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O racismo de Carl Jung

Publicado na Neuroskeptic

O psicanalista suíço Carl Jung (1875-1961) foi um dos psicólogos mais conhecidos do século XX. Ele introduziu conceitos famosos como personalidades introvertidas e extrovertidas e a ideia do “complexo” psicológico.

Hoje, a psicologia junguiana ou analítica mantém uma comunidade ativa. Mas uma Carta Aberta publicada recentemente por vários junguianos proeminentes aponta para problemas sérios dentro dessa comunidade.

A carta reconhece que os escritos de Jung continham racismo e pede desculpas pelo fracasso dos junguianos em confrontar esse fato anteriormente.

A Carta Aberta, particularmente, refere-se a um artigo de 1988 de Farhad Dalal, que foi francamente intitulado Jung: A Racist (Jung: Um Racista, em português). Nesse texto, Dalal apontou vários casos de racismo nos escritos de Jung, voltados principalmente para africanos, mas também para indianos e árabes.

O artigo de Dalal é uma leitura esclarecedora para qualquer pessoa interessada na história da psicologia e contém alguns exemplos muito francos do racismo de Jung. Não estamos apenas falando sobre o uso de terminologia “politicamente incorreta” e não tenho certeza se a defesa do “ele é um homem do seu tempo” é adequada, embora as pessoas tenham que julgar por si mesmas.

Achei a seguinte passagem de Jung especialmente perturbadora:

Um incidente na vida de um bosquímano [habitantes indígenas do deserto do Kalahari] pode ilustrar o que quero dizer [um argumento sobre a ‘identidade de sujeito e objeto’]. Um bosquímano tinha um filho que o amava com o terno amor de macaco característico dos seres primitivos. Psicologicamente, esse amor é completamente autoerótico – ou seja, o sujeito ama a si mesmo no objeto. O objeto funciona como uma espécie de espelho erótico.

Um dia, o bosquímano voltou para casa furioso; ele estava pescando como sempre e não pegou nada. Como de costume, o garotinho veio correndo ao seu encontro, mas seu pai o agarrou e torceu seu pescoço no local. Depois, é claro, ele chorou pela criança morta com o mesmo abandono impensado que causou sua morte.

A fonte desse “incidente” não foi declarada, mas é apresentada como evidência factual para as afirmações psicológicas de Jung.

Dalal cita essa passagem do livro Tipos Psicológicos de Jung, escrito em 1920; esta seção apareceu inalterada na edição final de 1949 do livro.

O artigo de Dalal destaca muito mais material nas mesmas linhas. Posso entender por que os junguianos da Carta Aberta sentem a necessidade de se distanciar de tais ideias, ainda que tardiamente.

A carta segue discutindo as implicações dos escritos de Jung para as organizações junguianas contemporâneas:

Lamentamos profundamente por termos demorado tanto para fazer uma declaração como esta. Percebemos que tem sido extremamente difícil para as pessoas de ascendência africana e outras populações que foram caluniadas de forma semelhante pensarem em entrar no treinamento e tratamento junguiano ou em se tornar um analista junguiano. Embora seja verdade que as pessoas de cor estão sub-representadas nas psicoterapias em geral, os dados sociais sugerem que, onde as comparações podem e foram feitas, o problema é ainda mais acentuado nas comunidades clínicas junguianas.

Uma coisa que a Carta Aberta não discute, entretanto, é a questão de saber se o racismo de Jung era parte integrante de sua teoria psicológica.

Está claro no artigo de Dalal que Jung via os “primitivos” como uma importante fonte de evidência para suas ideias. O conceito de fenômenos mentais “primitivos” é, de fato, importante na psicologia de Jung.

Grosso modo, Jung afirmava que todas as pessoas possuem uma mente primitiva, mas nas pessoas civilizadas (brancas), isso é sobreposto por um eu individual consciente. Ele via os “primitivos” como uma visão clara das coisas ocultas na psique civilizada.

Então, poderia ser argumentado que a psicologia de Jung é construída sobre fundamentos racistas? Seria interessante explorar o quão fundo a podridão vai – como Andrew Samuels, um dos signatários, fez 20 anos atrás em relação à questão do alegado antissemitismo de Jung, que é outro tópico espinhoso.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.