Traduzido por Julio Batista
Original de Adam Frank para o Big Think
Realidade: que conceito fascinante.
Se você acompanha esta coluna, sabe que eu e o Marcelo [Gleiser] estamos profundamente interessados no que a ciência — especialmente a física — nos diz sobre a natureza da realidade. A ciência nos dá acesso perfeito a uma realidade perfeitamente objetiva que existe em algum lugar lá fora, independente de nós? Ou há algo sobre a natureza do ser humano que ajuda a pintar todo esse cenário? Essa questão me atingiu com força há duas semanas, quando participei de um fantástico encontro de três dias na Universidade da Califórnia, Berkeley, EUA, chamado “Buddhism, Physics, and Philosophy Redux” (Budismo, Física e Filosofia Reducionista, na tradução livre). Escrevi um pouco sobre a reunião pouco antes de acontecer (você pode ler sobre isso aqui). Hoje, quero refletir sobre algo que me veio à mente durante as palestras que sempre me pareceu estranho.
Ao longo da reunião, a noção de realismo foi surgindo. Este ou aquele filósofo budista era realista? Esta ou aquela interpretação da mecânica quântica é antirrealista? Esses termos foram usados casualmente, mas sempre senti que os estávamos usando exatamente no sentido oposto do que deveriam significar. Isso requer uma explicação.
Uma divisão clássica
Na filosofia, o termo realismo refere-se à posição de que existe um mundo lá fora independente de nós. O mundo é feito de coisas com suas próprias propriedades inerentes que podem ser conhecidas por si mesmas. A ciência oferece os meios para determinar essas propriedades. O termo é frequentemente contrastado com idealismo, que afirma que apenas alguma versão “mental” realmente existe – seja como for que você queira interpretar isso. A verdadeira realidade, de acordo com o idealismo, corresponde a puras abstrações ideais. Um exemplo disso é a ideia de Platão de que apenas a forma matemática dos círculos realmente existe, não as versões ruins de círculos que apreendemos por meio de nossos sentidos ruins. Essa batalha entre realismo e idealismo vem acontecendo há muito tempo (Platão formaliza tal batalha na Filosofia Ocidental). Isso cria uma dualidade onde se você é um idealista, você também é um antirrealista.
Agora, eu sou um cientista, e também não sou um idealista, então não aceito ser chamado de antirrealista (se eu fosse um caubói em um bar no Velho Oeste, me chamar de antirrealista seria me chamar para um duelo). No entanto, a forma como o realismo se desenrola nos debates modernos sobre as fronteiras da ciência me deixa indiferente. Acho que perde o rumo. Existem outras maneiras de confrontar a realidade além da habitual divisão realista vulgar/idealista.
Abstrações do realismo
O problema com o realismo contemporâneo [vulgar] é que ele pega as abstrações que a ciência usa para descrever a experiência e as transforma em material da realidade, mesmo quando essa postura apresenta grandes problemas. A função de onda na mecânica quântica é o exemplo básico disso. A função de onda é o objeto matemático que os físicos usam para descrever e prever o comportamento de fenômenos em nanoescala, como os átomos. É também a fonte de muita estranheza na física quântica, como partículas que estão em dois lugares ao mesmo tempo (pense no paradoxo do gato de Schrodinger).
Mas esse tipo de estranheza só aparece quando você é realista vulgar sobre a função de onda. Se você pensar que é algo tão real quanto mesas ou cadeiras, então, sim, o elétron pode estar em dois lugares ao mesmo tempo. Nesse caso, você acaba tendo que fazer um sério yoga metafísico para se desvencilhar do paradoxo dessa posição. Outro exemplo dessa variante do paradoxo realista vulgar vem com o universo de blocos, um aspecto da teoria da relatividade geral de Einstein. De acordo com essa visão, a natureza quadridimensional do espaço-tempo implica que todos os eventos – passado e futuro – já existem e sempre existiram. Essa forma de narrativa realista vulgar acaba eliminando o agora real, que é a única coisa que qualquer um de nós realmente experimenta.
Falácias do realismo vulgar
O grande matemático e filósofo Alfred North Whitehead chamou esse tipo de pensamento de “a falácia da concretude deslocada”. Nesse caso, os chamados realistas [vulgares] favorecem as abstrações que nós, cientistas, usamos para descrever nossos experimentos sobre o concreto. Isso confunde o mapa com o terreno. O mapa é o que construímos para nos ajudar a entender a experiência científica (experimentos, observações e assim por diante), mas ainda se baseia na experiência mais fundamental e básica de apenas, você sabe, estar vivo. Entender isso abre uma perspectiva que pode nos levar além da habitual divisão realista vulgar/idealista. Construir tal visão nos abre para filosofias que usam nomes como empirismo ou pragmatismo, bem como ideias de filósofos budistas como Nagarjuna.
Eu certamente acredito que existe um mundo lá fora sem nós. Mas as descrições que criamos com a ciência nunca podem ser independentes de nossa perspectiva. Elas não podem ser separadas de nossa experiência como seres humanos corporificados, com cada um de nós usando linguagens aprendidas em comunidades humanas. Deste ponto de vista, a ciência não é objetiva porque aponta para algum reino das fadas ideal da visão de Deus. Em vez disso, a ciência é objetiva porque nos permite criar mapas que podemos testar juntos, comparando-os com os resultados de experimentos.
No que me diz respeito, isso é realismo real, o realismo “papo reto”. Qualquer coisa menos que isso deixa você com relatos perfeitos e hermeticamente fechados de uma realidade independente que não tem lugar para viver, respirar, experienciar. Acaba torturado com paradoxos irreais.