Por Marcelo Gleiser
Publicado na National Public Radio
Nós podemos acreditar que sabemos o que está acontecendo à nossa volta. Afinal, podemos ver, ouvir, tocar, cheirar e provar o que está por perto.
Nossos sentidos são como antenas, captando informações sobre o nosso ambiente e trazendo essas informações para o nosso cérebro. O cérebro é esse órgão incrível capaz de sintetizar essas informações e nos dar um senso do real.
O problema é que, e todos sabemos disso, podemos mexer nessa noção de realidade, mexendo com a química do cérebro: álcool e drogas — você escolhe uma — mudarão a maneira como sentimos o mundo. Alguns medicamentos, como a mescalina ou o LSD, darão às pessoas a impressão de que agora elas realmente entendem o que está acontecendo, como se essas substâncias químicas pudessem, de alguma forma, abrir um portal para a natureza da realidade. Não é de se admirar que Aldous Huxley tenha chamado seu livro narrando seus experimentos com drogas alucinógenas de As Portas da Percepção.
Mas que percepção é essa?
Da ciência, em particular da física e da biologia, sabemos que o que sentimos da realidade é apenas uma mera fração do que realmente está acontecendo. A astronomia a olho nu ou a biologia a olho nu só vão até certo ponto. Precisamos de ferramentas, o que eu gosto de chamar de amplificadores de realidade, para entender o que está acontecendo além da nossa percepção sensorial. Telescópios, microscópios, detectores de partículas, espectrômetros, MRIs — são todas as ferramentas que usamos para ver o que não é aparente. E, se tivermos sorte, ocasionalmente uma ferramenta será tão poderosa que provocará uma revolução na forma como vemos o mundo e o nosso lugar nele.
As visões do mundo dependem do que vemos do mundo; altere a nossa percepção de forma radical olhando telescópios poderosos, microscópios ou detectores de partículas como os do CERN, o Centro Europeu de Pesquisas Nucleares onde o bóson de Higgs foi descoberto, e nossa visão de mundo precisará ser revisada. Da mesma forma, há a notável descoberta de ondas gravitacionais em fevereiro. Pensar que dois buracos negros colidindo há mais de um bilhão de anos poderiam fazer o espaço e o tempo estremecerem ligeiramente — por menos que um diâmetro atômico — e que essas ondas poderiam ser detectadas neste pequeno planeta por uma espécie inteligente é, no mínimo, alucinante.
A propósito, quando aquelas ondas passaram, você também tremulou. Não que alguém tenha notado, claro.
O que isso nos diz é que a ciência amplifica nossa percepção da realidade de maneiras surpreendentes, mas há sempre mais a ser visto lá fora, as coisas que escapam aos nossos vários detectores. À medida que a tecnologia avança e os nossos modelos e teorias são comprovados ou descartados, aprendemos mais sobre o mundo e como nos encaixamos nele. Mas sempre haverá o que está além do alcance das nossas máquinas, aquela parte elusiva da realidade que nos passa despercebida.
Imaginar que podemos preencher essa lacuna, que podemos chegar ao fundo disso, é apenas um otimismo ingênuo, talvez nutrido por um medo do desconhecido. Podemos, entretanto, pensar nisso de uma maneira diferente e comemorar nossa visão míope da realidade. Afinal, que graça teria chegar ao ponto final, proclamar, um dia, que conseguimos tudo, que agora entendemos o que é a realidade? Muito melhor sermos humildes sobre o que podemos entender, assim como Einstein, que sabia muito bem que a nossa compreensão do mundo é necessariamente imperfeita. O compromisso não é encontrar a resposta final, mas sim querer saber; isso é o que nos faz importar.