Traduzido por Julio Batista
Original de David Mole et. al para o The Conversation
A quantidade de oxigênio na atmosfera da Terra faz dela um planeta habitável.
Vinte e um por cento da atmosfera consiste neste elemento vivificante. Mas no passado remoto – até a era Neoarqueana, 2,8 a 2,5 bilhões de anos atrás – esse oxigênio estava quase ausente.
Então, como a atmosfera da Terra se tornou oxigenada?
Nossa pesquisa, publicada na Nature Geoscience, acrescenta uma nova possibilidade tentadora: que pelo menos parte do oxigênio inicial da Terra veio de uma fonte tectônica por meio do movimento e destruição da crosta terrestre.
A Terra Arqueana
O éon arqueano representa um terço da história do nosso planeta, de 2,5 bilhões de anos atrás a 4 bilhões de anos atrás.
Esta Terra alienígena era um mundo aquático, coberto por oceanos verdes, envolto em uma névoa de metano e completamente sem vida multicelular. Outro aspecto estranho deste mundo era a natureza de sua atividade tectônica.
Na Terra moderna, a atividade tectônica dominante é chamada de placas tectônicas, onde a crosta oceânica – a camada mais externa da Terra sob os oceanos – afunda no manto da Terra (a área entre a crosta terrestre e seu núcleo) em pontos de convergência chamados zonas de subducção.
No entanto, há um debate considerável sobre se as placas tectônicas operavam na era arqueana.
Uma característica das zonas de subducção modernas é sua associação com magmas oxidados.
Esses magmas são formados quando sedimentos oxidados e águas profundas – água fria e densa perto do fundo do oceano – são introduzidos no manto da Terra. Isso produz magmas com alto teor de oxigênio e água.
Nossa pesquisa teve como objetivo testar se a ausência de materiais oxidados em águas e sedimentos arqueanos profundos poderia impedir a formação de magmas oxidados.
A identificação de tais magmas em rochas magmáticas neoarqueanas poderia fornecer evidências de que a subducção e as placas tectônicas ocorreram 2,7 bilhões de anos atrás.
O experimento
Coletamos amostras de rochas granitoides de 2.750 a 2.670 milhões de anos em toda a subprovíncia de Abitibi-Wawa da Província Superior – o maior continente arqueano preservado que se estende por mais de 2.000 quilômetros de Winnipeg, Manitoba, ao extremo leste de Québec, Canabá.
Isso nos permitiu investigar o nível de oxidação dos magmas gerados ao longo da era Neoarqueana.
Medir o estado de oxidação dessas rochas magmáticas – formadas por meio do resfriamento e cristalização de magma ou lava – é um desafio. Eventos pós-cristalização podem ter modificado essas rochas através de deformação, soterramento ou aquecimento posterior.
Então, decidimos olhar para o mineral apatita que está presente nos cristais de zircônio dessas rochas.
Os cristais de zircônio podem suportar as intensas temperaturas e pressões dos eventos pós-cristalização. Eles retêm pistas sobre os ambientes em que foram originalmente formados e fornecem idades precisas para as próprias rochas.
Pequenos cristais de apatita com menos de 30 mícrons de largura – o tamanho de uma célula da pele humana – estão presos nos cristais de zircônio. Eles contêm enxofre. Ao medir a quantidade de enxofre na apatita, podemos estabelecer se a apatita cresceu a partir de um magma oxidado.
Conseguimos medir com sucesso a fugacidade de oxigênio do magma arqueano original – que é essencialmente a quantidade de oxigênio livre nele – usando uma técnica especializada chamada Espectroscopia de estrutura de borda próxima à absorção de raios-X (S-XANES) no síncrotron da fonte avançada de fótons no Laboratório Nacional de Argonne em Illinois, EUA.
Criando oxigênio a partir da água?
Descobrimos que o teor de enxofre do magma, que inicialmente estava em torno de zero, aumentou para 2.000 partes por milhão por volta de 2.705 milhões de anos. Isso indicou que os magmas se tornaram mais ricos em enxofre.
Além disso, a predominância de S6+ – um tipo de íon de enxofre – na apatita sugeriu que o enxofre era de uma fonte oxidada, combinando com os dados dos cristais de zircônio hospedeiros.
Essas novas descobertas indicam que os magmas oxidados se formaram na era neoarqueana, há 2,7 bilhões de anos. Os dados mostram que a falta de oxigênio dissolvido nos reservatórios oceânicos arqueanos não impediu a formação de magmas oxidados ricos em enxofre nas zonas de subducção.
O oxigênio nesses magmas deve ter vindo de outra fonte e acabou sendo liberado na atmosfera durante as erupções vulcânicas.
Descobrimos que a ocorrência desses magmas oxidados se correlaciona com os principais eventos de mineralização de ouro na Província Superior e no Cráton de Yilgarn (Austrália Ocidental), demonstrando uma conexão entre essas fontes ricas em oxigênio e a formação global de depósitos de minério de classe mundial.
As implicações desses magmas oxidados vão além da compreensão da geodinâmica da Terra primitiva. Anteriormente, pensava-se improvável que os magmas arqueanos pudessem ser oxidados, quando a água do oceano e as rochas ou sedimentos do fundo do oceano não eram.
Embora o mecanismo exato não seja claro, a ocorrência desses magmas sugere que o processo de subducção, onde a água do oceano é levada centenas de quilômetros para dentro do nosso planeta, gera oxigênio livre. Isso então oxida o manto sobrejacente.
Nosso estudo mostra que a subducção arqueana pode ter sido um fator vital e imprevisto na oxigenação da Terra, nas primeiras lufadas de oxigênio há 2,7 bilhões de anos e também no Grande Evento de Oxigenação, que marcou um aumento no oxigênio atmosférico em dois por cento 2,45 a 2,32 bilhões de anos atrás.
Tanto quanto sabemos, a Terra é o único lugar no Sistema Solar – passado ou presente – com placas tectônicas e subducção ativa. Isso sugere que este estudo poderia explicar parcialmente a falta de oxigênio e, finalmente, a vida nos outros planetas rochosos no futuro também.