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Peixes selvagens estão ficando viciados em metanfetamina em seus próprios rios

Por Matt Parker e Alex Ford
Publicado no The Conversation

Cerca de 269 ​​milhões de pessoas em todo o mundo usam drogas a cada ano. O que é um muitas vezes esquecido nesta história é um problema de biologia básica. O que entra deve sair. Os esgotos são inundados com drogas que são excretadas do corpo, junto com os componentes químicos degradados que têm efeitos semelhantes aos das próprias drogas.

As estações de tratamento de esgoto não filtram essas coisas – elas nunca foram projetadas para isso. Uma grande quantidade de esgoto também chega aos rios e águas costeiras sem tratamento. Uma vez no meio ambiente, as drogas e seus subprodutos podem afetar a vida selvagem.

Em um estudo recente, pesquisadores na República Tcheca investigaram como a metanfetamina – um estimulante com um número crescente de usuários em todo o mundo – pode estar afetando a truta-marrom selvagem.

Eles examinaram se as concentrações de metanfetamina e um de seus subprodutos, a anfetamina, que foram estimadas a partir de outros estudos que mediram as concentrações de drogas ilícitas nos cursos de água, poderiam ser detectadas nos cérebros da truta-marrom.

Eles também analisaram se essas concentrações eram suficientes para causar dependência nos animais.

As trutas foram expostas à droga em grandes tanques durante oito semanas e, em seguida, colocadas em abstinência, parando abruptamente com a exposição em tanques sem drogas por dez dias. Durante esse tempo, os pesquisadores testaram a preferência dos peixes por água doce limpa ou contendo metanfetamina e compararam isso com as respostas de peixes que nunca haviam sido expostos à droga.

Suas descobertas foram intrigantes.

Os peixes expostos à metanfetamina preferiram a água contendo a droga, enquanto essa preferência não foi demonstrada em peixes não-testados com a droga. Os pesquisadores também descobriram que, durante o período de abstinência, as trutas expostas à metanfetamina se moviam menos. Os pesquisadores interpretaram isso como um sinal de ansiedade ou estresse – sinais típicos de abstinência de drogas em humanos.

A química do cérebro dos peixes expostos também diferia dos não expostos, com várias mudanças detectadas nas substâncias químicas do cérebro que correspondem ao que é visto em casos de dependência humana. Mesmo depois que os efeitos comportamentais diminuíram após dez dias de abstinência, esses sinais no cérebro ainda estavam presentes.

Isso sugere que a exposição à metanfetamina pode ter efeitos duradouros, semelhantes ao que é visto em pessoas.

Como as drogas afetam os ecossistemas e a biologia dos peixes

Por que devemos nos preocupar se as trutas estão se tornando viciadas em drogas? Existem várias razões.

Se as trutas estão “gostando” das drogas, como parecem no estudo recente, podem ficar inclinadas a ficar presas em canos onde o efluente é descarregado.

Sabemos que os peixes podem se comportar de forma semelhante ao que é visto em humanos que sofrem de dependência, não apenas por este estudo, mas por vários estudos em diferentes espécies de peixes. Uma das marcas do vício em drogas é a perda de interesse por outras atividades – mesmo aquelas que geralmente são altamente motivadas, como comer ou se reproduzir.

É possível que os peixes comecem a mudar seu comportamento natural, causando problemas com sua alimentação, reprodução e, em última instância, sua sobrevivência. Eles podem, por exemplo, ser menos propensos a escapar de predadores.

A exposição a drogas não afeta apenas os próprios peixes, mas também seus descendentes. Nos peixes, o vício pode ser herdado ao longo de várias gerações. Isso poderia ter implicações duradouras para os ecossistemas, mesmo se o problema fosse resolvido agora.

Este não é o primeiro estudo a descobrir drogas ilícitas na vida selvagem. Em 2019, cientistas do Reino Unido relataram cocaína em camarões de água doce em todos os 15 rios que amostraram. Curiosamente, eles detectaram drogas ilícitas com mais frequência do que alguns produtos farmacêuticos comuns.

Mas os efeitos mais amplos dessas drogas permanecem em grande parte desconhecidos. No entanto, existem estudos abrangentes sobre os efeitos dos produtos farmacêuticos nos rios.

Poluição farmacêutica

Os medicamentos também não se decompõem totalmente em nossos corpos e chegam às estações de tratamento de águas residuais nas fezes e na urina. A maioria é descarregada com efluentes de águas residuais, mas alguns entram nos rios vazando de aterros ou campos agrícolas onde o esgoto humano é usado como fertilizante.

Animais selvagens que vivem em rios e águas costeiras, onde o efluente é despejado, estão expostos a coquetéis de medicamentos, de analgésicos a antidepressivos.

Peixes presos em algumas estações de tratamento de água mudaram de sexo de macho para fêmea em poucas semanas devido à exposição a produtos químicos desreguladores de hormônios encontrados em pílulas anticoncepcionais. Estudos recentes têm mostrado que os antidepressivos podem causar uma ampla gama de mudanças comportamentais em organismos aquáticos, desde agressãoatração pela luzimpetuosidade crescente.

O vício em drogas é um problema de saúde global que pode devastar comunidades, e lidar com suas consequências ambientais será caro. Um estudo estimou que custaria mais de U$ 50 bilhões (R$ 260 bilhões) para atualizar as estações de tratamento de águas residuais na Inglaterra e no País de Gales para que possam remover esses produtos químicos.

Pode parecer óbvio que drogas prescritas e ilegais destinadas a mudar o comportamento dos humanos também mudam o comportamento da vida selvagem. Mas esse problema é potencialmente muito mais difundido e complexo.

Nem mesmo sabemos se produtos químicos sintéticos em produtos domésticos de uso diário, como cosméticos, roupas e produtos de limpeza, podem afetar o comportamento das pessoas e de outras espécies. Um grupo internacional de cientistas pediu às empresas e órgãos reguladores que verifiquem seus efeitos tóxicos no comportamento como parte das avaliações de risco de novos produtos químicos.

Precisamos controlar a quantidade de produtos farmacêuticos em nossos cursos de água. O mundo está longe de resolver os problemas do vício e do uso de drogas ilícitas. Mas, no mínimo, mais deve ser feito para melhorar a filtragem nas estações de tratamento de esgoto e forçar as empresas de água a assumirem mais responsabilidade para garantir que o efluente não afete a vida selvagem.

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.