O entendimento de uma moral plena, ou ao menos de fundamentos que nos auxiliem a compô-la do nosso modo, pode ser alcançado através de concepções científicas que temos acerca da realidade. Muitos críticos se opõem a este tipo de conclusão, acreditando que para formularmos uma moralidade precisamos de atributos celestiais eternos e supernaturais. Não que sejam as duas únicas possibilidades de fonte moral, porém, a intenção é tornar claro aqui que a perspectiva supernatural não será suficiente para sobrepor-se em relação à perspectiva natural. O insucesso está nessa tentativa. Mas se torna muito simples se analisarmos que o conhecimento que temos sobre a natureza, e como este tem se tornado tão íntimo e próximo do nosso alcance, supera até mesmo fronteiras geográficas ou de idioma, divisões políticas arbitrárias e dogmas religiosos soterrados no passado da menoridade humana.
E como algumas das mais atuais ciências podem nos permitir tamanha compreensão?
A biologia evolutiva nos ensina pequenas lições, mas que podem ser organizadas num complexo e imbricado panorama moral baseado na simplicidade. Aprendemos que todos somos originados de ancestrais compartilhados, levando a um ponto em comum com todos os seres vivos. Nossos microscópicos ancestrais, que foram se tornando mais diversificados ao longo do tempo, requerendo mais e mais energia para continuarem se perpetuando. Compartilhamos de linhas ancestrais que nos apontam para uma fragilidade singular, comum a tantos outros que vivem neste mundo. Predadores e presas, caças e caçadores. Estamos hoje, como estamos, graças a passos que foram dados ao longo de gerações inteiras, ininterruptamente. A simplicidade fez parte da nossa história evolutiva, por que deveríamos abandoná-la como princípio?
Nossos cérebros foram conquistados com muito esforço metabólico, muito custo nutricional. Das savanas à metrópole, aprendemos que caminhar sobre duas pernas pode ser extremamente arriscado, ao mesmo tempo que um risco valoroso. Temos mentes capazes de produzir cálculos matemáticos com precisão de muitas casas decimais, sinfonias de gênios imortais, esculturas tão realistas quanto a própria vida! Uma vida que mesmo sem propósito, continua sendo o nosso maior tesouro. As neurociências caminham conosco, na tentativa de sanar perguntas deste mesmo cérebro que as produz.
E não é só isso…
Diante da vastidão do universo, podemos apreender muito através de ramos mais internos do saber físico, como a cosmologia e da astronomia. Vivemos em um planeta pequeníssimo e timidamente localizado entre gigantes, se comparado com a dimensão que possuem outros corpos, como planetas gasosos, satélites naturais e estrelas centenas de vezes maiores que a nossa Lua ou o nosso Sol. Estamos confortavelmente situados numa região que nos permitiu habitar este planeta sem virarmos pó ou sermos esmagados com uma pressão absurdamente imensa para que nossos corpos suportassem um segundo sequer. E isso nos ensina que podemos aprender a olhar menos para nós mesmos como gigantes, e mais como grãos de poeira invisíveis nesse ponto azul tão apagado quando visto de longe.
Tanto quanto a simplicidade de nossos ancestrais evolutivos, que nos ensina que fomos precedidos por pequenos organismos (que consideraríamos insignificantes perante nosso olhar macroscópico), a maestria de um universo finito e sem motor se coloca imensurável diante da nossa pequenez. Somos insignificantes? Podemos olhar por outra perspectiva, nos vendo mesmo como integrantes. Parte componente desse todo cósmico que nos surpreende a cada novo ano-luz percorrido por nossos persistentes satélites e sondas ainda mais precisas.
A ciência pode nos prover um suporte muito mais refinado que qualquer sistema moral que já tenha sido concebido. Para isto, basta que continuemos avançando rumo a novas descobertas, cada vez mais surpreendentes sobre a natureza que nos abraça tão gentilmente. Uma concepção ecológica também pode ser obtida a partir da ciência, pois o que somos senão parte desse mundo, desse cosmos inteiro que está em nós mesmos. Reflexividade sobre o mundo que não podemos obter de nenhuma outra forma, de modo tão preciso e avassalador.
Requer apenas um pouco de imaginação e um olhar puro ao contemplarmos um céu noturno iluminado por estrelas tão distantes das nossas mãos, mas tão próximas quando somos capazes de apenas admirar isto que faz parte do cenário que se coloca tão imponente, mas ao mesmo tempo tão delicado e necessitado de cuidados, que muitas vezes negligenciamos tão insistentemente.
Ainda há tempo de tomar consciência sobre o quão bela e facilitadora pode ser a ciência acerca da moral, ao nos colocar face a face com aquilo que nos compõe em átomos, moléculas, células. Podemos, apesar da impressão de tempo perdido diante de tantas guerras, tantos colapsos geopolíticos, compreender o quanto é necessário não levar conflitos tão a sério se queremos chegar ao ápice do que poderíamos ter levado menos séculos para conseguir ver o que estamos prestes a conseguir.
Estamos chegando próximos ao topo do pico mais alto, que vai nos permitir olhar de cima e ver que da ameba só vista pelo microscópio ao pequeno inseto que pousa na mais fina folha, do roedor mais singelo ao mais esplendoroso pássaro, do grão de areia ao mais longínquo planeta do nosso sistema solar, ou ainda além, somos componentes de tudo isso que chamamos de universo.
Alguns pensamentos que inspiraram ou podem auxiliar no entendimento deste texto:
- Pálido Ponto Azul, Carl Sagan
- A ciência pode responder questões morais, Sam Harris
- A Poesia da Ciência, Neil deGrasse Tyson e Richard Dawkins