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O estudo sobre inteligência não deve ser entravado pelo seu passado

Publicado na Nature

“O que a maioria das pessoas sabe sobre inteligência é, na melhor das hipóteses, distorcido, e na pior delas, errado.” Isto, de acordo com o editor da revista Intelligence, em uma edição especial de 2014 que abordou o ensino do assunto (Intelligence 42, 135; 2014). A mesma edição mostrou que, de fato, há pouco ensino sobre inteligência, pelo menos no currículo de graduação de seis das melhores universidades dos EUA. O assunto, ao que parece, está morrendo nas faculdades por apresentar ecos de elitismo – e pior, de racismo – isso deixa alunos e funcionários da faculdade desconfortáveis.

Esta é uma distorção que contribui com a disseminação de ideias erradas sobre inteligência e a motivação daqueles que a estudam. Isto é especialmente verdade quando refere-se à genética da inteligência, sobre a qual uma meta-análise foi publicada online na semana passada (22/05) na Nature Genetics (S. Sniekers et al. Nature Genethttp://dx.doi.org/10.1038/ng.3869; 2017).

A pesquisa juntou dados de estudos de associação de genoma que analisaram um total de quase 80,000 crianças e adultos. Os estudos utilizaram medidas diferentes de “inteligência geral”, incluindo resultados de testes de QI e número correto de respostas dadas a breves desafios touchscreen. A meta-análise identificou 18 regiões genômicas associadas com a inteligência, e genes candidatos que são intensamente expressos no cérebro. O estudo sugere que essas associações podem explicar até 4,8% da variância na inteligência nesses coortes.

É o mais recente de uma série de estudos para investigar os detalhes de como a genética influencia a habilidade cognitiva. Note a palavra ‘como’. Apesar de declarações que dizem o contrário – algumas bem intencionadas; outras, apenas ignorantes – é bem estabelecido e incontroverso entre os geneticistas que a junção das diferenças genéticas garantem variâncias significativas entre a inteligência das pessoas. Mas, ao que parece, essas diferenças parecem ser várias, e de pouca consequência, individualmente. Assim, a inteligência é um traço humano poligênico característico – assim como muitas outras características físicas e cognitivas, de altura a doenças mentais.

Então, por quê a controvérsia? Por quê os graduandos em psicologia são negados instrução acerca de algo que certamente é um dos traços humanos centrais e mais influentes? Não muito comum para uma área da ciência, o maior obstáculo para melhores e maiores pesquisas e entendimento acerca da inteligência não está no futuro, mas no passado.

Parecem ser três. O primeiro e mais facilmente discutido é o medo equivocado do determinismo biológico: alguns se preocupam com a ideia de que se certos genes influenciam a inteligência, indivíduos sem eles não podem ser promissores nem ter sucesso. Mas não é bem assim – o ambiente também é crucial. A existência de ‘genes da inteligência’ não implicaria que a educação das pessoas que não os têm é uma perda de tempo.

O segundo obstáculo é, acima de tudo, um problema de timing. Os testes e a ciência da inteligência surgiram ao mesmo tempo que as preocupações acerca da imigração, no século XX, tomaram forma de políticas para a proteção genética da população dos Estados Unidos, Inglaterra, e outros lugares. A pesquisa sobre inteligência se tornou uma ferramenta bastante útil para eugenistas, e a discriminação contra os classificados como tendo uma ‘mente inferior’ se tornou um disfarce para a xenofobia.

Por último, temos o racismo. A ciência da inteligência foi, sem dúvida, prejudicada pelo racismo. No passado, eram tiradas as medidas do volume do crânio e do peso do cérebro para sustentar as declarações da superioridade racial dos brancos. Mais recentemente, a diferença entre a média de QI de grupos brancos e negros dos EUA (que existe, mas está desaparecendo) foi falsamente atribuída aos fatores genéticos.

Alguns críticos temem que a pesquisa sobre a genética da inteligência – qualquer pesquisa – alimentem as chamas dessas ideias arcaicas e sejam usadas com propósitos dúbios no futuro. Certamente, as atitudes indesejadas que deram uma má reputação à ciência da inteligência ainda persistem, e pesquisas duvidosas ainda estão sendo feitas. Mas a ciência da inteligência não pode ser entravada pelo seu passado.

Como vem sendo mostrado por estudo após estudo, a variação genética entre indivíduos e sua influência em determinados traços é mais complexa e sutil do que os cientistas tinham percebido, até mesmo no começo do século. Quanto mais se estuda características como a inteligência, e se mostra que não existe base genética para discriminação, mais elas se distanciam dos erros do passado. O que a maioria das pessoas sabe sobre inteligência precisa ser atualizado.

Tássio César

Tássio César

Oi. Tenho 19 anos e sou de Campina Grande, na Paraíba. Sou aficionado por biologia e (quase) tudo que ela engloba, e pretendo me formar em medicina.