Por Ian Sample
Publicado no The Guardian
Um antibiótico poderoso que mata algumas das bactérias mais perigosas do mundo resistentes a drogas conhecidas foi descoberto usando inteligência artificial.
O medicamento funciona de maneira diferente dos antibacterianos existentes e é o primeiro de seu tipo encontrado ao adaptar a IA com base em vastas bibliotecas digitais de compostos farmacêuticos.
Os testes mostraram que a droga eliminou uma variedade de cepas de bactérias resistentes a antibióticos, incluindo Acinetobacter baumannii e Enterobacteriaceae, dois dos três patógenos de alta prioridade na lista da Organização Mundial da Saúde (OMS) que classifica como “alvos críticos” a serem combatidos com novos antibióticos.
“Em termos de descoberta de antibióticos, é algo de pioneirismo absoluto”, disse Regina Barzilay, pesquisadora sênior do projeto e especialista em aprendizado de máquina no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).
“Acho que esse é um dos antibióticos mais poderosos já descobertos até hoje”, acrescentou James Collins, um bioengenheiro da equipe do MIT. “Teve um papel notável contra uma ampla gama de patógenos resistentes a antibióticos”
A resistência aos antibióticos surge quando as bactérias sofrem mutações e evoluem para contornar os mecanismos que as drogas antimicrobianas utilizam para matá-las. Sem novos antibióticos para combater a resistência, 10 milhões de vidas em todo o mundo podem estar em risco a cada ano devido a infecções até 2050, alertou o relatório do economista Jim O’Neill durante governo do primeiro-ministro inglês David Cameron.
Para encontrar novos antibióticos, os pesquisadores primeiro treinaram um algoritmo de “deep learning” para identificar os tipos de moléculas que matam bactérias. Para fazer isso, eles forneceram ao programa informações sobre as características atômicas e moleculares de quase 2.500 medicamentos e compostos naturais, e o quanto estes foram eficazes ou não para bloquear o crescimento do micróbio E. coli.
Uma vez que o algoritmo aprendeu quais características moleculares produziam bons antibióticos, os cientistas trabalharam em uma biblioteca de mais de 6.000 compostos sob investigação para o tratamento de várias doenças humanas. Em vez de procurar possíveis antimicrobianos em potencial, o algoritmo se concentrou em compostos que pareciam eficazes, mas diferentes dos antibióticos existentes. Isso aumentou as chances de encontrar os medicamentos que funcionassem de novas formas e com grande eficiência, de uma maneira que os micróbios ainda não tinham desenvolvido a resistência ncessária.
Jonathan Stokes, um dos autores do estudo, disse que demorou horas para o algoritmo avaliar os compostos e apresentar alguns antibióticos promissores. Um deles, que os pesquisadores denominaram “halicina” em homenagem a Hal 9000, a IA que antagoniza com os astronautas no filme 2001: Uma Odisséia no Espaço, parecia particularmente potente.
Para a revista Cell, os pesquisadores descreveram como eles trataram inúmeras infecções resistentes aos medicamentos com a halicina, composto que foi originalmente desenvolvido para tratar o diabetes, mas que encontrou maior eficácia para outras aplicações.
Testes em bactérias coletadas de pacientes mostraram que a halicina matou o Mycobacterium tuberculosis, a bactéria causadora da tuberculose e cepas de Enterobacteriaceae resistentes aos carbapenêmicos, um grupo de antibióticos considerados o último recurso para essas infecções. A halicina também eliminou infecções em camundongos causadas pela Clostridium difficile e pela multirresistente Acinetobacter baumannii.
Para buscar novos medicamentos, a equipe recorreu a um enorme banco de dados digital com cerca de 1,5 bilhão de compostos, programarando o algoritmo utilizando 107 milhões destes. Três dias depois, o programa retornou uma lista restrita de 23 antibióticos em potencial, dos quais dois pareciam ser particularmente potentes. Os cientistas agora pretendem aprofundar a pesquisa no banco de dados.
Stokes disse que seria impossível rastrear todos os 107 milhões de compostos pela forma convencional de obter ou fabricar as substâncias e testá-las em laboratório. “Ser capaz de realizar esses experimentos no computador reduz drasticamente o tempo e o custo para analisar esses compostos”, disse ele.
Barzilay agora quer usar o algoritmo para encontrar antibióticos que são mais seletivos nas bactérias que matam. Isso significa desenvolver antibióticos que matam apenas os micróbios que causam uma infecção, poupando todas as bactérias saudáveis que vivem no intestino. Mais ambiciosamente, os cientistas pretendem usar o algoritmo para projetar novos antibióticos potentes do zero.
“O trabalho é bastante notável”, disse Jacob Durrant, que trabalha com desenvolvimento computacional de medicamentos na Universidade de Pittsburgh. “A abordagem da equipe destaca o poder da descoberta de medicamentos utilizando o potencial dos computadores. Seria impossível testar fisicamente mais de 100 milhões de compostos de caráter antibiótico”.
“Dado os custos típicos de desenvolvimento de medicamentos, em termos de tempo e dinheiro, qualquer método que possa acelerar a descoberta inicial de medicamentos tem o potencial de causar um grande impacto”, acrescentou.