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Os alvos apropriados do ceticismo

Traduzido por Julio Batista
Original de Steven Novella para a The New England Skeptical Society

Por que, como céticos ativistas, fazemos o que fazemos? Que afirmações e crenças merecem a atenção de nossa análise fria e crítica contundente? Por que os leitores desse site deveriam se preocupar com uma dissecação cuidadosa da tola crença paranormal do momento? Não deveríamos restringir nossas atividades e atenção a questões sérias de importância política e social?

Essas questões são críticas para nossa identidade como céticos – como indivíduos, como organização e como movimento. Não é de admirar que tais perguntas sejam onipresentes nas entrevistas que faço sobre a NESS (Sociedade Cética da Nova Inglaterra, na sigla em inglês), tanto para a televisão quanto para os jornais impressos. Como presidente da NESS, tais questões estão justamente em meu escopo. Mas todos os céticos carregam o fardo de tais perguntas, e não é de admirar que essas perguntas estejam entre as mais comuns que recebo de nossos membros.

Embora eu sinta que há um diálogo contínuo e saudável entre os céticos sobre esse assunto, um exame de consciência coletivo, se preferir, que esperamos continuar a refinar nossa missão, tenho uma visão pessoal que gostaria de compartilhar.

Começarei revisando o que acredito serem os principais objetivos da NESS e do ceticismo organizado. Certamente, desejamos influenciar a opinião pública com relação ao papel vital da ciência na sociedade, a necessidade de pensamento crítico e educação aprimorada nessa área e a necessidade de proteger a instituição da ciência da intrusão de agendas políticas, sociais ou religiosas. Também somos uma organização educacional e, como tal, nos esforçamos para educar os céticos e o público em geral sobre crenças paranormais e pseudocientíficas específicas, fornecendo uma perspectiva muito necessária, muitas vezes ignorada pela grande mídia. Por fim, esperamos informar a legislação e as políticas públicas com a perspectiva científica adequada e informações precisas.

Nossas atividades têm vários públicos definíveis. O primeiro é o público em geral – nem céticos em si, nem verdadeiros crédulos. O segundo público-alvo são os céticos autodefinidos, que certamente compreendem a maior parte dos leitores da NESS. Em terceiro lugar, visamos legisladores e funcionários públicos, aqueles que realmente tomam decisões que afetam nossa sociedade e nossas vidas. E, finalmente, visamos especificamente os educadores, que variam do espectro do crédulo ao cético, mas que são essenciais para uma de nossas missões principais: melhorar a qualidade da ciência e da educação do pensamento crítico.

Nos dois últimos grupos, nossos esforços e os tópicos que tratamos geralmente são altamente focados e tratam de assuntos de importância clara e imediata. Ao lidar com o público em geral e céticos, no entanto, lidamos com todo o espectro de tópicos sobre ceticismo, incluindo aqueles que são reconhecidamente tolos e absurdos.

Minha defesa principal de lidar com toda a gama de alegações paranormais e pseudocientíficas, independentemente de sua importância social ou tolice, deriva de nossa missão de educar os céticos e o público sobre lógica e pensamento crítico. Na verdade, para o propósito de ensinar pensamento crítico, o assunto da crítica é quase irrelevante. Os mecanismos de autoengano, a estrutura de um argumento lógico e as falácias lógicas nas quais as pessoas tendem a cair são os mesmos, independentemente da crença em questão.

Ao longo dos anos, tenho me envolvido em argumentos e discussões com crédulos de todos os tipos, e tornou-se cada vez mais claro que os crédulos se envolvem nas mesmas falácias e distorções lógicas, não importando o assunto de sua crença. O que isso significa é que dissecar os argumentos de qualquer sistema de crença, mesmo os mais tolos, fornece grande valor para aprender sobre falácias lógicas e a natureza da própria crença. As lições aprendidas podem então ser aplicadas a questões de grande importância social. Eu argumentaria ainda que há novas perspectivas a serem obtidas a partir do estudo de uma grande amostra de crenças bizarras, porque permite que certos padrões surjam – padrões de racionalização e padrões de argumentação.

Para o público em geral, o propósito de assumir uma crença boba, mas pseudocientífica, é que algumas (na verdade muitas) pessoas estão interessadas no assunto. Se os círculos nas plantações são ou não obra de alienígenas ou fraudadores, pode não parecer ter muita importância para a sociedade (especialmente se você pensa que são obra de fraudadores), mas o fato de haver um grande interesse público no tópico significa que ele representa uma oportunidade para ensinarmos os métodos adequados de investigação científica e pensamento crítico, lições que esperamos que sejam aplicadas a outras áreas de investigação.

Também é verdade que muitos céticos se tornaram céticos por causa de sua experiência com uma crença anteriormente mantida. Ao ver os erros lógicos, a deturpação dos fatos pela grande mídia e pelos crédulos, e os frutos de uma análise cuidadosa, o poder da posição cética foi mostrado a eles. Não é difícil estender essas percepções a todas as afirmações, e então as crenças paranormais e pseudocientíficas caem uma a uma.

Para os céticos, o objetivo é se tornar um cético melhor. A capacidade de reconhecer imediatamente falácias lógicas cada vez mais sutis e explicar exatamente por que elas são inválidas é uma ferramenta indispensável para o cético, que pode ser aprimorada ao desafiar qualquer crença. Além disso, é importante que os autodenominados céticos sejam capazes de explicar, quando assim desafiados, por que crenças paranormais específicas provavelmente não são verdadeiras. Caso contrário, nos encontraremos em situações em que não podemos defender nosso ceticismo, ou seremos vistos como negacionistas ou fanáticos. Ser capaz de citar um fato bem referenciado e evidenciado é muito poderoso no debate, tornando muito valioso para o cético ter pelo menos um conhecimento básico dos tópicos paranormais e pseudocientíficos mais comuns.

Uma defesa final de nossa política de abordar toda a gama de tópicos paranormais e pseudocientíficos é que eles costumam ser muito divertidos. Há um certo fascínio mórbido em examinar os extremos da credulidade humana e os malabarismos lógicos muitas vezes envolvidos com tais crenças. Embora estejamos muito conscientes do fato de que nossa missão é a educação e não o entretenimento, é provável que tenhamos sucesso em nossa missão se pudermos fazer as duas coisas ao mesmo tempo.

Tendo defendido o valor de analisar criticamente qualquer afirmação ou crença, gostaria de salientar que ainda é necessário aplicar alguns padrões na seleção de quais tópicos abordar. Nós nos concentramos em tópicos que têm alguma importância prática para as pessoas e para a sociedade. Por exemplo, tenho um interesse especial em examinar a medicina alternativa e as fraudes na saúde, que certamente têm um impacto dramático na saúde e na vida de muitas pessoas. Também demos bastante atenção ao criacionismo, pois este parece ser um ponto de encontro para os fundamentalistas que desejam atacar a ciência em geral e substituir seu papel na sociedade por uma epistemologia baseada na espiritualidade.

O quão difundida uma crença já está na sociedade é um segundo critério importante. Se uma crença falsa é muito comum, isso representa uma boa oportunidade para mostrar a um grande número de pessoas como a desinformação factual e o pensamento negligente são comuns. Nossa coluna do NESS, Don’t You Believe It, foi projetada para abordar as falsas crenças mais comuns, como o mito de que usamos apenas 10% do nosso cérebro ou que os cientistas mostraram que os abelhões não podem voar. Muitas crenças são mantidas por quase ou mais da metade de nossa sociedade, como percepção extrassensorial, um encobrimento do governo em Roswell ou a capacidade de falar com parentes mortos. Elas representam grandes oportunidades para o ceticismo popular.

Também visamos crenças que têm potencial para exploração ou fraude. Estamos particularmente alarmados com charlatães que lucram com base no desespero, analfabetismo científico ou credulidade geral para enganar o público. Por exemplo, Dennis Lee e sua linha de máquinas de energia livre. É particularmente gratificante frustrar a fraude de charlatães.

Por outro lado, tentamos evitar crenças que já estão caindo em sua própria obscuridade. Qualquer atenção, mesmo a atenção cética crítica, é melhor do que nenhuma e reconhecemos que podemos facilmente fazer mais mal do que bem chamando a atenção para uma crença bizarra que provavelmente teria morrido se deixada sozinha.

O paranormal e a pseudociência também são uma área que atrai aqueles que têm uma relação pouco funcional com a realidade, ou que são flagrantemente doentes mentais. Pode ser extremamente contraproducente dar a essas pessoas a atenção de uma sociedade como o NESS, ou abordar de alguma forma às suas crenças bizarras, mesmo que apenas gastando tempo para desmascará-las.

Independentemente do tópico ou de seu impacto particular, tentamos incluir em cada artigo cético algumas lições fundamentais sobre o ceticismo – colocando-o no contexto mais amplo da lógica, mecanismos de autoengano ou metodologia científica adequada.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.