Pular para o conteúdo

O efeito Dunning-Kruger, ou por que os ignorantes acham que são especialistas

Por Alexandru Micu
Publicado na ZME Science

O efeito Dunning-Kruger é um viés cognitivo que foi descrito pela primeira vez no trabalho de David Dunning e Justin Kruger no (agora famoso) estudo de 1999 Unskilled and unaware of it: How difficulties in recognizing one’s own incompetence lead to inflated self-assessments.

O estudo nasceu baseado em um caso criminal de um rapaz chamado McArthur Wheeler que, em plena luz do dia de 19 de abril de 1995, decidiu roubar dois bancos em Pittsburg, Estados Unidos. Wheeler portava uma arma, mas não uma máscara. Câmeras de vigilância o registraram em flagrante, e a polícia divulgou sua foto nas notícias locais, recebendo várias denúncias de onde ele estava quase que imediatamente.

Um gráfico mostrando o efeito Dunning-Kruger. Crédito: Wikimedia.

Quando eles foram o prender, o Sr. Wheeler estava visivelmente confuso.

“Mas eu estava coberto de suco”, ele disse, antes que os oficiais o levassem.

Não existe “métodos infalíveis”

Em algum momento de sua vida, Wheeler aprendeu de alguém que o suco de limão poderia ser usado como uma ‘tinta invisível’. Se algo fosse escrito em um pedaço de papel usando suco de limão, você não veria nada – a não ser que você aquecesse o suco, o que tornaria os rabiscos visíveis. Então, naturalmente, ele cobriu seu rosto de suco de limão e foi assaltar um banco, confiante de que sua identidade permaneceria secreta para as câmeras, desde que ele não chegasse perto de nenhuma fonte de calor.

Ainda assim, devemos dar créditos pro sujeito: Wheeler não apostou cegamente. Ele realmente testou sua teoria tirando uma selfie com uma câmera polaroid (existe um cientista dentro de todos nós). Por alguma razão ou outra, talvez porque o filme estava com defeito, não sabemos exatamente o porquê, a câmera revelou uma imagem em branco.

As notícias circularam pelo mundo, todo mundo deu uma boa risada, e o Sr. Wheeler foi levado para a cadeia. A polícia concluiu que ele não era louco, nem usava drogas, ele realmente acreditava que seu plano funcionaria. “Durante sua interação com a polícia, ele ficou incrédulo sobre como sua ignorância havia falhado com ele”, escreveu Anupum Pant para a Awesci.

David Dunning estava trabalhando como psicólogo na Universidade Cornell na época, e a história bizarra chamou sua atenção. Com a ajuda de Justin Kruger, um de seus alunos de pós-graduação, ele começou a entender como o Sr. Wheeler podia estar tão confiante em um plano que era claramente estúpido. A teoria que eles desenvolveram é que quase todos nós consideramos nossas habilidades em determinadas áreas acima da média e que a maioria provavelmente avalia as próprias habilidades como muito melhores do que elas são objetivamente – uma “ilusão de confiança” que sustenta o efeito Dunning-Kruger.

Sejamos todos sem noção

“Cuidado com o vão”… entre como você se vê e como realmente é. Crédito: Pxfuel.

“Se você é incompetente, você não pode saber que é incompetente”, escreveu Dunning no seu livro Self-Insight: Roadblocks and Detours on the Path to Knowing Thyself. “As habilidades necessárias para produzir uma resposta certa são exatamente as habilidades necessárias para reconhecer o que é uma resposta certa”.

No estudo de 1999 (o primeiro realizado sobre o tópico), a dupla fez uma série de perguntas aos alunos de Cornell sobre gramática, lógica e humor (usadas para medir as habilidades reais dos alunos) e, em seguida, pediu que cada um avaliasse a pontuação geral que eles alcançariam e como suas pontuações se relacionariam às pontuações dos outros participantes. Eles descobriram que os estudantes com a pontuação mais baixa, superestimaram consistente e substancialmente suas próprias capacidades. Os alunos do quartil inferior (25% mais baixos por nota) pensaram que atavam acima de dois terços em média dos outros estudantes (ou seja, que ficaram entre os 33% melhores por pontuação).

Um estudo relacionado realizado pelos mesmo autores em um clube de tiro esportivo mostrou resultados semelhantes. Dunning e Kruger usaram uma metodologia semelhante, fazendo perguntas aos aficionados sobre segurança de armas, visando que estes estimassem a si próprios sobre seus desempenhos no teste. Aqueles que responderam o menor número de perguntas de forma correta também superestimaram demasiadamente seu domínio do conhecimento sobre armas de fogo.

Não é específico apenas às habilidades técnicas, pois afeta todas as esferas da existência humana por igual. Um estudo descobriu que 80% dos motoristas se classificam como acima da média, o que é literalmente impossível, porque não é assim que as médias funcionam. Tendemos a avaliar nossa popularidade relativa da mesma maneira.

Também não se limita a pessoas com habilidades baixas ou inexistentes em um determinado assunto – funciona em praticamente todos nós. Em seu primeiro estudo, Dunning e Kruger também descobriram que os alunos que pontuavam no quartil superior (25%) subestimavam rotineiramente sua própria competência.

Uma definição mais completa do efeito Dunning-Kruger seria que ele representa um viés na estimativa de nossa própria capacidade decorrente de nossa perspectiva limitada. Quando temos uma compreensão ruim ou inexistente sobre um tópico, sabemos literalmente muito pouco para entender o quão pouco sabemos. Aqueles que de fato possuem o conhecimento ou habilidades, no entanto, têm uma ideia muito melhor que as outras pessoas com quem andam. Mas eles também pensam que, se uma tarefa é clara e simples para eles, também deve ser assim para todos os outros.

Uma pessoa no primeiro grupo e uma no segundo grupo são igualmente suscetíveis de usar sua própria experiência como base e tendem a dar como certo que todos estão próximos dessa “base”. Ambos tem “ilusão de confiança” – em um, essa confiança eles tem em si mesmos, e no outro, eles tem em todos as outras pessoas.

Mas talvez não sejamos igualmente sem noção

Errar é humano. Mas, persistir com confiança no erro é hilário.

Dunning e Kruger pareciam encontrar uma saída para o efeito que ajudaram a documentar. Embora todos pareçamos ter a mesma probabilidade de nos iludir, há uma diferença importante entre aqueles que são confiantes, mas incapazes, e aqueles que são capazes e não têm confiança: a forma que lidam e absorvem o feedback ao próprio comportamento.

O Sr. Wheeler tentou verificar sua teoria. No entanto, ele olhou para uma polaroid em branco de uma foto que ele tinha acabado de tirar – um dos grandes motivos que sinalizava que algo não deu muito certo na sua teoria – e não viu motivo para se preocupar; a única explicação que ele aceitou foi que seu plano funcionava. Mais tarde, ele recebeu um feedback da polícia, mas nem isso conseguiu diminuir sua certeza; ele estava “incrédulo em como sua ignorância havia falhado com ele”, mesmo quando ele tinha absoluta confirmação (estando na prisão) de que isso falhou.

Durante sua pesquisa, Dunning e Kruger descobriram que bons alunos previam melhor seu desempenho em exames futuros quando recebessem feedback preciso sobre a pontuação que alcançaram atualmente e sobre sua classificação relativa entre a turma. Os alunos com pior desempenho não mudariam suas expectativas, mesmo após um feedback claro e repetido de que estavam tendo um desempenho ruim. Eles simplesmente insistiram que suas suposições estavam corretas.

Brincadeiras à parte, o efeito Dunning-Kruger não é uma falha humana; é simplesmente um produto da nossa compreensão subjetiva do mundo. Na verdade, serve como uma precaução contra supor que estamos sempre certos e serve para destacar a importância de manter uma mente aberta e uma visão crítica de nossa própria capacidade.

Mas se você tem medo de ser incompetente, verifique como o feedback afeta sua visão sobre seu próprio trabalho, conhecimento, habilidades e como isso se relaciona com outras pessoas ao seu redor. Se você realmente é um incompetente, não vai mudar de ideia e esse processo é basicamente uma perda de tempo, mas não se preocupe – alguém lhe dirá que você é incompetente.

E você não vai acreditar neles.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.