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Por que a hidroxicloroquina não bloqueia o coronavírus nas células pulmonares humanas?

Por Katherine Seley-Radtke
Publicado na ScienceAlert

Um artigo saiu na Nature em 22 de julho, que enfatiza ainda mais estudos anteriores que mostram que os medicamentos para o tratamento da malária, como hidroxicloroquina e a cloroquina, não impedem o SARS-CoV-2 – o vírus que causa a COVID-19 – de se replicar em células pulmonares.

A maioria dos estadunidenses [e dos brasileiros]* provavelmente se lembra de que a hidroxicloroquina se tornou o foco de vários ensaios clínicos após a declaração do presidente [de ambos os países mas, no caso específico, o presidente estadunidense Donald Trump] de que o remédio poderia ser um “divisor de águas”. Na época, ele parecia basear essa afirmação em histórias anedóticas, bem como em alguns estudos iniciais e muito limitados de que a hidroxicloroquina parecia ajudar os pacientes com COVID-19 a se recuperarem.

Muitos pesquisadores no campo antiviral, inclusive eu [a autora da postagem original, Katherine Seley-Radtke], questionaram a validade de ambos estudos e, de fato, um dos artigos foi posteriormente menosprezado pela sociedade científica e pelo editor da revista que o publicou.

Desde então, a hidroxicloroquina passou por “acidentes no percurso”. Foi inicialmente aprovada pelo Food and Drug Administration dos Estados Unidos [ou FDA, agência responsável pela proteção e promoção da saúde pública, com o controle, entre outras coisas, de medicamentos, vacinas e biofarmacêuticos] para uso emergencial. O FDA rapidamente reverteu essa decisão quando surgiram vários relatos de mortes causadas por arritmias cardíacas. Essa notícia interrompeu muitos ensaios clínicos.

Independentemente disso, alguns cientistas continuaram a estudá-la na esperança de encontrar uma cura para esse vírus mortal.

Como o trabalho foi feito

O novo estudo foi realizado por cientistas alemães que testaram a hidroxicloroquina em uma coleção de diferentes tipos de células para descobrir por que esse medicamento não impede o vírus de infectar seres humanos.

Suas descobertas mostram claramente que a hidroxicloroquina pode impedir o coronavírus de infectar células renais do macaco-verde africano [Chlorocebus sabaeus]. Mas não inibe o vírus nas células pulmonares humanas – o principal local de infecção pelo vírus SARS-CoV-2.

Para que o vírus entre na célula, ele pode fazer isso por dois mecanismos – um, quando a proteína spike do SARS-CoV-2 se liga ao receptor ACE2 e insere seu material genético na célula. No segundo mecanismo, o vírus é absorvido em alguns compartimentos membranosos nas células chamadas endossomas.

Dependendo do tipo de célula, algumas, como as células renais, precisam de uma enzima chamada catepsina L para que o vírus os infecte com sucesso. Nas células pulmonares, no entanto, é necessária uma enzima chamada TMPRSS2 ou serina protease transmembranar 2 (na superfície celular). A catepsina L requer um ambiente ácido para funcionar e permitir que o vírus infecte a célula, enquanto a TMPRSS2 não.

Nas células renais dos macacos-verdes, a hidroxicloroquina e a cloroquina diminuem a acidez, que desativam a enzima catepsina L, impedindo o vírus de infectar as células dos macacos. Nas células pulmonares humanas, que possuem níveis muito baixos de enzima catepsina L, o vírus usa a enzima TMPRSS2 para entrar na célula.

Mas como essa enzima não é controlada pela acidez, nem a hidroxicloroquina e nem a cloroquina podem bloquear o SARS-CoV-2 de infectar os pulmões ou impedir a replicação do vírus.

Por que isso importa

Isso importa por várias razões. Primeiro, gastamos muito tempo e dinheiro estudando um medicamento que muitos cientistas disseram desde o início que não seria eficaz para matar o vírus.

A segunda razão é que os estudos que relataram atividade antiviral da hidroxicloroquina não estavam em células pulmonares epiteliais. Assim, seus resultados não são relevantes para o estudo adequado de infecções por SARS-CoV-2 em humanos.

Qual é o próximo passo?

À medida que os cientistas investigam novos medicamentos e tentam reaproveitar os antigos, como a hidroxicloroquina, é fundamental que os pesquisadores dediquem um tempo para pensar sobre os caminhos que os estudos vão seguir.

Em resumo, todos nós envolvidos no desenvolvimento de medicamentos antivirais devemos tirar uma lição desse estudo. É importante não apenas concentrar nossos esforços na busca de medicamentos que desativam diretamente a replicação viral, mas também no estudo do vírus no local primário da infecção.

Katherine Seley-Radtke, professora de química e bioquímica e presidente eleita da Sociedade Internacional de Pesquisa Antiviral, na Universidade de Maryland, condado de Baltimore.

  • Entre colchetes estão as notas do tradutor.
Julio Batista

Julio Batista

Sou Julio Batista, de Praia Grande, São Paulo, nascido em Santos. Professor de História no Ensino Fundamental II. Auxiliar na tradução de artigos científicos para o português brasileiro e colaboro com a divulgação do site e da página no Facebook. Sou formado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta. Autodidata e livre pensador, amante das ciências, da filosofia e das artes.