e Socialismo
Jean-Jacques Rousseau é a figura mais importante no Contra-Iluminismo político. Sua filosofia moral e política foi inspiradora para Immanuel Kant, Johann Herder, Johann Ficthe e G. W. F. Hegel, e deles foi transmitida para a Direita coletivista. Foi talvez mais inspirador para os coletivistas da Esquerda: os escritos de Rousseau foram a Bíblia dos líderes jacobinos da Revolução Francesa, assimilados por muitos de esperançosos revolucionários russos no final do século XIX, e influentes sobre os socialistas agrários do século XX na China e Camboja. No mundo teórico do socialismo acadêmico, a versão de Rousseau do coletivismo foi ofuscada pela versão de Marx durante a maior parte do século XIX e muito do século XX. Ainda assim, uma grande parte da explicação do pensamento pós-moderno é um deslocamento em direção as posições rousseaunianas por uma parte dos pensadores que tinham sido originalmente inspirados por Marx, mas que agora estavam cada vez mais desiludidos.
O Contra-Iluminismo de Rousseau
O primeiro grande ataque frontal contra o Iluminismo foi realizado por Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Rousseau possui uma merecida reputação de ser um bad boy da filosofia francesa do século XVIII. No contexto da cultural intelectual do Iluminismo, Rousseau foi uma importante voz discordante. Ele era um admirador de todas as coisas espartanas – a Esparta do comunalismo militarista e feudal, e sentia desprezo por todas as coisas atenienses – a Atenas clássica do comércio, do cosmopolitismo e das belas artes.
A civilização é totalmente corruptível, argumentou Rousseau, não apenas o sistema de opressão feudal da França do século XVIII com sua aristocracia decadente e parasitária, mas também a sua alternativa Iluminista com a sua exaltação a razão, a propriedade, as artes e as ciências. Nome de uma característica dominante do Iluminismo, e Rousseau estava indo contra.
Em seu “Discurso sobre a Origem da Desigualdade”, Rousseau começou a atacar a base do projeto do Iluminismo: a razão. Os filósofos estavam totalmente corretos em que a razão é a base da civilização. O progresso racional da civilização, no entanto, é qualquer coisa menos progresso, pois a civilização é alcançada às custas da moralidade. Há uma relação inversa entre o desenvolvimento cultural e moral: a cultura gera muita aprendizagem, luxo e sofisticação – mas tanto a aprendizagem como o luxo e a sofisticação causam a degradação moral.
A raiz de nossa degradação moral é a razão, o pecado original da humanidade. Antes de despertara sua razão, os seres humanos eram simples, em sua maioria solitários, que satisfaziam suas necessidades facilmente coletando em torno de seu ambiente. Esse estado de felicidade era o ideal: “este autor deveria ter dito que dado que o estado natural é o estado no qual a preocupação por nossa autopreservação é menos prejudicial para os demais, esse estado é, consequentemente, o mais adequado para a paz e o mais apropriado para a raça humana”.
Mas, por algum conhecimento inexplicável e infeliz, se despertou a razão e, uma vez despertada, vomitou uma Caixa de Pandora de problemas sobre o mundo, transformando a natureza humana ao ponto em que não podíamos regressar mais a nosso feliz estado original. Como os filósofos estavam estavam prevendo o triunfo da razão no mundo, Rousseau quis demonstrar que “todo o progresso subsequente foi na aparência tantos passos em direção à perfeição do indivíduo e, de fato, para o declínio da espécie”. Uma vez que seu pode de raciocínio se despertou, os humanos perceberam sua condição primitiva, e isso levou-nos a sentir insatisfeitos. Assim começaram a fazer melhorias que culminaram, principalmente, na revolução agrícola e metalúrgica. Inegavelmente, essas revoluções melhoraram materialmente a humanidade – mas essas melhorias, de fato, têm destruído a espécie: “é o ferro e o trigo que tem civilizado os homens e arruinado a raça humana”.
A ruína tomou muitas formais. Economicamente, a agricultura e a tecnologia levou à riqueza excedente. A riqueza excedente, por sua vez, conduziu a necessidade dos direitos de propriedade, a competição entre os seres humanos e levou-nos a ver como inimigos uns aos outros.
Fisicamente, conforme os humanos se tornaram mais ricos desfrutaram de mais comodidades e luxos. Mas esses luxos e comodidades causaram a degradação física. Começaram a comer comida em excesso e a ingerir péssima comida, e, em seguida, se tornaram menos saudáveis. Começaram a usar cada vez mais ferramentas e tecnologia, e, em seguida, se tornaram fisicamente menos fortes. O que tinha sido uma vez uma espécie fisicamente forte tornou-se então dependente de médicos e equipamentos.
No social, com os luxos veio um despertar dos padrões estéticos de beleza, e esses padrões transformaram suas vidas sexuais. O que antes era um ato franco de relações sexuais acabou se tornando algo ligado ao amor, e o amor é confuso, exclusivo e preferencial. O amor, consequentemente, desperta os ciúmes, a inveja e a rivalidade – mais coisas que colocam os seres humanos uns contra os outros.
Portanto, a razão conduziu ao desenvolvimento de todas e cada uma dessas características da civilização – agricultura, tecnologia, propriedade e estética – e estas tornaram a humanidade covarde, preguiçosa, e a puseram em conflito social e econômico com ela mesma.
Mas a história fica pior, pois os conflitos sociais geraram uns poucos vencedores no topo da escala social e muitos perdedores oprimidos debaixo deles. A desigualdade se converteu em uma consequência proeminente e condenável na civilização. Tais desigualdades são condenáveis porque todas elas, “como o ser mais rico, mais honrado, mais poderoso” foram “privilégios desfrutados por uns em detrimento de outros”.
A civilização, de acordo com isso, se tornou um jogo de soma zero em muitas dimensões sociais, com os vencedores sendo beneficiados e gozando cada vez mais, enquanto os perdedores acabam sofrendo e ficando cada vez cada vez mais para trás.
Mas as doenças da civilização se tornaram ainda pior, pois a razão, que tornou possível as desigualdades da civilização tem tornou os mais acomodados indiferentes ao sofrimento dos menos afortunados. A razão, segundo Rousseau, é contrária a compaixão: a razão gera civilização, que é a causa última dos sofrimentos das vítimas da desigualdade, mas a razão também cria razões para ignorar esse sofrimento. “A razão é o que engendra o egocentrismo”, escreveu Rousseau, e a reflexão a fortalece. A razão é o que retorna ao homem em direção a si mesmo. A razão é o que separa tudo o que o preocupa e o aflige. A filosofia é o que o isola e o que o move a dizer em segredo, na vista de um homem que sofre, “pereça se você quiser, eu estou sã e salvo”.
Na civilização contemporânea, esta falta de compaixão se torna algo mais do que um pecado de omissão. Rousseau sustenta que, tendo obtido êxito nas competições da vida civilizada, os vencedores têm agora um interesse em preservar o sistema. Os defensores da civilização – especialmente aqueles que estão vivendo nas partes superiores das pirâmides sociais e, por conseguinte, isoladas da zona de impacto de danos – fazem um esforço extraordinário para louvar os avanços da civilização em tecnologia, arte e ciência. Mas esses mesmos avanços e elogios que são objetos de apreciação são apenas mascarás para ocultar o dano produzido na civilização. Pressagiando a Herbert Marcuse e a Foucault, Rousseau escreveu em seu ensaio que o tornou famoso. O Discurso sobre as Ciências e as Artes: “Os príncipes olham sempre com agrado a difusão, entre seus súditos, o gosto pela arte da diversão e o supérfluo”. Tais gostos adquiridos dentro de uma aldeia provém “de tantas correntes que o prendem”. “As ciências, a literatura e as artes” – longe de libertar e elevar a humanidade -, “espalharam guirlandas de flores sobre as correntes de ferro que oprimem os homens, para reprimir eles no sentido dessa liberdade original para a qual parecem ter nascido, fazem amar sua escravidão, e os convertem no que chamam de ‘pessoas civilizadas'”.
Tão corrupto que, de acordo com isso, está em todo o edifício da civilização que nenhuma reforma seria possível. Contra os tímidos moderados que queriam alcançar lentamente uma boa sociedade, Rousseau chamou-a de revolução. “As pessoas continuamente remendando [o Estado], quando deveriam ter começado a renovar o ar e a deixar de lado todos os velhos materiais, como Licurgo fez em Esparta, a fim de levantar depois um bom edifício”.