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Pássaros mumificados no deserto de Atacama revelam um lado sombrio da história

Por Peter Dockrill
Publicado na ScienceAlert

Quanto mais examinamos o ambiente extremo do deserto do Atacama, no Chile, mais encontramos fenômenos incríveis, ocasionalmente beirando o incomum.

Mas neste lugar incrivelmente seco, não era apenas o clima que era implacável. Seus antigos habitantes humanos, vivendo em um lugar árido que não era o mais adequado para hospedá-los, negociavam tudo o que podiam.

Às vezes, ao que parece, eles comercializavam as penas brilhantes de pássaros coloridos trazidos sem cerimônia para um deserto ao qual não pertenciam, mas estavam destinados a ser enterrados nele.

“O que consideramos interações aceitáveis ​​com animais sob nossos cuidados era muito diferente naquela época”, disse o arqueólogo antropológico Jose Capriles, da Universidade Estadual da Pensilvânia (EUA).

“Alguns desses pássaros não viveram uma vida feliz. Eles foram mantidos para produzir penas e suas penas foram arrancadas assim que cresceram”.

Arara-vermelha mumificada. Créditos: Calogero Santoro / José Capriles.

Capriles é um especialista quando se trata de descobrir as estranhezas exóticas da cultura americana pré-colombiana.

Desta vez, sua mãe – Eliana Flores Bedregal, ornitóloga de profissão – veio para o passeio, coautorando um novo estudo que examina a vida e a morte de mais de duas dúzias de papagaios mumificados e parcialmente mumificados encontrados no deserto de Atacama.

No total, pelo menos seis espécies de papagaios originalmente recuperados de cinco sítios arqueológicos do deserto foram estudados na pesquisa, com os restos datando de 1100 a 1450 d.C.

“As penas das aves tropicais eram um dos símbolos mais significativos de status econômico, social e sagrado nas Américas pré-colombianas”, escrevem os autores em seu estudo.

“Nos Andes, roupas e tecidos produzidos de maneira fina contendo penas multicoloridas de papagaios tropicais materializaram poder, prestígio e distinção e eram particularmente apreciados pelas elites políticas e religiosas”.

Por trás desse esplendor de beleza e status, pássaros coloridos provavelmente viveram uma existência miserável em cativeiro, longe das florestas tropicais amazônicas que já foram seu lar.

Créditos: Capriles et al., PNAS, 2021.

Às vezes, os pássaros eram depenados em outro lugar e importados para os Andes em recipientes especiais, mas os restos mortais dos 27 papagaios e araras aqui analisados ​​sugerem que muitas outras aves foram trazidas especificamente para o deserto por causa de sua plumagem vibrante.

O comércio de penas na região data até muito mais do que isso, pelo menos até as múmias Chinchorro por volta de 5050 a.C. Milhares de anos depois, as penas ainda eram uma característica apreciada em roupas, chapéus, cocares e outros ornamentos.

A maioria das aves mumificadas examinadas no novo estudo foram originalmente recuperadas de um sítio arqueológico chamado Pica 8, localizado próximo a uma comunidade de oásis dentro do Deserto de Atacama que ainda existe hoje.

Há muito tempo atrás, porém, as pessoas ali enterraram seus pássaros lado a lado.

“A maioria dos pássaros foi colocada em associação direta com sepultamentos humanos”, escreveram os pesquisadores, observando que as caudas dos papagaios eram frequentemente removidas.

Às vezes, os animais eram posicionados em posturas elaboradas, com bicos abertos e línguas para fora, talvez vinculados a práticas ritualísticas que invocavam a capacidade dos papagaios de imitar a fala humana. Outros estavam com as asas abertas, como se fosse para voar alto na eternidade da vida após a morte.

Durante a vida na Terra, parece que muitos tiveram as asas quebradas e os pés amarrados, embora os pesquisadores também observem que alguns cuidados foram tomados com alguns dos animais, com evidências de tosquia de seus bicos e garras, além de processos de cicatrização de fraturas sofridas pelos papagaios.

“Não temos a menor ideia de por que eles foram mumificados dessa forma”, disse Capriles. “Eles parecem ter sido eviscerados pela cloaca (uma abertura excretora e reprodutiva comum dos pássaros), que ajudava a preservá-los. Muitas vezes, eram involucrados em tecidos ou bolsas”.

O que é certo é que não deve ter sido fácil levar esses pássaros enterrados para o deserto. Transportados por caravanas de lhamas, é provável que a viagem da Amazônia tenha levado meses, acreditam os pesquisadores, embora seja possível que algumas das aves tenham sido obtidas em regiões mais próximas ao deserto.

Uma vez lá, eles foram tidos como animais de estimação valiosos, estimados por seu conjunto maravilhoso de penas, pronto para certamente ser roubado.

Os resultados são relatados no PNAS.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.