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Fim dos tempos? Uma análise científica das crenças apocalípticas

Por causa da pandemia de COVID-19, muitos religiosos voltaram a dizer que o fim do mundo está se aproximando. Eu digo “voltaram” porque, de tempos em tempos, novos acontecimentos ressuscitam essas expectativas apocalípticas. Por exemplo, muitos cristãos acharam que o juízo final aconteceria logo após a morte de Jesus, após as guerras mundiais, na virada do milênio e, em linha com algumas profecias maias, por volta do ano 2012. E essa é uma lista bastante modesta.

Por falar nos maias, é bom apontar que essas crenças apocalípticas não são uma propriedade exclusiva do cristianismo. Embora os cristãos pareçam ser mais crentes nisso (Hellstrom, 2007), versões sobre o fim dos tempos também estão presentes em religiões tão diversas como o islamismo, o hinduísmo e o budismo – e nem mesmo a mitologia nórdica fica de fora. Mas, afinal, por que quase sempre a gente testemunha alguns grupos de religiosos achando que, por causa de forças ou seres sobrenaturais, estamos prestes a passar por um período cataclísmico que mudará o futuro da humanidade?

Em seu artigo “O fim está sempre próximo na mente humana”, Shermer (2011) sugere que as raízes psicológicas das crenças apocalípticas são tanto emocionais quanto cognitivas. A respeito das emoções, ele afirma que esses tipos de ideia representam a esperança de um recomeço, isto é, a expectativa de que o sofrimento que nos acomete hoje será futuramente substituído por um estado eterno de paz e felicidade. Isso significa que as adversidades da vida aumentam a nossa propensão a crer que o fim dos tempos chegou?

Até o momento, poucos estudos investigaram essa hipótese de forma mais direta – e seus resultados ainda são inconsistentes. Por exemplo, um grupo de pesquisadores verificou que não havia qualquer relação entre os níveis de ansiedade e de convicção em ideias apocalípticas das pessoas entrevistadas (Hellstrom, 2007). Por outro lado, outro estudo constatou que os participantes que acreditavam nas profecias apocalípticas sobre o ano 2012 andavam mais estressados, mais ansiosos e mais deprimidos do que os que não acreditavam nisso (Rubia & Pecina, 2012). Segundo os autores, é possível que eles desejassem que o fim do mundo acabasse com a sua infelicidade.

Sobre os processos cognitivos, Shermer (2011) propõe que nós somos naturalmente inclinados a “buscar padrões” no mundo, o que envolve, entre outras coisas, identificar relações causais entre dois ou mais eventos. Por exemplo, descobrimos que os bebês vêm ao mundo porque seres humanos fazem sexo, que o clima afeta o ciclo da chuva e que estudar é um bom meio de se dar bem na vida. Contudo, de vez em quando, associamos eventos que não têm nada a ver uns com os outros. Exemplos disso são achar que o seu time do coração venceu o jogo porque você o assistiu com o seu avô, que as coisas vão mal porque você quebrou um espelho ou que o seu casamento finalmente aconteceu porque você fez uma promessa a um santo casamenteiro. Conforme também defende o psicólogo e pesquisador Pedro Sampaio (2016), as coincidências não só dariam origem às superstições populares, mas também fortaleceriam as crenças religiosas. Nesse sentido, é possível que as ideias apocalípticas sejam aguçadas por eventos que, para os mais religiosos, sinalizariam o cumprimento de alguma profecia sobre o fim dos tempos.

Por outro lado, isso não explica por que, digamos, nem todo cristão está achando que a pandemia de COVID-19 é um desses sinais. Uma das possíveis causas dessas diferenças individuais pode ter sido identificada por aquele estudo que eu mencionei previamente (Rubia & Pecina, 2012). Basicamente, quanto mais as pessoas entrevistadas achavam que o mundo acabaria em 2012, mais elas também acreditavam em coisas como premonições, bruxaria e superstições. Por motivos que merecem ser futuramente investigados, isso abre a possibilidade de que essas pessoas sejam genericamente mais suscetíveis aos “encantos” das coincidências, as quais alimentariam tanto as suas crenças supersticiosas quanto as suas crenças apocalípticas. Em outras palavras, podemos estar lidando com uma tendência psicológica geral de se associar coisas que, apesar das aparências, não têm uma relação causal umas com as outras.

As pesquisas empíricas sobre esse tema ainda estão engatinhando, e, em breve, o nosso grupo de pesquisa pretende lançar um pouco mais de luz sobre essas questões – especialmente durante a atual pandemia. Até lá, caso você queira conhecer outros estudos interessantíssimos que investigaram o perfil psicológico dos apocalipsistas – incluindo, a propósito, as suas características religiosas mais típicas –, confira aí o vídeo que eu postei recentemente em meu canal do YouTube.

Referências

  • Hellstrom, I. E. (2007). Eschatology and religiosity among christians: Patterns and relationships. (Dissertação de mestrado)
  • Rubia, J. M., & Pecina, C. A. T. (2012). Creencias en las profecías del final del mundo en 2012, estado de ánimo y pensamiento mágico. Psicología desde el Caribe, 29(2), 330–359.
  • Sampaio, P. H. F. (2016). O comportamento religioso: análise da religião e da religiosidade sob uma perspectiva behaviorista radical. (Dissertação de mestrado)
  • Shermer, M. B. (2011). The end is always nigh in the human mind. New Scientist, 210(2815), 30–31.
Daniel Gontijo

Daniel Gontijo

Doutor em Neurociências pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professor de Psicologia. Pesquisa as relações entre espiritualidade e saúde mental.