Artigo traduzido de The Atlantic. Autor: David Moscato.
O melhor planeta em nosso Sistema Solar não é, como Adrienne LaFrance reivindicou há vários meses, Júpiter. Nem é Saturno, como Ross Andersen argumentou em uma refutação no mês passado. Eu ensinei ciência a vida toda, o que significa que faz muito tempo que não permito que uma desinformação passe batida – e depois de ler esses artigos, eu sabia que tinha de intervir antes de qualquer dano intelectual fosse feito.
O melhor planeta é Urano – Urano, o bizarro. Urano, o único. Saturno pode ser chamativo e bonito, e Júpiter pode ser enorme e dramático, mas eles não chegam aos pés de Urano. Enquanto todos os outros planetas giram como piões em torno do Sol, Urano está lado a lado com ele. Não é o planeta mais distante do Sol, mas consegue ser o mais frio. Seu campo magnético está longe de onde deveria estar, e sua macabra atmosfera azul-esverdeada parece alternar entre a estagnação maçante e surtos de atividade.
Até mesmo seu nome é incomum. Urano é o único planeta com um nome derivado de uma divindade grega, em vez de romana. É uma homenagem ao deus grego Urano – quem, vale a pena observar, é o pai de Cronos (Saturno) e o avô de Zeus (Júpiter).
Na verdade, Urano foi rompendo os padrões enquanto nós o conhecíamos. Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno são facilmente visíveis a olho nu; os seres humanos olhado para esses planetas por milênios, mas Urano foi o primeiro planeta descoberto pela astronomia moderna. Ele está tão longe, e seu movimento é tão lento, que originalmente pensava-se ser uma estrela, até Sir William Herschel revelar sua natureza planetária em 1781. Menos de uma década mais tarde, recebeu um elemento químico xará: urânio, descoberto em 1789 (enquanto isso, Netuno e Plutão não entraram na tabela periódica por mais de 150 anos).
Quanto mais os astrônomos estudavam este novo planeta, mais claro ficava sua estranheza. Considere as estações do ano em um mundo virado de lado: o verão em Urano dura duas décadas de luz solar ininterruptas, e o inverno é uma quantidade igual de tempo na escuridão total, de frente para o vazio e frio do espaço distante. Dia e noite só existem durante primavera e outono, onde o ciclo leva 17 horas. Alguns sugeriram que o planeta ficou torto por um cabo-de-guerra gravitacional com uma grande lua que já se perdeu; outros propuseram que era o resultado de uma colisão com um objeto massivo (muito maior do que a terra), até mesmo múltiplas colisões.
Esta inclinação estranha é apenas um na lista dos mistérios de Urano, uma lista que inclui também sua temperatura. Enquanto os outros planetas gasosos ainda estão lentamente irradiando o calor de sua formação, Urano gera quase nenhum calor interno. Ninguém sabe ao certo o porquê, mas essa falta de calor pode ser a causa subjacente das temperaturas atmosféricas extremas do planeta: camadas de nuvens mais profundas chegam a -217°C, mais frio do que qualquer outro planeta do Sistema Solar, e ainda assim, as camadas ultraperiféricas chegam a mais de 260°C, temperatura muito maior do que qualquer outro gigante gasoso.
Como Júpiter e Saturno, a atmosfera de Urano é cheia de hidrogênio e hélio, mas ao contrário de seus primos maiores, Urano também tem uma abundância de metano, amônia, água e sulfeto de hidrogênio. O gás metano absorve a luz na extremidade do espectro vermelho, dando a Urano sua cor azul-esverdeada. Se você voasse através das camadas da atmosfera, as nuvens que o rodeiam ficariam mais e mais densas, mais e mais frias, mais e mais azuis conforme os gases absorvem mais do espectro visível. E bem abaixo da atmosfera você pode encontrar a resposta para mais um dos grandes enigmas de Urano: seu campo magnético rebelde está inclinado 60° do seu eixo de rotação, muito mais forte em um dos polos do que no outro, e alguns milhares de quilômetros fora do centro. Alguns astrônomos acreditam que o campo magnético irregular pode ser o resultado de vastos oceanos de líquidos iônicos escondidos sob as nuvens esverdeadas, cheios de água, amônia, e até mesmo diamantes derretidos.
Talvez Urano não fosse tão misterioso se mais sondas parassem por lá – enquanto Marte, Júpiter e Saturno parecem receber um fluxo constante de alta tecnologia da Terra, Urano só foi visitado uma vez. Em 1986, a Voyager 2 foi rumo ao espaço profundo. Foi a primeira – e até agora a única missão – que obteve uma visão de perto de Urano, e o que a sonda viu, à primeira vista, foi decepcionante. A Voyager 2 observou pouca atividade atmosférica e algumas formações de nuvens. Por um momento, as nuvens geladas pareciam pouco interessantes. Mas já se passaram 30 anos desde que a Voyager 2 fez sua visita, e estamos mais sábios agora.
Quando a Voyager visitou Urano, ele estava quase em seu solstício – o Polo Sul estava virado quase diretamente para o Sol, e seu Polo Norte estava para o outro lado. Mas à medida que Urano continuou sua órbita lenta, as estações mudaram, e o hemisfério norte voltou lentamente para a luz. Em 2007, Urano alcançou seu equinócio, o momento em que o Equador está virado para a sol e os hemisférios recebem a mesma luz solar. De acordo com Imke de Pater, professor de astronomia da Universidade de, Berkeley, na Califórnia, as observações anteriores de Urano “não parecia em nada com o que vimos durante o equinócio”. Ao longo dos últimos anos, os astrônomos têm testemunhado ventos que sopram centenas de quilômetros por hora, sistemas de tempestades enormes que persistem por horas ou por anos, nuvens luminosas que viajam todo o planeta, e tempestades semelhantes à famosa versão Netuniana.
As viagens de Urano em torno do Sol demoram um pouco mais de oito décadas, mas ele não viaja sozinho. Ele é acompanhado por 27 luas conhecidas e 13 anéis conhecidos, completamente tão bizarros quanto o próprio planeta. Os anéis de Urano não são feitos de gelo brilhante como os de Saturno – feitos principalmente de rochas e poeira, e tão escuros que podem ser difíceis de detectar (mesmo a Voyager 2 não percebeu dois anéis ultraperiféricos de Urano). Mas quando os anéis de Saturno se dissiparem, como os astrônomos suspeitam que acontecerá daqui milhões de anos, os anéis ficarão surpreendentemente estáveis e permanecerão por muito tempo no futuro. Um parece ser feito inteiramente de poeira derrubada pela lua Mab sendo impactada por asteroides; outro anel empoeirado parece ter desaparecido em algum momento nas últimas décadas, enquanto outros apareceram em outros lugares; e talvez o mais incrível, um dos anéis “respira”, expandindo e contraindo por cinco quilômetros, uma vez a cada várias horas. De acordo com Mark Showalter, do Instituto SETI, estes anéis são “totalmente diferentes de tudo que já vimos”.
E também há as luas, que, como o próprio Urano, têm nomes incomuns – a maioria das luas do nosso Sistema Solar herdaram seus nomes da mitologia grega, mas os nomes das luas de Urano vêm da literatura inglesa. Há Umbriel, estranhamente escura, exceto por uma misteriosa faixa brilhante; Oberon, coberta de crateras e uma enorme montanha; Miranda, marcada por rachaduras e fissuras tão extremas que põem o Grand Canyon no chinelo; e mais duas dúzias de luas.
Ao descrever o movimento das luas de Urano, Showalter usa palavras como “aleatório” e “instável”. As luas estão constantemente empurrando e puxando as outras gravitacionalmente, o que torna suas órbitas a longo prazo imprevisíveis, e ao longo de milhões de anos, algumas irão colidir com as outras. De fato, pelo menos um dos anéis de Urano pode ser o resultado de uma dessas colisões.
Aprendendo o suficiente, é impossível não ficar encantado com a bela dança caótica do sistema de anéis e luas de Urano. Escondidas entre esses movimentos estranhos, podem estar as chaves para a compreensão das interações gravitacionais incomuns de corpos em todo o cosmos.
Então por que não dar uma olhada?
Os astrônomos pensam em enviar uma sonda a Urano, mas há complicações. Por um lado, Urano está incrivelmente longe, quase 3 bilhões de quilômetros da Terra. Além disso, Urano é difícil de prever. Nós não sabemos o que esperar das temperaturas inconstantes da atmosfera superior do planeta, e por mais que o movimento caótico das luas seja muito lento para ameaçar uma nave espacial, há razão para suspeitar que ainda não descobrimos todas as luas e detritos orbitando o planeta.
“O que eu realmente gostaria de fazer”, diz Glenn Orton do Jet Propulsion Laboratory da NASA, “é colocar uma sonda na atmosfera”. Lá, os astrônomos podem ser capazes de começar a desvendar alguns dos enigmas mais duradouros de Urano: a estrutura profunda de sua atmosfera, a causa de seu campo magnético incomum e, talvez, a razão para suas temperaturas internas frias.
Até então, só podemos olhar para o planeta por quase 3 bilhões de quilômetros de espaço, adivinhando seus segredos. As melhores perguntas da ciência são aquelas não respondidas sobre o melhor planeta do Sistema Solar, o sétimo a partir do Sol, envolto em metano e mistério.