Por Michelle Starr
Publicado na ScienceAlert
Júpiter pode ter a tempestade mais famosa do Sistema Solar, mas isso não significa que só lá tem coisas do tipo – e Netuno acaba de apresentar aos cientistas uma surpresa.
Embora vórtices de tempestade não sejam incomuns no gigante de gelo distante, esta é a primeira vez que um é observado voltando para a região polar após migrar em direção ao equador.
Os astrônomos ainda não sabem ao certo como, ou porquê, ela conseguiu mudar o curso, mas descobrir isso poderia nos dizer mais sobre a dinâmica atmosférica de Netuno.
Netuno é realmente muito difícil de ver em comparação com os outros planetas do Sistema Solar. Está bem longe do Sol, a uma distância média 30 vezes maior que a da entre a Terra e o Sol, o que torna difícil distinguir muitos detalhes. Portanto, não foi até 1989, quando a Voyager 2 fez seu sobrevoo, que duas tempestades foram descobertas em Netuno.
Desde então, o Hubble – o único instrumento capaz de fazer isso – observou e rastreou mais quatro dessas tempestades, chamadas Manchas Escuras por sua tonalidade mais escura do que a atmosfera circundante.
Geralmente, o comportamento delas têm sido bastante semelhante: elas aparecem em latitudes médias, permanecem por cerca de dois anos enquanto migram em direção ao equador e depois se dissipam. Então, quatro a seis anos depois, outra aparece.
Essa tempestade, no entanto, a quarta observada pelo Hubble, chamada NDS-2018, tem sido a exceção.
“Foi muito emocionante ver esta agir como previsto e, de repente, ela simplesmente para e volta”, disse o cientista planetário Michael Wong, da Universidade da Califórnia em Berkeley (EUA). “Isso foi surpreendente”.
A NDS-2018, como o nome sugere, foi descoberta pela primeira vez em 2018. Naquela época, ela vinha crescendo há vários anos e media cerca de 11.000 quilômetros de diâmetro.
Quando Hubble a observou novamente em janeiro de 2020, ela estava se comportando como esperado, migrando para o sul em direção ao equador a partir das latitudes médias do norte.
À medida que migrou, esperava-se que o efeito Coriolis que mantinha a tempestade estável em latitudes médias enfraquecesse, desaparecendo gradualmente no momento em que a tempestade atingisse o equador. Então, de acordo com simulações e observações anteriores, a NDS-2018 deveria ter desaparecido.
Mas aquelas observações de janeiro revelaram algo estranho – uma mancha escura ligeiramente menor, como uma versão em miniatura de uma tempestade maior. A NDS-2018 tinha, naquela época, cerca de 7.400 quilômetros de diâmetro. A Mancha Escura Jr., como foi apelidada, tinha cerca de 6.275 quilômetros de diâmetro.
Então, em agosto deste ano, quando o Hubble observou a NDS-2018 (é um telescópio muito ocupado e não pode ficar apenas olhando para Netuno o tempo todo), a tempestade estava voltando ao norte. A Mancha Escura Jr. tinha ido embora.
“Estamos entusiasmados com essas observações porque este fragmento escuro menor é potencialmente parte do processo de interrupção da mancha escura”, disse Wong.
“Este é um processo que nunca foi observado. Nós vimos algumas outras manchas escuras desbotando, e elas sumiram, mas nunca vimos nada interromper esse processo, mesmo que seja previsto em simulações de computador”.
É impossível saber exatamente o que aconteceu, mas o aparecimento e subsequente desaparecimento da Mancha Escura Jr. pode ser uma pista. Por um lado, estava perto do lado da região da NDS-2018 que ficava mais próxima do equador. De acordo com as simulações, se alguma coisa perturbasse uma tempestade netuniana, isso aconteceria.
O fato da Mancha Escura Jr. ter aparecido da forma que apareceu também pode ser uma pista.
“Quando vi a pequena mancha pela primeira vez, pensei que a maior estava sendo interrompida. Não pensei que outro vórtice estivesse se formando, porque o pequeno está mais longe em direção ao equador. Portanto, está dentro desta região instável. Mas não podemos provar que as duas estão relacionadas. Permanece um mistério completo”, disse Wong.
“Foi também em janeiro que o vórtice escuro parou seu movimento e começou a se mover para o norte novamente. Talvez, ao se desprender desse fragmento, isso foi o suficiente para impedi-lo de se mover em direção ao equador”.
Ainda há muito que não sabemos sobre as manchas escuras de Netuno. Elas estão bastante vazias de nuvens no meio, em comparação com os vórtices de tempestade em Saturno e Júpiter. As nuvens que podemos detectar são nuvens brancas e suaves que aparecem nas bordas, provavelmente como resultado do congelamento de gases em cristais de gelo de metano à medida que são levantados de altitudes mais baixas.
Nesse aspecto, o NDS-2018 fornece mais um mistério: suas nuvens brancas e suaves desapareceram quando a tempestade mudou de direção.
Isso pode revelar mais informações sobre como as tempestades netunianas evoluem, dizem os pesquisadores. Enquanto isso, eles também estão olhando mais de perto os dados disponíveis para ver se conseguem encontrar mais informações sobre a Mancha Escura Jr., para verificar se a tempestade menor, ou partes dela, pode ter durado um pouco mais.
Quando o Hubble voltar seu olhar brilhante para Netuno como parte do programa Outer Planet Atmospheres Legacy, os cientistas estarão realmente interessados em ver o que a NDS-2018 está fazendo.
A pesquisa da equipe foi apresentada na reunião da União de Geofísica dos Estados Unidos.