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Paulo Freire é o culpado pelos problemas da educação no Brasil?

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Decidi escrever este pequeno artigo para demonstrar como é delirante a noção de que a “culpa” pelos problemas da educação brasileira é de Paulo Freire.

Para começar, quase a metade dos professores do ensino médio do país ministra aulas em disciplinas nas quais não tem formação específica. Leia de novo para compreender a dimensão do problema: metade das vagas são preenchidas por professores sem formação na área. A responsabilidade por essa situação são os baixos salários, que leva ao desinteresse de profissionais especializados. O problema aqui, portanto, não é a aplicação desta ou daquela pedagogia, mas o simples descompasso entre formação e atuação profissional. Veja aqui os dados.

Dos 2,2 milhões de professores no Brasil, 25,8% não têm sequer licenciatura em sua formação superior. Cerca de 15% dos professores cursaram apenas o ensino médio! Ou seja, um em cada quatro professores não tiveram qualquer formação pedagógica. Isso quer dizer que não estudaram Vygotsky, Piaget, Montessori ou qualquer outro pedagogo. Insisto: a carência é de formação pedagógica básica. Veja aqui os dados.

Entre os professores que atuam em creches, 35,6% estudaram só até o ensino fundamental ou ensino médio. Observem a dimensão do problema: um em cada três professores deste nível de ensino tem apenas ensino médio! O que dizer de formação pedagógica!? Veja aqui os dados.

Professores no Brasil têm formação inadequada, salário baixo e trabalham sem estrutura, o que gera desinteresse pela atividade. Como os salários não são suficientes, muitos atuam na docência como “bico”. Ou seja, têm outras profissões e encaram o trabalho docente como uma forma de complementar a renda. Isso implica em natural descompromisso com planejamento e dedicação aos estudos. Além disso, professores costumam trabalhar em três ou quatro colégios, frequentemente nos três turnos. Esse desgaste tem provocado síndromes como o burnout — um estado de esgotamento, resultado de stress contínuo e prolongado. Essa realidade impõe obstáculos graves que, em última instância, inviabilizam as condições básicas para ensinar. Não se trata da aplicação de uma pedagogia, portanto. São as péssimas condições de trabalho. Veja aqui os dados.

Ou seja, o problema concreto é precisamente o inverso do que a histeria reacionária imagina. Professores sem formação pedagógica são desvalorizados e estão exaustos. Não é possível ensinar nessas condições. Mas do delírio reacionário, a culpa é do teórico cujos livros, infelizmente, não são sequer estudados.

É desalentador observar a virulência de um discurso que nos faz perder tanto tempo para argumentar, em vão, a favor de coisas óbvias. Esse desperdício de energia tem feito um mal incalculável para o país. Os problemas reais são deixados de lado para que a energia seja desperdiçada para atacar de forma grosseira e preconceituosa o autor brasileiro mais estudado nas melhores universidades do planeta. Em vez de fazer como Harvard, Princeton, Yale e Stanford, onde Freire é influente, os reacionários simplesmente se aprisionam em suas paranoias e desperdiçam esse conhecimento.

Mas o pior é que os birutas que disseminam essa paranoia chegaram ao poder para ameaçar, agora com a máquina do Estado, toda uma categoria de profissionais já bastante desprestigiada e vulnerável.

Juro que tento guardar o pessimismo para dias melhores. A esperança é que os professores se organizem para que, nesses próximos quatro anos, essa estupidez não provoque um apagão ainda mais grave na educação.

Veja mais no vídeo:

Andre Azevedo da Fonseca

Andre Azevedo da Fonseca

Professor e pesquisador no Centro de Educação Comunicação e Artes (CECA) da Universidade Estadual de Londrina (UEL).