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Pesquisadores recriam estágio fundamental do embrião humano em laboratório

Traduzido por Julio Batista
Original de Mitch Leslie para a Science

Um embrião humano no estágio de blastocisto é menor do que a ponta de uma caneta esferográfica e pode conter menos de 100 células, mas esse ponto de referência do desenvolvimento há muito tempo intrigava e incomodava biólogos e médicos. Muitos abortos espontâneos ocorrem durante este estágio, por exemplo, e um blastocisto também pode se dividir para criar gêmeos. Agora, vários grupos de pesquisa encontraram maneiras de imitar os blastocistos, orientando células humanas cultivadas em laboratório a formar aglomerados que se parecem muito com um blastocito em si.

A façanha, descrita em dois papers da Nature nesta semana e em duas pré-publicações recentes, pode permitir aos pesquisadores abordar questões importantes sobre a fertilidade humana, como por que a fertilização in vitro (FIV) costuma falhar. Além disso, os blastocistos ersatz “servirão de janelas para entender este estágio do desenvolvimento humano”, disse o biólogo de células-tronco Aryeh Warmflash, da Universidade Rice (EUA), que não estava ligado ao trabalho. “Eles nos permitirão estudá-lo de maneiras que não poderíamos fazer antes.”

Já fomos todos blastocistos. Esta fase, que em humanos começa cerca de 5 dias após a fertilização e dura apenas alguns dias, é um divisor de águas. “O blastocisto é o primeiro estágio no qual temos tipos de células especializadas em desenvolvimento”, disse a bióloga do desenvolvimento Janet Rossant, do Hospital para Crianças Enfermas e da Universidade de Toronto (Canadá). O estágio também inicia outro evento importante: a implantação, na qual o blastocisto se aninha no revestimento uterino e começa a interagir com as células da mãe para construir a placenta.

Mas responder a perguntas como quais genes orquestram o desenvolvimento do blastocisto e por que a implantação é tão frequentemente mal-sucedida tem sido difícil. A única fonte de blastocistos humanos são os embriões doados, originalmente gerados para tratamentos de fertilização in vitro, que são escassos e carregam uma pesada bagagem ética. Nos Estados Unidos, por exemplo, os pesquisadores não podem usar fundos dos Institutos Nacionais de Saúde para estudar esses blastocistos. Em busca de uma alternativa, vários grupos de cientistas induziram células-tronco de camundongo a formar aglomerados semelhantes a blastocistos, chamados de blastoides, mas eles não reencenam perfeitamente o que acontece em um embrião humano.

Para criar um blastoide humano, o biólogo celular Jun Wu, do Centro Médico do Sudoeste da Universidade do Texas, e seus colegas aproveitaram inicialmente células-tronco embrionárias (ES), que podem ser isoladas de blastocistos humanos e dar origem a todos os tipos de células em nossos corpos. Sob certas condições de cultura, as células podem formar cada uma dos três tipos de células no blastocisto, descobriram os pesquisadores anteriormente. Wu e sua equipe levaram essa descoberta um passo adiante e mostraram que, quando estimularam células ES humanas em cultura com duas misturas moleculares, as células se reuniram em réplicas mortas de blastocistos.

Como as células ES vêm de blastocistos humanos, elas compartilham muitas das mesmas limitações éticas e práticas. Mas com o estímulo molecular correto, os pesquisadores podem converter células maduras, como fibroblastos da pele, em células-tronco pluripotentes induzidas (iPS), que têm as mesmas capacidades de geração de tecido das células ES, mas não exigem a destruição de embriões. Estimular células iPS humanas com as mesmas duas misturas moleculares também produz aglomerados de células semelhantes a blastocistos, relata a equipe de Wu na Nature.

O segundo grupo que publicou na Nature, liderado pelo biólogo de células-tronco Jose Polo, da Universidade Monash, na Austrália, encontrou uma receita diferente para fazer blastoides humanos enquanto estudava como as células da pele se transformavam em células iPS. O grupo notou que as células intermediárias, que não foram totalmente convertidas em células iPS, podem gerar todos os três tipos de células do blastocisto. Em placas de cultura padrão, as células não podiam exibir todo o seu potencial. Mas em lugares mais espaçosos, eles convergiram em esferas que se assemelhavam a blastocistos. Em pré-publicações da semana passada, dois grupos independentes, liderados pela bióloga do desenvolvimento Magdalena Zernicka-Goetz do Instituto de Tecnologia da Califórnia e Yang Yu do Terceiro Hospital da Universidade de Pequim, relataram também ter obtido aglomerados semelhantes a blastocistos a partir de células-tronco humanas “estendidas”.

Os grupos de Polo e Wu demonstraram que seus blastoides recapitulavam muitas características dos blastocistos humanos. Eles continham aproximadamente o mesmo número de células, por exemplo, e ativavam muitos dos mesmos genes. E pelo menos na placa de cultura, os blastoides recriam algumas etapas iniciais de implantação.

Obter os aglomerados era ineficiente, e aqueles que se formaram mostraram várias diferenças importantes em relação aos blastocistos derivados da fertilização in vitro. “Há muita coisa acontecendo que não entendemos”, disse a bióloga reprodutiva e do desenvolvimento Susan Fisher, da Universidade da Califórnia, em São Francisco (EUA). Ainda assim, ela enfatiza: “como primeiro passo é extremamente emocionante e muito pode ser aprendido.”

Embora as novas técnicas sejam ineficientes, Polo observa que elas ainda podem produzir blastoides em grande número. Isso poderia permitir aos pesquisadores usar blastoides para testar se certas substâncias químicas interrompem o desenvolvimento embrionário, rastrear como as mutações levam a deformidades congênitas e refinar a fertilização in vitro.

Os blastoides não são embriões, Wu adverte, mas são “uma coleção de células que passam pelos estágios iniciais da embriogênese”. Um blastoide humano não pode se desenvolver em um feto, acrescenta. Uma diretriz de pesquisa amplamente aceita, codificada em lei em alguns países, proíbe o cultivo de blastocistos por mais de 14 dias – e todos os quatro grupos seguiram esse limite de tempo com seus blastoides. Novas recomendações da Sociedade Internacional para Pesquisas com Células-Tronco, com lançamento previsto para maio, podem fornecer mais orientações sobre como trabalhar com estruturas semelhantes a embriões, como os blastoides.

Mas a reação do público a essas novas criações é incerta, disse Fisher. “É um caso de teste de como os cientistas e leigos se sentem em relação a um conjunto de células.”

Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.