Publicado na Nature
Em 2018, o Prêmio Nobel de Química foi concedido a Frances H. Arnold pela evolução dirigida de enzimas, e a George P. Smith e Gregory P. Winter pela exibição em fagos de peptídeos e anticorpos. A Real Academia Sueca de Ciências reconheceu que o trabalho dos laureados com o Prêmio Nobel usou os princípios da evolução e elogiou o benefício que eles trouxeram para a humanidade. O contrapeso a esta celebração é a feroz negação que a teoria da evolução enfrenta atualmente em certas partes do mundo. Os esforços para introduzir o criacionismo e as teorias pseudocientíficas, como o design inteligente, nos currículos de ensino dos EUA estão bem documentados, assim como o ceticismo do público estadunidense em relação à evolução. De acordo com um relatório de 2018 do National Science Board, apenas 52% dos estadunidenses concordam que “os seres humanos, como os conhecemos hoje, desenvolveram-se a partir de espécies anteriores de animais”. Embora essa proporção tenha aumentado de 42% em 2004, ela fica atrás dos cerca de 70% dos entrevistados canadenses, chineses e da União Europeia em pesquisas semelhantes. Agendas antievolução foram adotadas em sistemas educacionais em outros lugares: a Arábia Saudita exclui o ensino da evolução e, no ano passado, a Turquia anunciou a remoção do capítulo relevante dos livros do ensino médio.
A influência do negacionismo científico na educação e na política é de longo alcance. Apesar do consenso científico de que a mudanças climáticas antropogênicas é um problema premente, as crenças do público em geral sobre o assunto variam amplamente. Uma pesquisa do Pew Research Center de 2015 constatou que, embora 54% dos entrevistados globais considerem a mudanças climáticas um problema muito sério, apenas 18% dos chineses e 45% dos residentes nos EUA concordam com essa visão apesar desses dois países serem os maiores emissores de CO2 emissores em todo o mundo. O mesmo relatório indica que em muitos países economicamente desenvolvidos, incluindo Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Alemanha e Austrália, as atitudes em relação às mudança climáticas estão divididas com base em ideologias políticas, algo que se torna tristemente aparente pelo estado atual da Agência de Proteção Ambiental dos EUA. O relatório de 2018 sobre ‘Aquecimento Global de 1,5°C’ do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas pinta uma quadro grave para o nosso planeta se não conseguirmos conter o aquecimento global. Ainda não está claro se o público cético em relação à ciência e os formuladores de políticas atenderão a esse apelo por mudanças drásticas.
A pseudociência também representa uma ameaça imediata à saúde pública na forma de movimentos antivacinação, que podem levar a epidemias de doenças evitáveis. Um exemplo proeminente decorre de um paper de 1998, agora totalmente retratado, que alegou uma ligação entre o autismo e a vacina contra sarampo, caxumba e rubéola (M-M-R). Apesar do paper original ter sido desacreditado cientificamente e o principal autor ter sido excluído do registro médico, a possibilidade de que a vacinação pudesse levar ao autismo recebeu grande cobertura da mídia e influenciou as atitudes do público a ponto de as taxas de vacinação com M-M-R caírem no Reino Unido. Duas décadas depois, as campanhas antivacinação continuam e, de forma alarmante, os casos de sarampo têm aumentado na Europa, com a baixa cobertura de imunização permanecendo uma preocupação.
Talvez o exemplo mais inesperado de negação da ciência seja o aparente renascimento da crença de que a Terra é plana. O tema foi muito discutido nas mídias sociais e de massa nestes últimos anos, com uma pesquisa nos Estados Unidos informando que apenas 84% dos entrevistados sempre acreditaram que o mundo é redondo, enquanto 2% acreditavam que ele é plano e o restante expressou incerteza. Considerando a quantidade de evidências em contrário, é surpreendente que qualquer pessoa com acesso à educação básica expresse opiniões de Terra plana hoje. O matemático grego Eratóstenes conseguiu calcular a circunferência da Terra com notável precisão no século III dc e a expedição de Magalhães-Elcano conseguiu circunavegar a Terra nos anos 1500. No século XX, a exploração espacial finalmente nos permitiu ver e estudar nosso planeta como um corpo celeste. Dados mais extensos são necessários para determinar se as crenças da Terra plana ressurgiram para ficar, mas a possibilidade é preocupante.
Esses exemplos proeminentes de falha do público em aceitar o conhecimento científico essencial vão contra a crescente importância da educação em ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM, na sigla em inglês) para a sociedade contemporânea continuar a prosperar. De fato, os gastos globais com pesquisa e desenvolvimento mais que dobraram entre 2000 e 2015, com os EUA sendo o país que mais investe em STEM, seguidos pela China e pela UE. Somente nos EUA, estima-se que o número de empregos na área da STEM cresça 13% até 2027, uma taxa superior à projetada para cargos não-STEM. Mas, apesar da alta demanda por trabalhadores com formação em STEM, a educação em STEM nas escolas de ensino médio dos EUA não é tão impressionante. O último relatório do Program for International Student Assessment, que avalia as habilidades de ciência, matemática e leitura entre jovens de 15 anos de todo o mundo, classificou os EUA em décimo nono lugar em ciências e trigésimo oitavo em matemática, entre 71 países.
Como podemos preencher a lacuna entre as necessidades crescentes de STEM e a aceitação menos do que desejável pela geração mais jovem? Como podemos aumentar a compreensão e a aceitação da ciência na sociedade contemporânea e combater a disseminação da desinformação? É importante reconhecer que a educação em STEM não está igualmente disponível para todos, mesmo nos países economicamente mais desenvolvidos. Os cientistas devem trabalhar com os formuladores de políticas para resolver esse déficit e um primeiro passo essencial é se envolver mais na vida pública. Também devemos cultivar o interesse das crianças pelo mundo natural, explorando sua curiosidade inerente desde cedo. Será valioso desenvolver programas entre escolas, universidades e institutos de pesquisa para trazer cientistas para a sala de aula e jovens estudantes para o laboratório. De forma geral, devemos encorajar o alcance da ciência informal se quisermos inspirar mentes jovens e desmascarar os estereótipos de livros empoeirados e pesquisadores desvinculados da vida cotidiana. Ligada a isso está a necessidade de ensinar os cientistas a se comunicarem de forma mais eficaz com o público em geral, de modo que os princípios científicos e o método científico possam se tornar mais acessíveis ao cidadão comum. Na era da pós-verdade, em que os fatos são contestados e os negacionistas da ciência ganham amplo espaço nas instâncias públicas, esse é o desafio que precisamos abraçar. de modo que os princípios científicos e o método científico possam se tornar mais acessíveis ao cidadão comum. Na era da pós-verdade, em que os fatos são contestados e os negacionistas da ciência ganham amplo espaço nas instâncias públicas, esse é o desafio que precisamos abraçar.