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Paciente M: o homem que levou um tiro na cabeça e acordou vendo o mundo ao contrário

Traduzido por Julio Batista
Original de David Nield para o ScienceAlert

Um estudo recém-publicado redescobriu um dos casos mais singulares e estranhos de lesão cerebral da história: o caso do paciente M, que, após levar um tiro na cabeça em 1938 durante a Guerra Civil Espanhola, acordou vendo o mundo ao contrário.

Para o paciente M, pessoas e objetos pareciam vir do lado oposto de onde realmente estavam, algo que também se estendia à audição e ao tato.

Ele podia ler letras e números impressos normalmente e de trás para a frente, sem que seu cérebro fosse capaz de ver qualquer diferença entre os dois.

O mundo também às vezes parecia estar de cabeça para baixo para o paciente M, assim como ao contrário: ele ficaria confuso com homens trabalhando de cabeça para baixo em andaimes, por exemplo.

O paciente M também foi capaz de ver as horas em um relógio de pulso de qualquer ângulo.

Os estudos do paciente M levaram a descobertas sobre lesões cerebrais: a) As setas indicam cicatrizes da entrada e saída do projétil que causou a lesão do paciente M; b) as áreas sombreadas mostram as prováveis ​​áreas de lesões no cérebro. (Créditos: García-Molina et al., Neurologia, 2023)

É um conjunto de sintomas verdadeiramente bizarro, mas havia outros também. Eles incluíam ver cores descoladas de seus objetos, objetos aparecendo triplicados e daltonismo.

No entanto, é relatado que o paciente M lidou com tudo isso com bastante calma.

O paciente M foi estudado por quase 50 anos pelo neurocientista espanhol Justo Gonzalo, e sua análise levou a uma mudança significativa na forma como vemos o cérebro – não sendo nem de longe a única vez que uma lesão estranha ajudou os cientistas a entender melhor o cérebro.

Durante a década de 1940, Gonzalo propôs que o cérebro não era uma coleção de seções distintas, mas tinha suas várias funções distribuídas em gradientes pelo órgão – uma ideia que ia contra a sabedoria convencional da época.

“O cérebro era visto como caixinhas”, disse ao El País o neuropsicólogo Alberto García Molina, do Institut Guttmann, na Espanha .

“Quando você alterava uma caixa, supostamente havia um déficit concreto. Para o Dr. Gonzalo, as teorias modulares não conseguiam explicar as questões que surgiam com o paciente M, então ele começou a criar sua teoria da dinâmica cerebral, rompendo com a visão hegemônica sobre como o cérebro funciona.”

Ao estudar o paciente M e outros com lesões cerebrais, Gonzalo propôs que os efeitos do dano cerebral dependiam do tamanho e da posição da lesão.

Ele também mostrou que essas lesões não destroem funções específicas, mas afetam o equilíbrio de uma variedade de funções – como foi o caso do paciente M.

Gonzalo identificou três síndromes: central (interrupções em vários sentidos), paracentral (que é como a central, mas com efeitos que não são distribuídos uniformemente) e marginal (afetando vias cerebrais para sentidos específicos).

Foi um trabalho pioneiro baseado em um caso incrível, mas não é tão conhecido quanto deveria ser – e agora a filha de Gonzalo, Isabel Gonzalo-Fonrodona, trabalhou com García Molina no novo paper, abordando a pesquisa envolvendo o paciente M.

Como diz o estudo, estudos de caso único nos ensinaram sobre a função cerebral por centenas de anos, fornecendo uma fonte alternativa valiosa de evidência científica para as meta-análises e grandes ensaios clínicos de hoje.

O fato de que ideais sobre o cérebro semelhantes às de Gonzalo permanecem proeminentes é evidência de que ele estava certo em sua interpretação dos ferimentos e da visão invertida do paciente M.

A pesquisa foi publicada na revista Neurologia.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.