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O texto “Deus” não foi escrito pelo filósofo Baruch Spinoza

Introdução

O texto “Deus”, atribuído equivocadamente ao filósofo racionalista Baruch von Spinoza, é o que mais circula em grupos de ateísmo e religião. Ele possui uma linguagem metafórica e um apelo espiritual, o que revela incompatibilidade com o próprio pensamento de Spinoza.

Baruch Spinoza, Deus e Monismo

A posição teológica de Spinoza é conhecida pela expressão Deus sive Natura, encontrada originalmente na obra Meditações do filósofo René Descartes, que apresenta a ideia de uma divindade imanente e unida à natureza.

Spinoza entende a expressão Deus sive Natura como a ideia de uma unidade de substância (monismo) em vez de uma dualidade (dualismo). Ele escreve: “O poder do homem, como é explicado por sua essência atual, faz parte do poder infinito, ou seja, da essência de Deus ou da natureza”.

Deus sive Natura é uma expressão que carrega uma infinidade de atributos, que incluem o pensamento e a realidade física. Spinoza pressupõe a existência de uma substância universal, composta tanto pelo corpo quanto pela mente, e indiferenciável. Essa posição ficou conhecida como monismo neutro.

Essa visão imanentista de Deus sive Natura implica na concepção de que Deus é ele próprio o sistema do qual todos os elementos contidos na natureza fazem parte, um Deus não personificado que é o próprio mundo natural. Durante sua vida, essa posição levou Spinoza a ser acusado de panteísmo e, até mesmo, ateísmo.

Deus espiritual

Explicada a posição teológica de Spinoza sobre a natureza de Deus, o que fica evidente é a incompatibilidade do texto com a própria postura do filósofo. Então, afinal, quem escreveu o texto?

O texto foi escrito pelo autodeclarado médium mexicano Francisco Javier Ángel Real, conhecido pelo pseudônimo de Anand Dilvar, e pode ser encontrado em seu livro Conversaciones con mi Guía (pág. 14). No livro, Real relata um fantasioso diálogo com uma entidade espiritual:

Abaixo, segue a versão traduzida atribuída equivocadamente ao filósofo Spinoza:

Para de ficar rezando e batendo no peito! O que eu quero que faças é que saias pelo mundo e desfrutes de tua vida. Eu quero que gozes, cantes, te divirtas e que desfrutes de tudo o que Eu fiz para ti.

Para de ir a esses templos lúgubres, obscuros e frios que tu mesmo construíste e que acreditas ser a minha casa. Minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos rios, nos lagos, nas praias. Aí é onde Eu vivo e aí expresso meu amor por ti.

Para de me culpar da tua vida miserável: eu nunca te disse que há algo mau em ti, ou que eras um pecador, ou que tua sexualidade fosse algo mau. O sexo é um presente que Eu te dei e com o qual podes expressar teu amor, teu êxtase, tua alegria. Assim, não me culpes por tudo o que te fizeram crer.

Para de ficar lendo supostas escrituras sagradas que nada têm a ver comigo. Se não podes me ler num amanhecer, numa paisagem, no olhar de teus amigos, nos olhos de teu filhinho… Não me encontrarás em nenhum livro!

Confia em mim e deixa de me pedir. Tu vais me dizer como fazer meu trabalho? Pára de ter tanto medo de mim. Eu não te julgo, nem te critico, nem me irrito, nem te incomodo, nem te castigo. Eu sou puro amor.

Para de me pedir perdão. Não há nada a perdoar. Se Eu te fiz… Eu te enchi de paixões, de limitações, de prazeres, de sentimentos, de necessidades, de incoerências, de livre-arbítrio.

Como posso te culpar se respondes a algo que eu pus em ti? Como posso te castigar por seres como és, se Eu sou quem te fez? Crês que eu poderia criar um lugar para queimar a todos meus filhos que não se comportem bem, pelo resto da eternidade? Que tipo de Deus pode fazer isso?

Esquece qualquer tipo de mandamento, qualquer tipo de lei; essas são artimanhas para te manipular, para te controlar, que só geram culpa em ti. Respeita teu próximo e não faças o que não queiras para ti. A única coisa que te peço é que prestes atenção a tua vida, que teu estado de alerta seja teu guia.

Esta vida não é uma prova, nem um degrau, nem um passo no caminho, nem um ensaio, nem um prelúdio para o paraíso. Esta vida é a única que há aqui e agora, e a única que precisas.

Eu te fiz absolutamente livre. Não há prêmios nem castigos. Não há pecados nem virtudes. Ninguém leva um placar. Ninguém leva um registro. Tu és absolutamente livre para fazer da tua vida um céu ou um inferno.

Não te poderia dizer se há algo depois desta vida, mas posso te dar um conselho: vive como se não o houvesse. Como se esta fosse tua única oportunidade de aproveitar, de amar, de existir. Assim, se não há nada, terás aproveitado da oportunidade que te dei. E se houver, tem certeza que Eu não vou te perguntar se foste comportado ou não. Eu vou te perguntar se tu gostaste, se te divertiste… Do que mais gostaste? O que aprendeste?

Para de crer em mim – crer é supor, adivinhar, imaginar. Eu não quero que acredites em mim. Quero que me sintas em ti. Quero que me sintas em ti quando beijas tua amada, quando agasalhas tua filhinha, quando acaricias teu cachorro, quando tomas banho no mar.

Para de louvar-me! Que tipo de Deus ególatra tu acreditas que Eu seja? Aborrece-me que me louvem. Cansa-me que me agradeçam. Tu te sentes grato? Demonstra-o cuidando de ti, de tua saúde, de tuas relações, do mundo. Sentes-te olhado, surpreendido?… Expressa tua alegria! Esse é o jeito de me louvar.

Para de complicar as coisas e de repetir como papagaio o que te ensinaram sobre mim. A única certeza é que tu estás aqui, que estás vivo, e que este mundo está cheio de maravilhas. Para que precisas de mais milagres? Para que tantas explicações?

Não me procures fora! Não me acharás. Procura-me dentro de ti. Aí é que estou.

Universo Racionalista

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Fundada em 30 de março de 2012, Universo Racionalista é uma organização em língua portuguesa especializada em divulgação científica e filosófica.