Por Edina Harbinja, Lilian Edwards e Marisa McVey
Publicado no The Conversation
Foi recentemente revelado que, em 2017, a Microsoft patenteou um chatbot que, se construído, ressuscitaria digitalmente os mortos. Usando IA e aprendizado de máquina, o chatbot proposto traria nossa persona digital de volta à vida para nossa família e amigos conversar.
Quando pressionados sobre a tecnologia, os representantes da Microsoft admitiram que o chatbot era “perturbador” e que atualmente não havia planos de colocá-lo em produção.
Ainda assim, parece que as ferramentas técnicas e os dados pessoais estão disponíveis para tornar possíveis as reencarnações digitais. Os chatbots de IA já passaram no “Teste de Turing“, o que significa que eles enganaram outros humanos fazendo-os pensar que também são humanos.
Enquanto isso, a maioria das pessoas no mundo moderno agora deixa para trás dados suficientes para ensinar programas de IA sobre nossos estilos, hábitos e históricos de conversação. Duplos digitais convincentes podem estar beeem próximos.
Mas atualmente não há leis que regem a reencarnação digital. Seu direito à privacidade de dados após sua morte está longe de estar definido por lei e, atualmente, não há como você optar por não ser ressuscitado digitalmente. Essa ambiguidade legal abre espaço para que empresas privadas transformem seus dados em chatbots depois que você morrer.
Nossa pesquisa examinou a questão legal surpreendentemente complexa sobre o que acontece com seus dados depois que você morre. No momento, e na ausência de legislação específica, não está claro quem pode ter o poder máximo para reutilizar sua persona digital após seu corpo físico estar jazendo.
O chatbot da Microsoft usaria suas mensagens eletrônicas para criar uma reencarnação digital à sua semelhança depois que você falecer. Esse chatbot usaria o aprendizado de máquina para responder às mensagens de texto, da mesma forma que você faria quando estava vivo. Se acontecer de você deixar para trás dados de voz ricos de qualidade, quantidade e informação, eles também podem ser usados para criar sua semelhança vocal – alguém com quem seus parentes possam falar, por meio de um telefone ou de um robô humanoide.
A Microsoft não é a única empresa a ter demonstrado interesse na ressurreição digital. A empresa de IA Eternime construiu um chatbot habilitado por IA que coleta informações – incluindo geolocalização, movimento, atividade, fotos e dados do Facebook – que permite aos usuários criar um avatar de si mesmos para viver depois que eles morressem. Pode ser apenas uma questão de tempo até que as famílias tenham a opção de reanimar parentes mortos usando tecnologias de IA, como a da Eternime.
Se os chatbots e hologramas do “além” se tornarem comuns, precisaremos elaborar novas leis para governá-los. Afinal, parece uma violação do direito à privacidade ressuscitar digitalmente alguém cujo corpo está sob uma lápide onde se lê “descanse em paz”.
Corpos em binário
As leis nacionais são inconsistentes sobre como seus dados são usados após sua morte. Na União Europeia, a lei sobre privacidade de dados protege apenas os direitos de quem vive. Isso deixa espaço para os Estados membros decidirem como proteger os dados dos mortos. Alguns, como Estônia, França, Itália e Letônia, tem leis sobre dados post mortem. As leis de proteção de dados do Reino Unido, não.
Para complicar ainda mais as coisas, nossos dados são controlados principalmente por plataformas online privadas, como Facebook e Google. Este controle é baseado nos termos de serviço que assinamos quando criamos perfis nessas plataformas. Esses termos protegem ferozmente a privacidade dos mortos.
Por exemplo, em 2005, o Yahoo! recusou-se a fornecer detalhes de login da conta de e-mail para a família sobrevivente de um fuzileiro naval dos EUA morto no Iraque. A empresa argumentou que seus termos de serviço foram elaborados para proteger a privacidade da marinha. Um juiz acabou ordenando que a empresa fornecesse à família um CD contendo cópias dos e-mails, abrindo um precedente legal no processo.
Algumas iniciativas, como o Inactive Account Manager do Google e o Legacy Contact do Facebook, tentaram resolver o problema dos dados post mortem. Eles permitem que usuários vivos tomem algumas decisões sobre o que acontece com seus dados depois que morrem, ajudando a evitar batalhas judiciais complexas sobre os dados de pessoas mortas no futuro. Mas essas medidas não substituem as leis.
Um caminho para uma melhor legislação de dados post mortem é seguir o exemplo da doação de órgãos. A lei de “autoexclusão” da doação de órgãos do Reino Unido é particularmente relevante, pois trata os órgãos dos mortos como passíveis de doação, a menos que a pessoa tenha especificado o contrário quando estava viva. O mesmo esquema de exclusão pode ser aplicado aos dados post mortem.
Esse modelo pode nos ajudar a respeitar a privacidade dos mortos e os desejos de seus herdeiros, ao mesmo tempo em que considera os benefícios que podem surgir dos dados doados: que os doadores de dados podem ajudar a salvar vidas, assim como fazem os doadores de órgãos.
No futuro, as empresas privadas podem oferecer aos membros da família uma escolha angustiante: entregar seu ente querido à morte ou, em vez disso, pagar para revivê-lo digitalmente. O chatbot da Microsoft pode ser perturbador demais para aceitar, mas é um exemplo do que está por vir. É hora de escrevermos as leis para governar essa tecnologia.