Traduzido por Julio Batista
Original de Michelle Starr para o ScienceAlert
Vênus pode ser um dos objetos mais brilhantes e bonitos do nosso céu noturno, mas não se engane: nosso planeta vizinho é profundamente inóspito para a vida como a conhecemos – um mundo tóxico e escaldante no qual os humanos nunca serão capazes de pisar.
Apesar das diferenças de habitabilidade, porém, Vênus compartilha algumas semelhanças impressionantes com a Terra. Ambos os planetas têm aproximadamente o mesmo tamanho, massa e densidade e têm composições muito semelhantes. Isso levanta a questão: Vênus poderia ter sido habitável?
Um novo estudo descobriu que, se Vênus já teve condições habitáveis e água líquida em sua superfície, foi há muito tempo e durou apenas um breve período antes que o planeta se transformasse no mundo seco e árido que é hoje.
Os cientistas planetários Alexandra Warren e Edwin Kite, da Universidade de Chicago, EUA, modelaram a história da atmosfera de Vênus para determinar a taxa e os mecanismos de perda de oxigênio – o que, por sua vez, revelou que, se o planeta já teve água líquida (o que alguns cientistas duvidam), isso teria sido há mais de 3 bilhões de anos.
Eis como Vênus é agora: é extremamente seco e extremamente pobre em oxigênio. Sua atmosfera é composta por 96% de dióxido de carbono e 3% de nitrogênio, com vestígios de outros gases, como o dióxido de enxofre.
Sua atmosfera é extremamente densa, com pressão mais de 90 vezes maior que a da Terra, devastada por fortes ventos e chuvas de ácido sulfúrico.
E como sua atmosfera é tão espessa, o calor não consegue escapar. Vênus tem a temperatura de superfície mais quente de qualquer planeta do Sistema Solar, com uma média de 464 graus Celsius.
No início da história do Sistema Solar, quando o Sol era menos poderoso, Vênus pode ter sido mais temperado, com lagos e oceanos de água líquida.
Os cientistas planetários querem saber como e por que Vênus chegou à condição em que está agora; como Vênus é tão semelhante à Terra – com alguns modelos climáticos sugerindo que Vênus poderia ter tido água há menos de um bilhão de anos – trabalhar sua história pode nos ajudar a descobrir a probabilidade de nosso planeta natal seguir o mesmo caminho.
A falta de oxigênio na atmosfera de Vênus é um pouco intrigante. Se o planeta tivesse tido um oceano líquido, essa água teria evaporado na atmosfera à medida que Vênus se aquecesse, fragmentando-se em hidrogênio e oxigênio por meio da fotodissociação, uma reação química desencadeada pela luz solar.
O hidrogênio teria vazado para o espaço, mas o oxigênio deveria ter permanecido.
Warren e Kite queriam saber para onde o oxigênio poderia ter ido, então construíram um modelo baseado em um planeta Vênus habitável. Eles colocaram oceanos de água na superfície de Vênus, adicionaram mecanismos que poderiam ter contribuído para a perda de oxigênio e ajustaram parâmetros como a quantidade de água e o período de tempo em que ela poderia estar presente.
Eles deixaram o modelo ser executado 94.080 vezes, considerando-o bem-sucedido se os níveis de dióxido de carbono, água e monóxido de carbono no final da simulação estivessem dentro dos limites superiores daqueles gases na atmosfera de Vênus hoje.
No final, apenas uma pequena porcentagem das execuções do modelo foram bem-sucedidas e mostraram algumas tendências interessantes.
Uma possibilidade é que o oxigênio de Vênus tenha se ligado ao carbono emitido pelos vulcões para formar dióxido de carbono, mas isso parecia bastante improvável.
Em vez disso, o oxigênio parecia mais propenso a sofrer um dos dois destinos: vazar para o espaço ou ser sequestrado na forma de magma oxidável, como o basalto, na superfície do planeta. E os oceanos deveriam ter secado há mais de 3 bilhões de anos.
Mas a magnitude da atividade vulcânica passada de Vênus pode ser limitada pela quantidade de argônio radioativo ainda presente na atmosfera do planeta. Ao determinar o quão ativo era o vulcanismo de Vênus no passado, os pesquisadores foram capazes de estimar quanta água o planeta poderia ter.
A resposta não é muito. Os oceanos de Vênus não poderiam ter mais de 300 metros de profundidade. Isso é menos de 10% da profundidade média do oceano de 3.688 metros da Terra.
Assim, os resultados reconciliam a falta de oxigênio na atmosfera atual de Vênus com potenciais condições habitáveis iniciais, mas a brecha, disseram os pesquisadores, é estreita.
Essa brecha se torna ainda mais estreita quando o registro de argônio é considerado. Menos de 0,4% das execuções foram bem-sucedidas ao levar em consideração todo o escopo da atmosfera atual de Vênus.
Missões futuras podem tentar medir a composição da superfície de Vênus para ajudar a determinar se o planeta realmente corrobora com essa brecha muito estreita.
A pesquisa foi publicada na revista Proceedings of the National Academy of Sciences.