Por Frank Wilczek
Publicado na Quanta Magazine
“Insanidade é fazer a mesma coisa várias vezes e esperar resultados diferentes”.
Esse ditado – que eu chamarei de “Insanidade de Einstein” – normalmente é atribuído a Albert Einstein. Embora o Efeito de Matthew talvez apareça nesse caso, é inegável que esse ditado era o tipo de coisa inteligente e memorável que Einstein frequentemente dizia. E estou feliz em dar-lhe o crédito, pois isso nos leva em direções interessantes.
Primeiro de tudo, note que o que Einstein descreve como insanidade é, de acordo com a teoria quântica, a maneira como o mundo realmente funciona. Na mecânica quântica você pode fazer a mesma coisa muitas vezes e obter resultados diferentes. Na verdade, essa é a premissa por baixo dos grandes aceleradores de partículas de alta energia. Nesses aceleradores, os físicos colidem as mesmas partículas precisamente da mesma maneira, trilhões de trilhões de vezes. Eles estão loucos? Parece que não, uma vez que eles têm obtido uma variedade estupenda de resultados.
É claro que Einstein, conhecidamente, não acreditava na imprevisibilidade inerente do mundo, dizendo que “Deus não joga dados”. No entanto, no jogo dos dados, demonstramos a Insanidade de Einstein: fazemos a mesma coisa repetidamente – jogar os dados – e antecipamos corretamente resultados diferentes. Será que jogar dados é realmente insanidade? Se assim for, é uma forma muito comum de loucura!
Nós podemos escapar do diagnóstico alegando que, na prática, nunca se joga os dados exatamente da mesma maneira. Pequenas alterações nas condições iniciais podem alterar os resultados. A ideia por baixo disso é que em situações em que não podemos prever exatamente o que vai acontecer em seguida, há aspectos da situação atual que nós não levamos em conta. Argumentos semelhantes de ignorância podem defender muitas outras aplicações da probabilidade da acusação da Insanidade de Einstein, a que estão todos expostos. Se nós tivermos acesso completo à realidade, de acordo com este argumento, os resultados de nossas ações nunca seriam questionados.
Essa doutrina, conhecida como determinismo, foi defendida com paixão pelo filósofo Baruch Spinoza, que Einstein considerava um grande herói. Mas para uma melhor perspectiva, precisamos nos aventurar ainda mais no passado da história.
Parmênides foi um influente filósofo grego antigo, admirado por Platão (a quem se refere como “pai Parmênides” em seu diálogo Sofista). Parmênides defendeu o ponto de vista intrigante que a realidade é imutável e indivisível e que todo movimento é uma ilusão. Zenão, um aluno de Parmênides, concebeu quatro paradoxos famosos para ilustrar as dificuldades lógicas no próprio conceito de movimento. Traduzido em termos modernos, o paradoxo da flecha de Zenão diz o seguinte:
1. Se você souber onde uma flecha está, você sabe tudo sobre o seu estado físico.
2. Por conseguinte, uma flecha (hipotética) em movimento possui o mesmo estado de agregação de uma flecha estacionária na mesma posição.
3. O atual estado físico de uma flecha determina seu estado físico futuro. Esta é Sanidade de Einstein – a negação da Insanidade de Einstein.
4. Portanto, um flecha (hipotética) em movimento e uma flecha estacionária têm o mesmo estado físico futuro.
5. A flecha não se move.
Os seguidores de Parmênides dedicaram-se aos nós lógicos e êxtases místicos sobre a contradição gritante entre o ponto 5 e a experiência cotidiana.
A conquista fundamental da mecânica clássica é estabelecer que o primeiro ponto tem problemas. É proveitoso, neste contexto, permitir um conceito mais amplo do caráter da realidade física. Para saber o estado de um sistema de partículas, é preciso conhecer não apenas as suas posições, mas também as suas velocidades e suas massas. Armada com essa informação, a mecânica clássica prevê toda a futura evolução do sistema. A mecânica clássica, dada o seu conceito mais amplo da realidade física, representa o próprio modelo da Sanidade de Einstein.
Com esse triunfo em mente, vamos retornar para a aparente Insanidade de Einstein da física quântica. Poderia essa dificuldade da mesma maneira sugerir um conceito inadequado do estado do mundo?
O próprio Einstein pensava assim. Ele acreditava que deveria existir aspectos ocultos da realidade, ainda não reconhecidos na formulação convencional da teoria quântica, que iria restaurar a Sanidade de Einstein. Neste ponto de vista, não é que Deus jogue dados, mas o jogo ele está jogando não difere fundamentalmente dos dados clássicos. Parece aleatório, mas só por causa da nossa ignorância sobre certas “variáveis ocultas”. Seria mais ou menos assim: “Deus joga dados, mas ele está manipulando o jogo”.
Mas à medida que as previsões da teoria quântica convencional, livre de variáveis ocultas, passaram de triunfo em triunfo, a sala onde acomodamos tais variáveis tornou-se pequena e desconfortável. Em 1964, o físico John Bell identificou certos limites que devem ser aplicados a qualquer teoria física que é tanto local – o que significa que as influências físicas não viajam mais rápido do que a luz – quanto realista, o que significa que as propriedades físicas de um sistema existem antes da medição. Mas décadas de testes experimentais, incluindo um teste de “livre-lacuna”, publicado no arxiv.org em agosto, mostram que o mundo em que vivemos evita estes limites.
Ironicamente, a própria mecânica quântica convencional envolve uma vasta expansão da realidade física, o que pode ser suficiente para evitar a Insanidade de Einstein. As equações da dinâmica quântica permitem que os físicos prevejam os valores futuros da função de onda, dado o seu valor atual. De acordo com a equação de Schrödinger, a função de onda evolui de uma forma completamente previsível. Mas, na prática, nunca temos acesso à função de onda completa, seja no presente ou no futuro, de modo que esta “previsibilidade” é inatingível. Se a função de onda fornece a descrição fundamental da realidade – uma questão controversa! – devemos concluir que “Deus joga um jogo preciso baseado em regras profundas, que parece dados para nós”.
Niels Bohr, grande amigo e parceiro de disputa intelectual de Einstein, tinha uma visão diferenciada da verdade. Considerando que, segundo Bohr, o oposto de uma verdade simples é uma falsidade e o oposto de uma verdade profunda é outra verdade profunda, nesse espírito, vamos introduzir o conceito de uma falsidade profunda, cujo oposto é igualmente uma falsidade profunda. Parece apropriado concluir este ensaio com um epigrama que, combinado com o que nós começamos, dá um bom exemplo:
“Ingenuidade é fazer a mesma coisa várias vezes e esperar resultados diferentes”.