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Pegadas de Neandertais de 100.000 anos mostram crianças brincando na areia

Por Tom Metcalfe
Publicado na Live Science

Há cerca de 100 mil anos, uma grande família de 36 neandertais caminhava ao longo de uma praia, com as crianças pulando e brincando na areia, relatam cientistas após analisar as pegadas fossilizadas dos banhistas onde hoje é o sul da Espanha.

“Encontramos algumas áreas onde várias pequenas pegadas apareceram agrupadas em um arranjo caótico”, disse Eduardo Mayoral, paleontólogo da Universidade de Huelva e principal autor do estudo, que foi publicado online em 11 de março na revista Scientific Reports.

As pegadas “podem indicar uma área de passagem de indivíduos muito jovens, como se estivessem brincando ou perambulado na costa de uma área alagada nas proximidades”, disse Mayoral ao Live Science por e-mail.

Em junho de 2020, dois biólogos descobriram os rastros na praia de Matalascañas, no Parque Nacional de Doñana, após um período de intensas tempestades e marés altas.

Os biólogos viram pela primeira vez rastros de animais fossilizados; algumas das pegadas foram feitas há muito tempo por animais grandes, como veados ou javalis, disse Mayoral.

Só mais tarde, depois que a equipe de Mayoral analisou as impressões, alguém percebeu que algumas eram pegadas de Neandertal, disse ele. “Ninguém reconhecia a existência de pegadas de hominídeos naquela época, que só foram descobertas pela minha equipe dois meses depois, quando começamos a estudar toda a superfície em detalhes”.

Pegadas antigas

Mayoral e seus colegas identificaram 87 pegadas de Neandertal na rocha sedimentar da praia de Matalascañas. (Os pesquisadores determinaram que essas impressões foram feitas por 36 indivíduos.)

A superfície exposta data do período do Pleistoceno Superior, cerca de 106.000 anos atrás, quando antigas ferramentas de pedra descobertas nas proximidades mostram que a região era habitada por Neandertais (Homo neanderthalensis). Esses caçadores-coletores viveram na Europa e no Oriente Médio entre 400.000 e 40.000 anos atrás, enquanto os primeiros humanos modernos (Homo sapiens) chegaram lá cerca de 80.000 anos atrás. Os pesquisadores acreditam que as pegadas podem ser as pegadas de Neandertal mais antigas já encontradas na Europa.

Na época em que as pegadas foram feitas, a superfície agora exposta parece ter sido um poço que estendia ao longo da costa voltado um pouco para o interior, que ficava mais ao sul naquela época do que onde fica hoje, disse Mayoral.

“Provavelmente a água não seria doce, mas um tanto salobra, já que encontramos evidências de cristais de sal marinho (halita) na superfície onde as pegadas foram descobertas”, escreveu ele no e-mail.

As pegadas foram encontradas na praia de Matalascañas, em Andaluzia, depois que tempestades e marés altas expuseram a superfície onde foram feitas (marcadas aqui como HTS), que agora fica logo acima da linha de água da costa. Créditos: Mayoral et al. / Scientific Reports.

A equipe fotografou o local extensivamente com um drone aéreo e digitalizou cada uma das pegadas humanas fossilizadas em três dimensões.

Os tamanhos e distribuição das pegadas sugerem que foram feitas por um grupo de 36 indivíduos de Neandertal que provavelmente eram parentes, incluindo 11 crianças e 25 adultos – cinco mulheres, 14 homens e seis indivíduos de sexo indeterminado.

“Pode ser estabelecido pela correlação com outros sítios paleontológicos europeus que existe uma relação direta entre o tamanho de uma pegada e a idade do indivíduo que a produziu”, disse Mayoral.

A maioria dos adultos que caminhavam na praia teria entre 1,3 a 1,5 metros de altura, mas quatro impressões parecem ter sido feitas por um indivíduo com mais de 1,8 m de altura. Isso é mais alto do que a altura esperada dos neandertais, então a impressão pode ter sido feita por um indivíduo mais baixo com uma marcha pesada, escreveram os pesquisadores.

A equipe científica estima que as pegadas fossilizadas foram feitas por um grupo de 36 neandertais que incluía 11 crianças – algumas das quais parecem ter brincado na areia que se tornou rocha sedimentar. Créditos: Mayoral et al. / Scientific Reports.
O grupo de Neandertal que deixou as pegadas pode ter caçado, pescado ou coletado mariscos em um poço de água salobra perto da costa, cerca de 106.000 anos atrás. Créditos: Mayoral et al. / Scientific Reports.
Os cientistas dizem que as pegadas são a primeira evidência direta de que a região era habitada por neandertais, que viveram em partes da Europa por cerca de 300 mil anos antes da chegada dos primeiros humanos modernos. Créditos: Mayoral et al. / Scientific Reports.
Acredita-se que as pegadas fossilizadas descobertas em uma praia no sul da Espanha tenham mais de 100.000 anos e podem ser as primeiras pegadas de Neandertal encontradas na Europa. Créditos: Mayoral et al. / Scientific Reports.

Brincando na areia

De particular interesse são as duas pegadas menores, de aproximadamente 14 centímetros de comprimento, que se acredita terem sido feitas por uma criança de cerca de 6 anos de idade. Elas estão entre várias pegadas agrupadas caoticamente em algumas áreas, possivelmente porque as crianças de Neandertal estavam brincando na areia na margem do poço, disse Mayoral.

A análise das pegadas mostra que a maioria delas estão localizadas na borda da área inundada, mas os indivíduos que fizeram as pegadas não se moveram inteiramente na água, escreveram os pesquisadores.

“Isso poderia envolver uma estratégia de caça, perseguindo animais na água como aves aquáticas e pernaltas ou pequenos carnívoros”, escreveram eles.

As pegadas também podem ter sido feitas por pessoas pescando no poço ou em busca de mariscos; evidências de comportamento semelhante de caça e coleta por parte dos Neandertais foram relatadas em outros sítios antigos.

Ferramentas de pedra atribuídas aos neandertais apareceram em locais próximos, mas, nesses casos, não havia evidências diretas – como ossos ou dentes de neandertais – para confirmar sua presença, disse Mayoral.

Isso tornou as pegadas fossilizadas especialmente importantes, escreveram os pesquisadores: “As informações biológicas e etológicas dos antigos grupos de hominídeos, quando não há restos de ossos, são fornecidas pelo estudo de suas pegadas fósseis, que nos mostram certos momentos ‘congelados’ de seus existência”.

As pegadas foram “uma prova inquestionável da existência destes hominídeos no sul da Península Ibérica e, especificamente, nesta zona da costa andaluza”, disse Mayoral.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.