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O mais antigo osso de cão conhecido sugere que nossos melhores amigos estiveram conosco antes do que se pensava

Traduzido por Julio Batista
Original de Michelle Starr para o ScienceAlert

Um osso antigo está ajudando os cientistas a refinar a linha do tempo do relacionamento da humanidade com nossos melhores amigos – os companheiros caninos que iluminaram nossas vidas por milênios.

Quantos milênios? Bem, ninguém sabe ao certo. Mas a datação por carbono de precisão está ajudando a reduzi-la.

Um úmero canino recuperado da caverna Erralla no País Basco, na Espanha, em 1985, foi datado entre 17.410 e 17.096 anos atrás. E várias linhas de análise confirmam que não é de um lobo, mas de um cachorro: Canis familiaris. Isso significa que o úmero velho e rachado representa o osso de cachorro mais antigo até hoje.

Esse é um conjunto de dados incrível para contextualizar a domesticação de cães e abre novas discussões sobre a linha do tempo e a natureza dos restos mortais de “lobos semelhantes a cães”, considerados um estágio intermediário entre lobos e cães.

Quando e como os cães divergiram de seus ancestrais lobos (Canis lupus), e quando eles se tornaram domesticados, são assuntos de intensos debates.

Embora alguns acreditem que as duas espécies começaram a divergir há mais de 100.000 anos, é muito mais aceito que a domesticação do cão começou em algum momento entre 40.000 e 20.000 anos atrás. E é até possível que o processo tenha começado com os lobos se autodomesticando à medida que se apegavam aos assentamentos humanos.

Restos biológicos, no entanto, são difíceis de identificar. O tempo faz sua devastação no DNA, deixando a identificação geralmente com os ossos. Isso não é necessariamente confiável, já que os lobos podem ter tido uma variedade maior de formas corporais no passado ou podem ter variações regionais. Assim, chegamos aos lobos caninos, a partir de ossos com características caninas e lupinas, de 15.000 a 40.000 anos atrás.

Os restos mortais mais antigos identificados como cães domésticos – antes do osso da Caverna Eralla – vieram do Paleolítico Superior na Europa Ocidental, associados a uma cultura conhecida como Magdaleniana, que floresceu por volta de 17.000 a 12.000 anos atrás, observaram os pesquisadores. Esses restos, respectivamente, foram recuperados de Gironda, França Bonn-Oberkassel, Alemanha, e datados de 15.114 a 14.237 e 14.809 a 13.319 anos atrás.

O osso quebrado que pode refinar a história da domesticação dos cães. (Créditos: Hervella et al., J. Archaeol. Sci. Rep., 2022)

Uma equipe liderada pelo geneticista e antropólogo Montserrat Hervella, da Universidade do País Basco, na Espanha, empregou várias técnicas para analisar o osso de Eralla.

Primeiro, houve a datação por radiocarbono, uma técnica que se baseia no tempo de decaimento de um isótopo de carbono gerado na atmosfera da Terra e absorvido em tecidos vivos. Isso delimitou o tempo desde a última vez que o animal viveu e respirou.

Em seguida, eles usaram análises genéticas e morfológicas (estudando a forma do osso) para descobrir a espécie. Isso confirmou que o dono do osso era Canis familiaris – um cachorro domesticado. Além disso, compartilhava a linhagem mitocondrial com os outros cães magdalenianos, de Gironda e Bonn-Oberkassel.

O osso de cachorro de Eralla visto de diferentes ângulos. (Créditos: Hervella et al., J. Archaeol. Sci. Rep., 2022)

Essa linhagem traça a origem desses cães até o auge de uma era glacial, o Último Máximo Glacial, cerca de 22.000 anos atrás, quando o frio extremo dominou o globo, criando condições de vida que a palavra “extremas” não é suficiente para descrever.

“Estes resultados levantam a possibilidade de que a domesticação do lobo tenha ocorrido antes do que foi proposto até agora, pelo menos na Europa Ocidental, onde a interação de caçadores-coletores do Paleolítico com espécies selvagens, como o lobo, pode ter sido impulsionada em áreas de refúgio glacial (como como o franco-cantábrico) durante este período de crise climática”, disse o arqueólogo Conchi de la Rúa, da Universidade do País Basco.

A datação dos ossos também nos dá um cruzamento significativo com lobos caninos. Isso, observaram os pesquisadores, pode significar que precisamos reconsiderar o processo de domesticação, onde os lobos parecidos com cães eram considerados predecessores dos cães.

No entanto, outras pesquisas recentes sugerem que a domesticação de cães ocorreu mais de uma vez. Nesse cenário, a coexistência de cães e lobos semelhantes a cães como um cão precursor é certamente plausível.

Assim como nossos amigos caninos, os cientistas poderão passar mais tempo com ossos como esse por algum tempo.

A pesquisa foi publicada no Journal of Archaeological Science: Reports.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.